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A prescrição do débito condominial sob a óptica do Art. 1.335, III, do Código Civil

O processo de urbanização das cidades e o desenvolvimento das mais variadas unidades habitacionais, inclusive com a integração de moradias dentro de um condomínio, desencadeou a necessidade de a legislação estipular contornos que regulem a convivência dentro dessas micro coletividades.

No caso dos condomínios edilícios, o conjunto das obrigações legais que delineia essa coabitação, prevendo os direitos e deveres dos condôminos, intenta estabelecer a ordem e proporcionar o cumprimento da função social do condomínio.

Dentre as obrigações descortinadas pela legislação, há o dever de pagamento das cotas condominiais, o qual encontra base normativa no Código Civil e na Lei 4.951/64:

 

Art. 1.315, CC/02. O condômino é obrigado, na proporção de sua parte, a concorrer para as despesas de conservação ou divisão da coisa, e a suportar os ônus a que estiver sujeita.

Art. 1.334, CC/02. Além das cláusulas referidas no art. 1.332 e das que os interessados houverem por bem estipular, a convenção determinará: I – a quota proporcional e o modo de pagamento das contribuições dos condôminos para atender às despesas ordinárias e extraordinárias do condomínio;

Art. 1.336, CC/02. São deveres do condômino: I – contribuir para as despesas do condomínio na proporção das suas frações ideais, salvo disposição em contrário na convenção;

Art. 12, Lei 4.951. Cada condômino concorrerá nas despesas do condomínio, recolhendo, nos prazos previstos na Convenção, a quota-parte que lhe couber em rateio.

 

O condomínio pode ser definido como uma reunião de unidades autônomas, de uso exclusivo, que, todavia, também possui áreas destinadas à utilização pela coletividade. Com efeito, a obrigação de pagamento das taxas condominiais representa o cumprimento de um dever individual, com vistas à harmonia, bom funcionamento e manutenção da dinâmica comunitária.

A taxa condominial é uma obrigação propter rem, isto é, acompanha o imóvel que a gerou, sendo por ela responsável o indivíduo que exerce a titularidade do direito real sobre o bem. Assim sendo, esse ônus surge concomitantemente ao vínculo jurídico formado com o imóvel.

Essa incumbência é imposta a todos os condôminos, tendo em vista que os valores se destinam à preservação e manutenção do condomínio, remetendo ao direito coletivo de uso e gozo da estrutura, incluindo a utilização de benefícios como segurança e limpeza.

Isto quer dizer que será vedado ao condômino se abster de adimplir essas cotas, visto que as áreas comuns se encontram à sua plena disposição.

Haja vista a importância que cada contribuição tem, o Código Civil elencou alguns mecanismos para impulsionar a adimplência, afastando a mora dos condôminos, dentre eles, o acréscimo ao débito originário de juros e multa em razão do atraso no pagamento das taxas, conforme prevê o Art. 1.336, §1º.

Afinal, o condomínio permanece suportando inúmeras despesas, como o pagamento de seus funcionários e sua própria manutenção. Se um morador deixar de adimplir a quantia que lhe é devida, a situação repercute negativamente para os demais, que, por sua vez, precisarão suprir a ausência de ativos no saldo condominial.

Outra sanção legal é imposta pelo Art. 1.335, III, do Código Civil:

 

Art. 1.335. São direitos do condômino: III – votar nas deliberações da assembleia e delas participar, estando quite.

 

A norma restringe o direito do condômino à participação e voto em assembleia pela sua inadimplência, justamente com o objetivo de o compelir a saldar seu débito. No entanto, não é incomum encontrar situações nas quais as penalidades previstas na lei, convenção condominial e regimento interno não sejam suficientes para encerrar a inadimplência.

Assim, o Código de Processo Civil de 2015, especificamente no seu artigo 784, inciso X, conferiu força executiva à despesa condominial, tornando possível a cobrança do montante devido através do rito de uma execução, sendo desnecessário o ajuizamento de uma ação monitória ou o trâmite de uma fase de conhecimento.

Para tanto, deverá ser demonstrado que o título executivo é certo, líquido e exigível.

A certeza refere-se ao enquadramento das despesas condominiais no rol de títulos executivos extrajudiciais (artigo 784, VIII do CPC) e a sua instituição formal em assembleia geral, não havendo discussão sobre o seu dever e cabimento.

A liquidez concerne ao valor da obrigação, o qual pode ser extraído de documentos como relatório de inadimplência, atas de assembleias, dentre outros pertinentes.

Por fim, a exigibilidade correlaciona-se à possibilidade de cobrança imediata pelo credor, inexistindo circunstância que obstaculize a cobrança do crédito condominial, como é o caso da prescrição, a perda do direito de agir em razão do decurso do tempo.

O artigo 206, §5º, inciso I, do Código Civil de 2002 sacramenta o entendimento de que o prazo para a cobrança das contribuições condominiais é de 05 (cinco) anos, a contar do dia do vencimento da prestação, o que significa dizer que após esse lapso temporal não será possível o ajuizamento da ação de execução ou o início de qualquer outro meio de cobrança da dívida.

Não por acaso, no julgamento de Recurso Especial nº 1.483.930, submetido ao rito dos repetitivos, o Superior Tribunal de Justiça confirmou que o prazo prescricional aplicado à cobrança de taxas condominiais é de cinco anos:

 

RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. DIREITO CIVIL. COBRANÇA DE TAXAS CONDOMINIAIS. DÍVIDAS LÍQUIDAS, PREVIAMENTE ESTABELECIDAS EM DELIBERAÇÕES DE ASSEMBLEIAS GERAIS, CONSTANTES DAS RESPECTIVAS ATAS. PRAZO PRESCRICIONAL. O ART. 206, § 5º, I, DO CÓDIGO CIVIL DE 2002, AO DISPOR QUE PRESCREVE EM 5 (CINCO) ANOS A PRETENSÃO DE COBRANÇA DE DÍVIDAS LÍQUIDAS CONSTANTES DE INSTRUMENTO PÚBLICO OU PARTICULAR, É O QUE DEVE SER APLICADO AO CASO. RECURSO ESPECIAL Nº 1.483.930 – DF (2014/0240989-3)

 

Passa então a fazer sentido a máxima “dormientibus non succurrit jus”, ou seja, o direito não socorre aos que dormem, como uma forma de elidir a inércia daqueles que são detentores de direito a pleitear em juízo. A ideia é que os conflitos sejam resolvidos dentro de um período razoável de tempo, em respeito à estabilidade e segurança jurídica.

Conforme visto, a Lei Civil elenca medidas coercitivas para que o condômino ponha fim à sua conduta moratória, dentre elas, a restrição do seu direito de participar e votar em assembleias.

A prescrição atinge o direito do condomínio de executar o valor, entretanto, seria ela capaz de afastar a condição de inadimplente do condômino e, consequentemente, lhe restituir o direito à participação e voto em assembleia? A princípio, não.

O fato de o direito de cobrança da despesa condominial ter sido fulminado não reflete automaticamente a anulação do débito, de modo que ele permanece existente, apenas não podendo ser cobrado judicial ou extrajudicialmente.

Neste sentido, vale o questionamento: se o condômino não poderá mais ser cobrado pela dívida existente, mas remanesce a sua condição de inadimplente, poderá o seu acesso e voto serem restringidos em assembleia?

Os julgados analisados revelam a prevalência do entendimento de que, considerando que a restrição do direito de participação e voto em assembleia representa um artifício para conduzir o condômino a pagar o débito, não poderá o condomínio se utilizar deste mecanismo para o obrigar a pagar dívida já prescrita.

 

APELAÇÃO CÍVEL. COBRANÇA DE TAXAS CONDOMINIAIS PRESCRITAS. PROIBIÇÃO DE PARTICIPAÇÃO E VOTO EM ASSEMBLEIAS CONDOMINIAIS. ABUSIVIDADE. DANO MORAL. INVIABILIDADE. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. 1. O transcurso do lapso temporal elide a possibilidade de o credor exigir a dívida, seja mediante meios judiciais ou extrajudiciais. Assim, não pode o condomínio tolher o direito de participação e de votos, em razão de dívida que se encontra prescrita. (TJ-DF 07108148920228070001 1694920, Relator: FÁBIO EDUARDO MARQUES, Data de Julgamento: 27/04/2023, 5ª Turma Cível, Data de Publicação: 01/06/2023)

 

APELAÇÃO. DIREITO CIVIL. COBRANÇA DE TAXAS CONDOMINIAIS. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. ART. 206, § 5º, INCISO I, DO CC. COBRANÇA DE DÍVIDA JÁ PRESCRITA. PROIBIÇÃO DE PARTICIPAÇÃO E VOTO EM ASSEMBLEIAS CONDOMINIAIS. ABUSIVIDADE. 1. O prazo prescricional aplicável à pretensão de cobrança de taxas condominiais é de cinco (05) anos. Precedentes do STJ e do TJDFT. 2. O direito de participação e voto em assembleias condominiais (art. 1.335, inciso III, do CC) decorre diretamente do direito de propriedade (art. 5º, inciso XXII, da CF) e consubstancia a atuação do condômino na administração da coisa comum, para cuja manutenção e melhora, por seu turno, possui o dever de contribuir (art. 1.336, inciso I, do CC). 3. Em caso de inadimplência por parte do condômino, o condomínio possui uma série de instrumentos legais para proceder à cobrança de tais valores. Todos voltados, porém, a medidas de índole estritamente pecuniária, tais como a imposição de multa e juros moratórios, conforme prevê os arts. 1.336, § 1º, e 1.337, ambos do CC. 4. Não pode o condomínio tolher o direito de participação e de votos, em razão de dívida que se encontra prescrita, ainda mais se as obrigações condominiais atuais estiverem em dia, uma vez que não é possível utilizar de outros meios e práticas abusivas com o intuito de coagir o condômino devedor a pagar dívida já prescrita. 5. Apelo não provido. (TJ-DF 0708691-60.2018.8.07.0001, Relator: ARNOLDO CAMANHO, Data de Julgamento: 16/05/2019, 4ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE: 03/06/2019. Pág.: Sem Página Cadastrada.)

 

A prescrição não pressupõe a extinção do ônus de adimplir as taxas condominiais. A prescrição encerra tão somente a pretensão de exercer o direito, mas não o direito per si, e, embora a jurisprudência se posicione da maneira supramencionada, não há uma resposta exata para o questionamento feito.

À luz dos precedentes e pela própria decorrência lógica, uma vez que a restrição do direito do condômino à participação e voto em assembleias tem o objetivo de forçá-lo a saldar a sua dívida e que este débito, depois de prescrito, não é mais exigível, não seria razoável  continuar o impedindo de participar ativamente nas decisões tomadas pela coletividade.

No entanto, a exegese da lei fala tão somente sobre estar quite, e, conforme dito, com a prescrição a dívida não deixa de existir, sobejando uma lacuna que alimenta a hipótese de que o condômino, ainda ocupando a condição de inadimplente, possa ser proibido de entrar e votar em assembleias gerais.

 

 

 

 

 

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Maria Luiza Homcy
Pós-graduanda em Direito Imobiliário pelo Instituto Luiz Mário Moutinho (ILMM). Graduada em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). Advogada (Da Fonte, Advogados).

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