Primeiras considerações acerca do instituto da Assistência no Direito Processual Civil brasileiro
1. Considerações iniciais
O presente texto é fruto de reflexões minhas como estudioso e, acima de tudo, professor de Direito Processual Civil. Muito do que aqui se encontra tem a ver com intuições obtidas na própria sala de aula.
Além disso, ele já foi publicado, num nível ainda mais informal, em minha página profissional no Facebook: Professor Roberto P. Campos Gouveia Fillho.
Resolvi aproveitar o ensejo de uma obra que está por sair em homenagem ao decano do Centro de Ciências Jurídica da Universidade Católica de Pernambuco, professor Ubiratan de Couto Maurício, para, aperfeiçoando o texto, dar a ele uma divulgação mais ampla. Neste momento inicial, compartilho-o aqui na Coluna.
A informalidade, porém, permanece. Seja pelas citações espontâneas, seja pela ausência do cotejo dos tantos autores que analisaram a problemática.
Longe de ser, portanto, um texto dentro dos rigores acadêmicos.
Por fim, como o próprio título alude, são primeiras – dentre muitas possíveis – considerações acerca da temática posta. Não deixa de ser, de algum modo, uma espécie de primeira parte sobre.
2. Dos problemas a serem enfrentados
A assistência é dos temas mais imbricados dentro da grande temática dos sujeitos do processo. Mais, pode ser assim considerada no âmbito de toda a Dogmática Processual Civil.
Seja pela questão da “natureza do assistente litisconsorcial”, do conceito de “efeito reflexo”, da noção de “eficácia da intervenção”, passando pelo conceito de “interesse jurídico” até questões de ordem mais procedimentais, como a necessidade, ou não, de comunicar àquele que pode ser assistente da pendência da causa que lhe é de interesse, a assistência é assunto que clama por maior atenção da processualística. Isso não obstante importantes obras que existem sobre sua temática, das quais destaco as de Ubiratan de Couto Maurício e Ovídio Baptista da Silva, dois processualistas que, por motivos dos mais variados, são essenciais em minha vida como professor de Direito Processual Civil.
Por isso, resolvi dedicar breves linhas à problemática da assistência. Como sói ocorrer com os textos que divulgo na mencionada página, trago sempre questões mais complexas, polêmicas, ainda não de todo resolvidas. Fugir do “mais do mesmo” é o meu lema como professor e pesquisador do Direito.
Iniciarei a análise do que vem a ser efeito reflexo, aspecto central da temática da assistência.
Sem maiores delongas, sabe-se que as decisões judiciais (e não só as de procedência!) têm variadas eficácias, verdadeiras potencialidades delas. Elas podem ser sintetizadas em cinco categorias, tal como o fez Pontes de Miranda: declaração, constituição, condenação, ordenação e execução. A complexidade dessa temática é, a meu ver, a maior que existe em toda a Teoria do Processo, de modo que se deve ter o máximo de cuidado possível quando de sua análise, pois, afora a obviedade (não para todos, infelizmente) de que a decisões não têm pureza eficacial, as eficácias se relacionam entre si, além de existir a possibilidade de, na mesma decisão (individualmente considerada), mais de um módulo eficacial de mesma categoria ocorrer (como na sentença de eficácia declaratória, em que há, no mínimo, duas declarações).
Dessas eficácias emanam efeitos que repercutem, de acordo com a normatividade regente do caso, a alguns sujeitos. As partes em geral são as atingidas. Atualizadamente, aquele a que se chama de autor é o beneficiário do efeito sentencial; sendo réu aquele que sofre tal efeito.
Ocorre que alguma (ou algumas) dessas eficácias podem atingir outros sujeitos, já que ligados à causa por uma relação jurídica conexa, caso clássico do sublocatário na ação de despejo. Esse atingimento dá-se por reflexo, no sentido de a decisão repercutir para outra relação diversa da deduzida, sendo a conexão daquela a esta o que possibilita a deflexão eficacial.
Com maior ou menor rigor analítico, isso é mencionado por todo processualista digno de nota que se disponha a enfrentar o tema.
Todavia, deve-se ir além. É necessário, a partir da categorização nos fornecida pela Teoria Geral do Direito, sempre focada, porém, nas diversas nuances previstas no direito positivo, investigar, no mínimo, dois problemas:
i) esse ponto de conexão entre as duas relações jurídicas – a deduzida e a reflexa – sempre está na pessoa do assistido ou é possível que esteja na pessoa do adversário deste?
ii) o efeito reflexo é consequência estritamente natural da eficácia decisional ou ele vai depender do resultado da causa?
A cada uma das questões acima dedicarei um item próprio.
3. O ponto de conexão entre as duas relações jurídicas (a deduzida e a reflexa) sempre está na pessoa do assistido ou é possível que esteja na pessoa do adversário deste?
Complexidade à parte, a causa material da assistência é o chamado interesse jurídico, e isso tanto para a assistência simples (arts. 121-123, CPC) como para a litisconsorcial (art. 124, CPC).
Embora certa má compreensão na processualística sobre essa abrangência do interesse jurídico, esta transparece-se pelos seguintes motivos:
i) interesse jurídico é expressão tipológica, e não estritamente Não tem, assim, seu referente de todo determinado. Em termos teórico-jurídicos, não designa, em exemplos, estritamente uma relação jurídica, uma situação jurídica, um efeito jurídico qualquer. Serve, porém, para abarcar todos eles, já que são relativos à juridicidade, objeto contido no adjetivo jurídico do substantivo interesse, que formam o significante em comento. Outro dado delimitativo do termo é o do próprio substantivo interesse. Este é expressão designativa de tudo aquilo que possa afetar a esfera do sujeito, seja para beneficiá-lo, seja, principalmente, para prejudicá-lo. Interesse é, em algum sentido, a própria esfera do indivíduo, em tudo aquilo que a ele possa ser relevante. É preciso, todavia, que ele tenha juridicidade, algo denotado pelo adjetivo contido na expressão. Logo, relevância para o indivíduo desde que baseada nalguma juridicidade é uma delimitação possível do termo interesse jurídico;
ii) é preciso, no entanto, não confundir interesse jurídico com o chamado interesse de agir. Este é requisito para toda a qualquer atuação processual de sujeitos interessados (como, e em especial, as partes). Mais, tal como sustenta Pontes de Miranda, é necessário ao próprio direito de ação (pretensão à tutela jurídica), quando em concreto. Já aquele é referente à intervenção em si. Nos moldes descritos acima, tem a ver com a legitimidade para intervir, análoga à legitimidade para agir;
iii) voltando à questão da abrangência da expressão interesse jurídico, de um ponto de vista mais da sistemática do direito positivo, sabe-se que ela está contida na seção referente à parte geral da assistência (previsão no caput do art. 119, CPC, mais propriamente), e não na seção específica da assistência simples, que vem logo a seguir. Isso, no mínimo, torna necessária a explicação de o porquê do entendimento de se ter no interesse jurídico um elemento componente do suporte fático de apenas uma das formas de assistência, máxime da dita simples, como sói ocorrer;
iv) o que acontece é que, tal como falado em (i), a expressão, dada a sua vagueza, serve para possibilitar qualquer tipo de ligação daquele que pode ser assistente com a causa, desde que ela tenha juridicidade. Tal como tratado no mesmo lugar, essa ligação consiste no fato de o sujeito poder ser atingido em sua esfera (de juridicidade), seja para se beneficiar, seja, principalmente, em prejuízo a ele. São nas eficácias das possíveis decisões relativas à causa que se deve buscar a ocorrência, ou não, do É lícito, porém, para se reduzir a complexidade, limitar a ideia de interesse jurídico à de relação jurídica, e isso em três níveis:
iv.1) relação jurídica daquele que pede para ser assistente com a parte a ser assistida, caso, clássico, do sublocatário na ação de despejo;
iv.2) relação jurídica daquele que pretende ser assistente com o adversário da parte a ser assistida, como se tem na hipótese do fiador na ação de cobrança da dívida afiançada;
iv.3) quando aquele que pretende intervir é o próprio titular da relação jurídica deduzida (ou alguém que, no âmbito pré-processual, tenha poder para discuti-la).
Nos dois primeiros casos, há a possibilidade de eficácia jurídica reflexa da decisão a ser proferida; no último, eficácia propriamente direta.
Assim, em resposta à primeira das perguntas feitas logo no preâmbulo deste texto, tanto em (iv.3) quanto em (iv.2), a ligação do assistente com a causa ocorre, no mínimo também, pelo adversário do assistido.
Em (iv.3), porquanto seja ele titular da própria causa, hipótese que, de tão óbvia, torna despiciendos maiores comentários.
Já em (iv.2) se tem o assistente titularizando relação jurídica outra, que, em vez de sê-lo pelo vértice do assistente, é conexa à causa pelo adversário do último. É o caso da fiança em relação à dívida afiançada. Nos moldes do art. 818, CC, a obrigação de fiança tem o fiador como sujeito passivo e, como sujeito ativo, o credor da dívida afiançada. Nela, o devedor é, a princípio, apenas beneficiário e, num segundo momento, responsável em regresso. Desse modo, nas ações em que a dívida afiançada esteja em discussão, o fiador pedirá para assistir a parte que, materialmente, seja devedora, pois, sendo julgada improcedente a ação, a declaração de inexistência (ou, de algum modo, ineficácia) da dívida a ele servirá.
Em sendo assim, sabendo que o móvel que leva alguém a intervir em processos é um interesse próprio (ou, no mínimo, alheio, desde que ele tenha legitimidade para defender), interesse esse juridicamente relevante, outra conclusão não é possível senão a de que àquele que pode intervir são possibilitadas as vias mais comuns para satisfação de seus interesses, especificamente a propositura de alguma ação hábil para tanto e o procedimento adequado a ela, notadamente o comum (arts. 318 e segs., CPC).
É preciso, porém, mais bem desenvolver a conclusão acima, dada a pouca (ou quase nenhuma) usualidade dela.
Para tanto, perguntas podem ser úteis: i) que tipo de ação aquele que pode ser assistente poderia propor? ii) o ato de sua intervenção não constitui, por si, afirmação de uma ação?
Respostas.
Quanto à (i), é fundamental compreender que, se se permite a intervenção daquele que pode ser assistente, e isso, nos moldes acima, para a discussão de interesse próprio, é porque esse interesse é um dado juridicamente relevante, logo, na perspectiva pré-processual, é abarcado por pretensão à tutela jurídica (direito de ação, como se costuma falar). E a intervenção também constitui exercício dessa pretensão. Os modos de exercício da pretensão à tutela jurídica são os mais variados, ao contrário do que aparentemente costuma se entender). O ato de intervir é, sem dúvida, um deles, pois, por ele, quer-se algo do Estado-juiz (a este o interveniente comunica uma vontade sua). A conclusão, aqui, é sic et simpliciter.
Entretanto, neste caso, ele o faz por adesão a um pedido já deduzido, porque, dentro de seu interesse particularizado no agir interventivo, o pedido da parte assistida já lhe basta. Ao aderir, torna-se um beneficiário identificado do pedido, fazendo jus, com isso, a que o juiz especifique o alcance da decisão em relação a ele, assistente. Os motivos que movem assistência são dos mais variados (como a prevenção, o juízo de oportunidade, daí a assistência poder ser como que “um pegar carona”), mas é possível dizer, ao menos em hipótese, que de todos eles se predica a ideia de tutela dos interesses do assistente.
Portanto, o ato de intervir não é, univocamente, uma forma constituinte de exercício de ação, uma vez que a ação proposta, a quem o assistente adere, já lhe satisfaz. Ele não ajunta à ação proposta outra sua, apenas adere. A “luta” pelo interesse alheio é condição suficiente para a defesa do seu interesse. Na assistência, o interesse do assistente dá-se subliminarmente ao interesse do assistido. Eis a resposta à pergunta (ii).
Não obstante, isso não significa, em nenhuma hipótese, que o assistente não tenha ao menos uma ação a servir ao seu interesse e, em função dela, não tenha direitos a remédios processuais mais ordinários, como o direito ao procedimento comum. Ação essa, frise-se, proponível contra quem esteja a ir de encontro ao seu interesse, ou seja: o adversário do assistido. E, aqui, é de se perguntar: tem o último alguma relação jurídica com o assistente a qual seja “base de sustentação” da mencionada ação? Tal como foi definido alhures, a ligação do assistente pode ser com o próprio adversário do assistido, caso do fiador na ação de cobrança da dívida afiançada, de modo que, neste caso, é evidente a existência de relação a envolvê-los.
Todavia, mesmo diante de casos em que a ligação se dê na pessoa do assistido, a existência de ação do assistente contra o adversário do último está no fato do efeito reflexo que a eficácia da decisão pode gerar. Efeito esse produto da ação movida contra o assistido. E isso especialmente quando o efeito reflexo possa emanar, inexoravelmente, contra aquele que pode assistir (em verdade, há hipóteses em que o efeito reflexo pode ser produzível somente em favor do assistente), pois que tal emanação é condição necessária à própria efetivação da decisão, como se dá com o sublocatário da ação de despejo.
Desse modo, àquele que pode assistir é dado propor ação contra o adversário do seu assistido. Nessa ação, ele poderá, alegando os mesmos fatos que possam ser alegados pelo assistido, pedir algo que fulmine as pretensões do adversário deste. Pode o sublocatário, por exemplo, propor ação contra o locador para declarar ter havido a renovação contratual (ou, no mínimo, declarar a existência do direito a renovar) e, com isso, impossibilitar o despejo. Mais, ao sublocatário ações de função preventiva ganham relevo, e. g., inibitória para impedir que o locador dê em locação o bem a outrem.
Caso a ação relativa ao assistido ainda não tenha sido proposta, a possibilidade de propositura de ação em tais moldes pelo assistente é plena. A ele não se deve impor o peso de esperar pelo agir do assistido. Em sendo proposta, este deve ser comunicado da litispendência para alegar o que entender pertinente.
Já estando proposta, porém, não é que tal ação deixe de existir, tenha sua eficácia suspensa ou coisa análoga. O máximo que se pode dizer é que, pelo fato da via da assistência se mostrar menos complexa, faltaria interesse de agir na propositura da ação por aquele que pode assistir. O problema, desse modo, não tem a ver com a ação em si (com o direito material), mas sim com a pré-processualidade do interesse de agir: desnecessidade do meio utilizado (propositura de ação) tendo em vista outro mais expedito (intervenção em assistência).
Claro, se o processo já estiver em fase bastante adiantada, de modo que pouco o assistente terá a acrescentar em termos de influência no resultado, a via ordinária está mais do que aberta, não se podendo falar em desnecessidade dela.
4. O efeito reflexo é consequência estritamente natural da eficácia da decisão ou ele vai depender do resultado da causa?
Impende, antes de tudo, esclarecer qual o sentido da expressão consequência estritamente natural da eficácia da decisão posta acima.
Pois bem. O termo natural tem a ver aí com aquilo que é de mais próprio ao ente, no caso, a eficácia da decisão. Algo, portanto, referente à sua individualidade, de modo que, para além das categorizações, deve ser precisado diante das nuances do caso. Nesse sentido, embora as eficácias de qualquer decisão sejam compreensíveis nas categorias existentes (declaração, constituição, condenação, ordenação e execução), é pela individualidade do caso que se estabelecerá o que lhe é próprio e o que lhe é estranho. Como venho dizendo, nada de soluções apriorísticas.
Natural, enfim, como o que é da constituição em si do ente.
Logo, a eficácia de uma decisão é projetada para determinado fim. Se, no caso, este for consequência própria, ter-se-á algo que lhe é estritamente natural, não sendo um algo a mais em sua existência. O exemplo da eficácia executiva da ação de despejo é cabal. Como cediço, tal eficácia tem a potencialidade de tirar a coisa da esfera do locatário e, por consequência, pô-la na esfera do locador, isso porque, por algum motivo, houve a extinção do contrato de locação, de modo que a posse do locatário passou a ser injusta. Para que essa eficácia possa ter efetividade – isto é, repercuta no mundo sensível-, faz-se necessário que o locatário seja da coisa retirado, ele ou quem quer que, lá estando, a ele seja relacionado. Aqui, encontra-se a figura do sublocatário. Ou seja, havendo no âmbito locatício um sublocatário, este sofre a eficácia executiva da decisão de despejo por uma razão natural: caso não se pudesse desapossá-lo, nenhuma efetividade teria a decisão de despejo, ela tornar-se-ia um flatus vocis.
Isso, por óbvio, não permite ao juiz fazê-lo sem possibilitar ao sublocatário a oportunidade de contraditório. Daí a necessidade, expressamente prevista em lei (§ 2° do art. 59, Lei n. 8.245/91), de comunicar-lhe da litispendência, sob pena de nulidade. Ao contrário do que poderia dizer algum incauto, a necessidade de tal comunicação não se trata de uma realidade que destronaria a premissa acima fixada, porquanto, verdadeiramente, esta comprova-se por aquela: é exatamente porque o sublocatário sofrerá a possível eficácia executiva que ele deverá ser comunicado. A necessidade de comunicação está no plano da validade (forma) do ato decisório, e não na sua eficácia em si (matéria).
Ocorre que, é aqui a processualística tende a não perceber (arrisco dizer, muito pelo viés apriorístico com que costuma fazer suas análises), essa naturalidade do efeito reflexo nem sempre se dá.
Com isso, apresento a reposta à pergunta título deste item. A fundamentação para tanto já foi estabelecida: é a individualidade do caso que ditará a categorização jurídica. Ao jurista, cabe vasculhar, à medida que a necessidade lhe aparecer, essa individualidade. Uma explicação geral, como a ora empreendida, precisa, contudo, de algum lastro na realidade. E os exemplos servem a tal intento. Valer-me-ei da hipótese do fiador na ação de cobrança da dívida afiançada, uma vez que, além de frequente na realidade, já está sendo neste texto utilizada.
É possível dizer que, nela, há a possibilidade de algum efeito reflexo? Sim, vindo a ser julgada improcedente a referida ação, a eficácia declaratória (de inexistência da dívida ou de algo análogo, como o encobrimento da eficácia obrigacional pela ocorrência da prescrição) servirá tanto ao devedor acionado, como também ao fiador, que não mais poderá ser cobrado. Em nível de eficácia de coisa julgada, tal declaração a ele se estende por expressa previsão em lei (art. 506, CPC).
No entanto, a eficácia precípua da ação de cobrança não atinge o fiador. Isso porque, uma vez vindo o devedor a ser condenado (causa final da ação de cobrança), não se faz necessário, para o implemento da condenação, envolver o fiador na responsabilização patrimonial. Claro, é possível que o devedor não tenha patrimônio penhorável suficiente para a satisfação do crédito, mas isso é um dado meramente acidental da vida, de modo que não pode ser utilizado para fins de uma definição científica. Substancialmente, a condenação contra o devedor tem força independentemente de ser oponível ao fiador.
Na hipótese de improcedência da ação de cobrança, nos moldes fixados no penúltimo parágrafo, o efeito reflexo é natural, não em virtude da ação de cobrança, mas sim por força da duplicidade por contraditoriedade que toda ação afirmada contém. No caso, o dizer do autor de que há uma dívida não paga contém, como em qualquer afirmação particular, a possibilidade de, em sendo falsa, resultar no exato oposto (a contradição). No caso, de inexistência da dívida em tais moldes. E isso se estende ao fiador porque a base de sua obrigação é a dívida principal, que fora declarada inexistente ou coisa análoga.
Ainda se faz necessário elucidar mais um ponto referente à pergunta formulada. É preciso saber se a naturalidade, ou não, do efeito reflexo está necessariamente relacionada ao fato de o assistente ter ligação com a causa pelo assistido, como no exemplo do sublocatário na ação de despejo, ou se isso é um dado meramente acidental.
Como venho fazendo questão de frisar, nenhuma resposta ao tipo de problema acima pode ser dada aprioristicamente. É imperioso analisar caso por caso.
Constantes, todavia, podem ser estabelecidas, a partir da análise de exemplos. Alhures, analisando a questão do fiador em relação à ação de cobrança da dívida, mostrei que, sendo nesta de improcedência a decisão, a ele o efeito declaratório repercute em benefício, isto porque a relação obrigacional dele para com o credor (a de fiança) tem por base a dívida afiançada, declarada inexistente (ou coisa que o valha). Assim, é possível dizer que: todas as vezes que a relação do assistente com o adversário do assistido tiver por fundamento a relação processualmente deduzida, o efeito declaratório referente à improcedência da ação repercutirá em favor do assistente, tendo havido a intervenção dele ou não. Neste caso, como dito anteriormente, a naturalidade não é da ação proposta em si, mas sim da sua contrariedade, que leva à improcedência. Natural não é a ação de cobrança, mas sim a declaratória de inexistência de dívida (ou algo análogo).
Já quando o elo do assistente com a causa se dê na pessoa do assistido, é preciso buscar, ao menos, um exemplo que mostre a não naturalidade do efeito reflexo. Qualquer que o seja, servirá para a demonstração não só da impossibilidade de solução a priori ao problema, consoante já aventado, como também, e principalmente, da própria acidentalidade do efeito reflexo na assistência.
Um exemplo, tradicionalmente utilizado no âmbito da assistência para servir à explicação, é do tabelião que intervém na ação de falsidade da escritura pública como assistente da parte beneficiária do ato escriturado.
No caso, pretende o tabelião, acima de tudo, demostrar ser o documento autêntico a fim de evitar ser, das mais variadas formas, responsabilizado. Em tal ação, porém, não se faz necessário que a eficácia precípua (declaração de falsidade da escritura) repercuta à esfera jurídica do tabelião para produzir, naturalmente, seu efeito. Declarado falso o documento, tudo aquilo que, baseado nele, fora feito, como um registro imobiliário, cai por tabela. A decisão declaratória de falsidade produz um efeito expansivo objetivo, mas, para tanto, não é preciso atingir o tabelião[1]. Em verdade, não há falar sequer em efeito reflexo, que é de todo despiciendo.
Isso mostra que não é próprio da assistência o efeito reflexo. Nela, ele é apenas algo meramente possível, um acidente seu. Portanto, mesmo ausente tal efeito, é plenamente admissível a assistência, desde que, nos moldes delineados, presente esteja o interesse jurídico.
Diante de um caso em que o efeito reflexo não tenha como ocorrer, a comunicação da pendência da ação àquele que pode ser assistente não apenas é desnecessária à validade da decisão a ser proferida, é, e principalmente, algo que, por inútil, contraria o princípio da duração razoável do processo.
Salvo se, contra aquele que pode ser assistente, alguma das partes, ou até mesmo ambas, tenha interesse no exercício de alguma pretensão. No exemplo dado, a eficácia da intervenção (art. 123, CPC) em favor do adversário do assistido constitui um caso no qual tal interesse aparece[2].
Notas e Referências:
[1] O caso nada tem a ver com o de um possível envolvimento do tabelião no procedimento fraudulento. Neste, para que a eficácia tenha força contra ele, faz-se, por óbvio, necessária sua comunicação, tal como se réu o fosse. Não obstante, não se pode falar em efeito reflexo, já que o fim para o qual ele serve não é o desfazimento dos atos fraudulentos, mas sim o de responsabilização, especialmente civil, do tabelião.
[2] Como no exemplo do rodapé acima. Nele, dá-se como eficácia da intervenção ao tabelião o reconhecimento de sua culpa quando da confecção da escritura pública. Com isso, resta delineado o caminho para uma condenação dele a ressarcir o sujeito lesado, que é o autor da ação declaratória de falsidade.