O crowdfunding e o financiamento das campanhas eleitorais no Brasil.
José Durval de Lemos Lins Filho[1]
Adriana Almeida Calado[2]
O financiamento das campanhas tem sido ponto nevrálgico no cenário eleitoral, notadamente pela forma como pode repercutir no exercício do poder decorrente dos mandatos. Os episódios de corrupção revelados no passado recente do Brasil evidenciam que, para além da vertente política de que se trate, o poder econômico tem a capacidade de corroer estruturas administrativas e alcançar o centro decisório, comprometendo as decisões que deveriam se pautar pelo interesse público.
O propósito de minimizar o “seqüestro” do interesse público pelo poderio econômico particular ensejou a edição da Lei nº 13.487/2017, que, tendo modificado a Lei das Eleições (Lei nº 9.504/97), criou e nela incluiu o FEFC – Fundo Especial de Financiamento de Campanhas, formado por recursos públicos.
A despeito da criação desse fundo, o financiamento das campanhas eleitorais no Brasil segue o modelo misto, em que são utilizados recursos públicos (oriundos do FEFC), recursos do próprio candidato e contribuições individuais, vedando-se as doações de recursos oriundos de pessoas jurídicas.
Na forma da Resolução TSE Nº 23.607/2019, os recursos do próprio candidato podem custear até 10% do valor-limite, também conhecido por teto de gastos, que será divulgado pelo Tribunal Superior Eleitoral até o mês de julho deste ano.
Por seu turno, as pessoas físicas (ou naturais) que desejarem contribuir para a campanha podem fazê-lo em valor que não supere 10% (dez) por cento de sua renda anual bruta aferida no exercício financeiro anterior, na forma do art. 23, da Lei das Eleições e do art. 27, caput, da Resolução TSE Nº 23.607/2019. Naturalmente, a doação implicará na emissão de recibo eleitoral, a ser expedido a partir do próprio SPCE – Sistema de Prestação de Contas Eleitoral, viabilizando a contabilização de todos os recursos empenhados na empreitada eleitoral.
Em termos de iniciativa privada, é interessante ressaltar que a norma permitiu a arrecadação prévia de recursos na modalidade “financiamento coletivo” (ou crowdfunding), que ficou popularmente conhecida como “vaquinha virtual”. Essa arrecadação se dá ainda na pré-campanha, e com a interveniência de aplicativos de internet credenciados pelo Tribunal Superior Eleitoral.
As doações efetuadas pelo aplicativo ensejarão também emissão de recibos eleitorais, ficando a empresa respectiva responsável pela elaboração da lista de doadores, tudo para garantir a publicidade do processo. Não é demais esclarecer que o candidato beneficiado pelas doações só terá acesso a esses valores após o registro de sua candidatura perante a justiça eleitoral. Caso ele desista de disputar as eleições, não tenha seu nome aprovado nas convenções do partido/federação, ou mesmo não consiga obter o registro de candidatura, a empresa que administra o aplicativo descontará os encargos de administração e restituirá os valores aos doadores.
O calendário eleitoral em curso assegura, por força do art. 22, §4º, da Resolução TSE Nº 23.607/2019 que esse procedimento de arrecadação antecipada de financiamento coletivo (crowdfunding) pode ser realizado a partir do dia 15 de maio do ano das eleições. Com o registro da candidatura, os valores serão transferidos para a conta aberta em nome do candidato, identificada pelo seu CNPJ de campanha, sob a rubrica de “doações para campanha”. Esse procedimento favorece à fiscalização por parte da Justiça Eleitoral (inclusive pela sua interface com a Receita Federal), além de ser importante instrumento de participação democrática, pois, além de doador, o eleitor tende a reforçar o seu papel de fiscal de eleições que se pautem pela lisura e pela indelével marca da democracia.
O procedimento de financiamento coletivo favorece ao engajamento do doador (que deverá ser também futuro eleitor daquele candidato), e apesar da desconfiança com o cenário e os atores políticos e da insipiente cultura de doação, um estudo realizado por SECCHI, WINK JÚNIOR e MORAES (2021) demonstrou que a técnica aumenta em 5,5% (cinco e meio pontos percentuais) a chance de eleição do candidato.
Fazendo também uma análise política e financeira dos resultados obtidos pelo crowdfunding, COSTA (2020) constatou o elevado valor que circulou pelos aplicativos de financiamento coletivo, esclarecendo que as “vaquinhas impulsionaram campanhas de partidos menores e mais ideológicos, e podem mudar o cenário eleitoral em cidades pequenas”. Segundo o que ele constatou, 85% (oitenta e cinco por cento) dos valores empregados na campanha do então candidato à Presidência da República Jair Bolsonaro (PSL) teria sido oriundo de financiamento coletivo, e que, nas eleições municipais, o método também se destacou, sendo apontados como cases de sucesso arrecadatórios as campanhas de Manuela D’Ávila (PC do B), em Porto Alegre e de Guilherme Boulos (PSOL) e Arthur Mamãe Falei (Patriota), ambos em São Paulo.
Neste cenário de imbricação entre atores econômicos e políticos, de nova conformação partidária trazida pelas federações, e de um contexto social de alta polarização, é relevante acompanhar o fenômeno de financiamento das campanhas, como mais um instrumento para afiançar a democracia brasileira.
Referências:
SECCHI, Leonardo; WINK JUNIOR, Marcos Vinicio; MORAES, Cryslan Jordan de. Crowdfunding e desempenho eleitoral no Brasil: análise estatística das eleições para deputado federal em 2018. Revista de Administração Pública, nº 55, Setembro-Outubro/2021.
COSTA, João Gado. Como foi utilizado o financiamento coletivo nas eleições de 2020?. Disponível em https://pindograma.com.br/2020/12/23/fincol.html. Acesso em 14/05/2022, às 17:45h.
[1] Mestre em Direito Público pela UFPE – Universidade Federal de Pernambuco e Doutorando em Direito pela UNICAP – Universidade Católida de Pernambuco. Professor de Direito Penal e de Direito Eleitoral da UNICAP – Universidade Católica de Pernambuco e da UPE – Universidade de Pernambuco.
[2] Especialista em Direito Administrativo pela Universidade Gama Filho/RJ. Advogada.