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A utilização da inteligência artificial na gestão processual

Por Eduardo Sávio e Yasmin Rodrigues*

 

1- Déficit no atual modelo de gestão processual.

Um dos “vilões” do sistema judiciário brasileiro é a sobrecarga derivada da quantidade de processos abertos diariamente. Até o final de 2021, o Brasil já possuía uma pendência de mais de 75 milhões de processos em aberto e, aproximadamente, 18 mil magistrados em todos os âmbitos do Judiciário para julgar os casos (CNJ, 2021). Assim, é inevitável o acúmulo de processos e o esgotamento do sistema da rede de organização de dados, por exemplo, utilizados pelo Judiciário.

Diante dos déficits presentes no modelo processual atual, pode-se citar, como exemplos:

1- A lentidão e a morosidade dos processos: a tramitação, ou seja, o percurso do processo, pode levar muito tempo, ocasionando uma sensação de injustiça e falta de crença no Sistema Judiciário, além do que, os recursos existentes são insuficientes para efetivar as demandas, levando à formação de acúmulos de processos e atrasos em sua resolução.

2-falta de recursos tecnológicos adequados: a utilização de processos manuais e sistemas desatualizados dificulta a eficiência e a agilidade na tramitação dos processos, contribuindo, desta forma, para a lentidão e a ineficiência do sistema.

3- A falta de transparência e de acesso à informação: o atual modelo processual, em sua maioria, é baseado em processos físicos, dificultando assim, o acesso aos documentos e informações por parte dos envolvidos no processo.

É evidente que o atual modelo processual precisa de melhorias, uma vez que ele carrega inúmeros problemas que consequentemente, prejudicam os cidadãos que buscam justiça e efetividade. Desse modo, uma vez que se busca por um modelo de gestão processual que assegure uma justiça mais transparente, eficiente, acessível e acelerada para todos, fica evidente a importância da implantação de algum sistema “extra”, como o de Inteligência Artificial, que consiga auxiliar o judiciário em todas as áreas e fases, diminuindo, portanto, a morosidade presente no atual mecanismo jurisdicional e garantindo agilidade no acesso à informação e um sistema menos burocrático.

 

2- Mais sobre o que seria a inteligência artificial

A Inteligência Artificial, é descrita por Henrique Pinto em seu artigo “A utilização da inteligência artificial no processo de tomada de decisões” publicado pela Revista Legislativa, da seguinte maneira “é a tentativa de transpor a capacidade humana de cognição para sistemas artificiais” (PINTO, 2020). Ou seja, é o campo da computação que se focaliza no desenvolvimento de sistemas e máquinas capazes de realizar tarefas que tipicamente demandam engenhosidade humana. Isto inclui atividades como detecção de padrões, resolução de enigmas, compreensão da linguagem humana, aprendizado e tomada de determinações.

Diante da sua implementação, a I.A. consegue resolver inúmeras dificuldades existentes antes da sua aplicação, porque ela certifica automação de tarefas rotineiras e repetitivas, na qual os profissionais do direito tenham um foco maior em atividades mais estratégicas e de maior valor, como as análises dos casos, tomada de decisões e estratégias, além de que a automação também reduz erros processuais, e assim, assegurando uma qualidade maior na resolução dos processos, e também atesta um processamento volumoso de dados rápido e organização de informações: a IA, diante de seus algoritmos avançados, pode analisar documentos, contratos e jurisprudências aceleradamente, agilizando a pesquisa jurídica e garantindo uma melhor fundamentação do caso visto que a mesma garante o cumprimento do prazo

Vale ressaltar que, diante da globalização do mundo atual, é inevitável a implantação da tecnologia no Sistema Judiciário, como foi defendido, por exemplo, pelo Ministro do Superior Tribunal Néfi Cordeiro:

O futuro é inevitável. Temos uma resistência natural às mudanças, mas temos que nos adaptar às novas atividades que envolvem a tecnologia(…) esse é um tema que é necessário ser pensado. Não dá mais para fingir que a nossa realidade vai mudar de uma hora para outra, não vamos diminuir o número de processos de repente. O processo tem que mudar. Vamos ter a tecnologia ao nosso lado? Que bom. O processo exige respeito às garantias, independentemente da vontade social de uma persecução com resultados mais imediatos. O processo exige que a presunção de inocência não seja apenas uma palavra bonita. Precisamos que as garantias se concretizem. A tecnologia é um meio à nossa disposição (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 2019).

 

As inteligências artificiais podem ser usadas em diversas funções ao longo do processo, seja para tirar dúvidas básicas de pessoas leigas em determinados assuntos legais, traduzir documentos, ou, até mesmo auxiliar juízes nas suas decisões judiciais, ao fornecer dados e pontos específicos analisados.

 

3- Pontos relevantes a serem analisados

Existem alguns pontos a serem considerados antes de chegar a conclusões acerca da implementação da IA no sistema processual brasileiro. Inicialmente, deve-se atentar que ainda existem muitas discussões em aberto que abordam o seguinte ponto: “ao obter um papel de relevância no judiciário brasileiro, quem será responsabilizado por eventuais decisões injustas ou incoerentes proferidas pela IA?” Ainda não existe resposta clara e certa para essa indagação, porém precisa ser respondida antes da implementação completa da inteligência.

É importante ressaltar que também existem receios diante desta tecnologia, uma vez que o medo do aumento do desemprego e substituição dos profissionais por “máquinas”, a presença de ataques cibernéticos e de violação de dados sensíveis, a exclusão digital, o distanciamento entre as partes e a dependência dos sistemas são bastantes presentes na sociedade. A busca pela melhoria e eficácia é uma vontade geral, assim como a dúvida se tal tecnologia seria a chave para solucionar todos os problemas existentes na área processual.

Entretanto, vale ressaltar que já existem escritórios e órgãos públicos que implementaram tal tecnologia, o STJ possui o “Sistema Athos” e “Sócrates”, ambos Inteligências Artificiais que buscam auxiliar na melhoria processual; já no STF, temos por exemplo, o robô Victor, sendo gerado por uma parceria entre o Supremo Tribunal Federal e a Universidade de Brasília, foi assim nomeado decorrente de uma homenagem ao ex-Ministro do STF Victor Nunes Leal. A função deste dispositivo é de ler todos os recursos que chegam ao STF e identificar quais estão vinculados a certos temas de repercussão. Além disso, a UNB também mencionou que o mesmo tem capacidade de filtrar elementos considerados espúrios, como erros de digitalização e imagens, dividir frases em partes menores e cria símbolos para as partes mais relevantes do texto; reduzir palavras muito parecidas ou que possuem mesmo radical a símbolos comuns; dá uma etiqueta a cada arquivo, classificando-o em uma das peças relevantes ao projeto; atribui um rótulo com a repercussão geral do processo.

Os números e eficácia de Victor são bastante expressivos, visto que o mesmo consegue realizar um trabalho em segundos que um servidor demoraria horas. Além disso, o robô não tem por objetivo ocupar a vaga de um servidor ou substituir a tarefa jurisdicional dos Ministros, visto que tal inteligência é exclusiva para atividades burocráticas que ocupam enorme tempo dos trabalhadores. Assim, com sua presença de processamento rápido e concreto, os servidores podem ser deslocados para outras áreas do tribunal e assegurando a eficiência do funcionamento do Supremo.

Diante dos resultados que a nova ferramenta trouxe, o STF está Módulo de Jurisdição Extraordinária (MJE)”, classificado assim pelos desenvolvedores como o projeto de maior inovação tecnológica do Poder Judiciário, visto que diante existem estudos que deduzem que uma grande parte do esforço operacional no processamento judicial da Corte poderão ser reduzidos com a nova ferramenta, representando milhões de reais em recursos humanos por ano.

 

4- Considerações finais.

O Direito Brasileiro e o sistema judiciário, apesar das inegáveis evoluções ao longo dos anos, ainda demonstra a necessidade de melhorias que assegurem a efetividade do sistema, garantindo melhores respostas em menor período de tempo e com mais transparência e acessibilidade, é bastante válido a presença de uma ferramenta capaz de promover maior benefício tanto aos servidores quanto às partes e sociedade.

Assim, a Inteligência Artificial, como o caos do Sistema Athos, Sócrates e o Robô Victor, relata ser uma ótima solução para ajudar a suprir muitos dos déficits existentes no Judiciário, os quais se não resolvidos urgentemente, tendem a aumentar e consequentemente, decair a qualidade e a crença no funcionamento do órgão Jurídico. A presença da tecnologia auxilia nos serviços mais trabalhosos que requerem maior atenção, permitindo assim, que os servidores se dediquem às questões mais técnicas, acelerando o processo processual.

É válido abordar tais questões de forma consciente, e buscando soluções que mantenham um equilíbrio entre os benefícios da Inteligência Artificial e a preservação de valores do jurídico. A responsabilidade legal da IA são pontos cruciais, visto que à medida que ela se torna mais autônoma e toma decisões, fica necessário aplicar um quadro com maior clareza, que assegure a ética, equidade, justiça, transparência, praticidade e proteção dos direitos individuais e coletivos.

Diante de todas as análises realizadas, percebe-se que a Inteligência Artificial é uma forte aliada no decorrer processual, visto que sua ferramenta garantiu ótimas respostas durante sua aplicação inicial, otimizando o trabalho dos profissionais jurídicos, garantindo agilidade processual e a promoção de uma justiça acessível. Claramente não é possível determinar que esta máquina seria a solução de todos os problemas do judiciário, contudo, diante da quantidade de resultados positivos, definitivamente, é um ótimo começo para assegurar a justiça e qualidade processual que todos devem ter acesso.

 

Notas e Referências:

*Bacharelandos em Direito pelo Centro Universitário FrassinetTi do Recife – UniFAFIRE.

Aplicação da Inteligência Artificial no Mundo Jurídico: Vantagens, Desvantagens e Impacto | Jusbrasil

Quanto tempo demora um processo judicial e quais suas opções

CENTRO UNIVERSITÁRIO FG-UNIFG DIREITO LUÍSA EDUARDA FLORES CARNEIRO ARTIGO CIENTÍFICO INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E DECISÃO JU

A Inteligência Artificial Pode Ser Mais Eficiente Que os Humanos no Sistema Judiciário? – Data Science Academy

CONJUR. STJ cria sistema de inteligência artificial para agilizar processos. Disponível em <https://www.conjur.com.br/2018-jun-14/> . Acesso em 13/11/2023.

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Judiciário ganha agilidade com uso de inteligência artificial. 2019. Disponível em <https://www.cnj.jus.br/judiciario-ganha-agilidade-com-uso-de-inteligencia-artificial/ > Acesso em 13/11/2023

INAZAWA, Pedro; HARTMANN, Fabiano; CAMPOS, Teófilo de; BRAZ, Fabricio; SILVA, Nilton. Projeto Victor: Como o uso do aprendizado de máquina pode auxiliar a mais alta corte Brasileira a aumentar a eficiência e a velocidade de avaliação judicial dos processos julgados. Machine Learning. Disponível em < https://www.sbc.org.br/images/flippingbook/computacaobrasil/computa_39/pdf/CompBrasil_39_180.pdf>. Acesso em 13/11/2023

PINTO, Henrique. A utilização da inteligência artificial no processo de tomada de decisões: Por uma necessária accountability. RIL Brasília. 57 n. 225 p. 43-60 set/out. 2023. Disponível em: http://www12.senado.leg.br/ril/edicoes/57/225/ril_v57_n225_p43

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Presidente do STJ destaca importância da inteligência artificial na gestão e no planejamento da Justiça. 2020. Disponível em  <https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/02072020-Presidente-do-STJ-destaca-importancia-da-inteligencia-artificial-na-gestao-e-no-planejamento-da-Justica.aspx >. Acesso em 18/10/2020

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Revolução tecnológica e desafios da pandemia marcaram gestão do ministro Noronha na presidência do STJ. 2020. Disponível em <https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/23082020-Revolucao-tecnologica-e-desafios-da-pandemia-marcaram-gestao-do-ministro-Noronha-na-presidencia-do-STJ.aspx#:~:text=Inscreva%2Dse-,Revolu%C3%A7%C3%A3o%20tecnol%C3%B3gica%20e%20desafios%20da%20pandemia%20marcaram%20gest%C3%A3o%20do%20ministro,STJ%20no%20pr%C3%B3ximo%20dia%2027.> . Acesso Em 14/11/2023.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. STJ sedia encontro para debater novas tecnologias e aperfeiçoamento do Sistema de Justiça. 2019. Disponivel em < http://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/STJ-sedia-encontro-para-debater-novas- tecnologias-e-aperfeicoamento-do-Sistema-de-Justica.aspx>.Acesso em 14/11/2023.

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Inteligência Artificial vai agilizar a tramitação de processos no STF. 2018. Disponível em < http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=380038>. Acesso em 14/11/2023.

 

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