(In)constitucionalidade da cooperação processual – 1ª Parte
Reflexões introdutórias sobre a (in)constitucionalidade do Princípio da Cooperação: raízes históricas – a Cooperação como Princípio, Modelo ou Cláusula Geral?[i]
Por Alexandre Callou da Cruz Gonçalves[ii]
Produto de criação da doutrina social-democrata alemã, a Cooperação Processual é apresentada como um «modelo de processo» que, no plano teórico, objetiva (re)organizar[iii] o papel das partes e do juiz no procedimento judicial. No modelo «cooperativo», almeja-se “equilibrar” o trabalho entre todos os sujeitos processuais[iv], tendo como força motriz o «Princípio da Cooperação Processual», o qual preconiza o dever de o juiz conduzir o procedimento de forma «dialogal», tratando as partes igualitariamente, com vistas a permitir a influência destas na elaboração dos provimentos jurisdicionais.[v]
O «processo» se transforma em uma verdadeira «comunidade de trabalho»[vi] (Zivilprozess als Arbeitsgemeinschaft) que, por meio do «redimensionamento do Princípio do Contraditório», inclui o juiz dentro do rol dos sujeitos do diálogo processual, atuando de forma paritária com as partes no debate, e assimétrica, na decisão.[vii] Assim, sempre no nível do discurso, propõe-se um modelo em que o juiz dirigirá efetivamente o procedimento, pautado no diálogo sincero e na consideração do material fático-jurídico e probatório produzidos (sic).
Na Alemanha, a emersão do Princípio da Cooperação (Kooperationsmaxime) se deu a partir de mudanças ideológicas – com a confluência de ordens políticas, relativamente a questões de sistematização e estruturação do processo civil – mostrando-se, em diversos estudos, como a solução da dicotomia entre Dispositionsmaxime e o Inquisitionsmaxime.[viii]
Por tal razão, alguns doutrinadores identificam a Cooperação Processual a partir do paralelo histórico do Processo Civil, realizado na perspectiva estrutural do procedimento (relação Juiz-Partes), dentro do qual se qualifica uma classificação bipartite: enquanto 1) na primeira, de índole liberal, as partes eram as verdadeiras donas do processo, conduzindo-o e enfrentando-o como um duelo; 2) na segunda, destaca-se o papel interventor do Magistrado, a dirigir o processo e atuar ativamente nas postulações dos litigantes. Tratam-se do processo do Dispositivo e do Inquisitório, respectivamente.
No tear destas premissas introdutórias, ora sintetizadas, entre os seus adeptos, o Princípio da Cooperação Processual se revel(ou)a como uma espécie de panaceia, apta a solucionar as deficiências dos modelos do Dispositivo e do Inquisitório, “equilibrando” (“unindo”) o melhor destes dois mundos. No limite, perpassa-se a ideia de que se trata de um requisito sine qua non para a obtenção de uma decisão jurisdicional “justa”, “eficaz” e célere, o que justificaria, em tese, compreender a sua positivação como a instauração de um novo modelo de “processo”.[ix]
No âmbito do direito positivo, em Portugal – grande fonte de inspiração da doutrina cooperativista brasileira – a ideia de uma «colaboração no processo» é conhecida desde 1926, sendo verificada nas disposições do Decreto n.º 12.353, de 22 de Setembro. Consoante destaca Luís Correia de Mendonça, parte da atual compreensão acerca da Cooperação Processual pode ser identificada nas disposições do art. 28[x], designadamente, com os poderes do Juiz de esclarecimento e prevenção. As previsões contidas nos números 1º (“chamar a atenção das partes para quaisquer deficiências, irregularidades ou vícios que possam ser corrigidos”), 2º (“convidar as partes a esclarecer e completar as suas alegações e os seus meios de prova”), 4º (“determinar a comparência pessoal das partes quando o julgue conveniente ou para tentar a conciliação ou para as ouvir sobre os factos essenciais da causa”) e 9º (“ordenar preparos e remover todos os obstáculos ao seguimento do processo”), aproximam-se, considerável e inequivocamente, aos deveres de cooperação (nomeadamente, o de esclarecimento e prevenção), defendidos por grande parte da doutrina cooperativista, com ênfase especial no Professor Doutor Miguel Teixeira de Sousa, precursor da sistematização dos ditos deveres.
O Decreto 12.353 provocou uma reforma no Código de Processo Civil português de 1876, o qual, como típico da sua época, possuía matriz de pendor liberal. Em verdade, o legislador português – inspirado em questões de ordens políticas e ideológicas, portanto, metajurídicas («fora do direito»), traduzidas nas mudanças conceituais-estruturais ocorridas entre o final do século XIX e início do século XX – positivou institutos primados na concepção social do procedimento jurisdicional civil. Isto fica evidente na “Exposição dos Motivos”, em que se apontou dentre as imperfeições do CPC/1876 o “conceito individualista da relação processual, de onde derivam, como corolários, o princípio da inércia e passividade do juiz e a liberdade ilimitada das partes em orientar e dirigir toda a estrutura do processo”.[xi]
Nesse sentido, dois princípios compuseram o seu âmago: a Oralidade e a Concentração da Atividade do Juiz. Para justificar os fundamentos, acompanhou-se o movimento do publicismo processual e estampou-se a nova função do processo civil: “acima do interesse das partes há, na ação judicial, o interesse do Estado”.[xii] Ora, sendo a justiça uma das funções estatais, e sua sedimentação ocorre pelo julgamento, logo, deve-se conceder ao Juiz os poderes necessários para a rápida e “justa” resolução do litígio. Assim, positivou-se, no artigo 27º, o Princípio do Inquisitório, consubstanciado na atividade permanente e intensiva do Magistrado.
Eis o contexto normativo berço da Cooperação Processual em Portugal. Entretanto, apenas em 1939, no CPC lusitano, surgiu, de forma inédita (a título de direito positivo), a previsão, enfática e categoricamente, de um «dever de colaboração» entre os envolvidos na demanda judicial (art. 524).[xiii] Tal dever surgiu com dois vieses teleológicos: i) para a descoberta da verdade; e ii) para a boa administração da justiça. A cooperação se dava pela a) resposta ao que for perguntado; b) submissão às inspeções necessárias; c) faculdade daquilo que for requisitado; e pela d) prática dos atos determinados. O seu descumprimento acarretava consequências determinadas na lei, de acordo com a qualidade do sujeito: 1) sendo terceiros, aplicava-se multa, sem prejuízo de outros meios coercitivos admitidos; 2) tratando-se de partes, “considerar-se-ão provados os factos que se pretendiam averiguar”.
Disso se compreende que a cooperação nasceu com primazia na ideia de que a) concessão de poderes materiais ao magistrado e a b) imposição de deveres de colaboração entre os sujeitos processuais, seriam as soluções para a superação de deficiências típicas do processo do Dispositivo. A escolha desses artifícios, ademais, é chancelada pela concepção social do processo, voltada para a busca da “verdade” e da “justiça” de forma rápida.
A influência dos trabalhos preparatórios do CPC italiano de 1940, torna a conclusão inicial exposta acima ainda mais nítida. Para a elaboração do CPC de 1939, o legislador português inspirou-se diretamente nos trabalhos que antecederam a publicação do Codice di Procedura Civile de 1940, especialmente, naqueles que ensejaram as disposições dos artigos 117 e 118: (i) nos termos do art. 117, tem-se o interrogatório não formal das partes, a partir do qual o juiz pode ordenar o comparecimento pessoal das partes, em qualquer fase do processo; (ii) já o art. 118, permite a determinação de inspeção pelo juiz, das pessoas e das coisas, essenciais à resolução do litígio, e, caso a parte ou o terceiro se recusasse a “colaborar”, sofreriam consequências. Em ambos, observa-se o aumento dos poderes do Julgador.[xiv] Não obstante, o legislador italiano tratou também de uma «cooperação» dos sujeitos (sobretudo no art. 117), que deverão não apenas colocar à disposição as coisas, como também, caso seja necessário, a sua própria pessoa. A partir deste dever (justificado na busca da “verdade”), os sujeitos processuais deveriam estar dispostos a, se preciso for, sacrificar os seus próprios interesses, em prol do interesse público do processo, com seu fim publicístico.[xv]
Não por outra razão, Carnelutti chegou a comparar a atividade desenvolvida no interrogatório não formal do art. 117 (ou o exame radioscópico das partes, como prefere o autor) ao serviço militar.[xvi] E Calamandrei identificou um “dever cívico” dos cidadãos em pôr à disposição não apenas os bens, mas também a própria pessoa litigante, em homenagem a orientação publicística do processo civil.[xvii]
Em Portugal, essa concepção foi concebida por José Alberto dos Reis, reconhecendo-a no mencionado art. 524 do CPC de 1939, e por César Abranches, que aborda-a mais intensamente, na defesa de uma «espontânea cooperação» das partes com o tribunal, sob pena de “sanções penais violentas”.[xviii]
Dessa forma, compreende-se que a ideia da Cooperação Processual foi concebida no núcleo duro do Socialismo Processual, a partir da imposição de poderes de intervenção ao Estado-juiz, em detrimento da autonomia, liberdade e autorresponsabilidade dos litigantes. Identificada a concepção, passa-se a investigar o seu desenvolvimento.
Principal influente dos cooperativistas brasileiros, Miguel Teixeira de Sousa – adepto e grande fomentador do instituto – é responsável pela autoria de diversos escritos sobre a temática. Em comentário ao projeto da reforma de 1995, Teixeira de Sousa celebrou a escolha do legislador português, em superar “algumas tradições napoleónicas e liberais do processo civil nacional, em especial, quanto ao âmbito de disponibilidade das partes sobre o processo (…)”. Para tanto, na busca de uma rápida e “justa” resolução dos litígios, dois pilares deveriam nortear a reforma do processo civil português: 1) a efetividade da justiça administrada pelos tribunais através de uma decisão rápida, “justa” e eficiente; e 2) a subordinação das partes e do juiz ao princípio da colaboração, aumentando a “operacionalidade dos sujeitos processuais”.[xix]
Na segunda edição de seu livro “Estudos Sobre o Novo Processo Civil” (1997), Teixeira de Sousa, entendendo o processo como um “instrumento de poder do Estado”[xx], defendeu a necessidade de legitimação externa do processo, ou seja, “a correspondência da decisão com a realidade extraprocessual”. Para tanto, seria necessária a “concessão de poderes instrutórios e inquisitivos ao juiz, e o favorecimento do diálogo entre os sujeitos processuais”. Dessa forma, um dos requisitos necessários para a legitimação externa do processo seria a assunção de um papel interventor por parte do Juízo, em consideração à concepção social do processo, que torna as partes “instrumento de justiça do Estado”.
O Autor entende que a cooperação se materializa em três dimensões: a) «parte-tribunal»; b) «tribunal-parte»; e c) «parte-parte». Com primazia na eficiência do processo e na descoberta da verdade, insistindo que isso é defendido no plano discursivo, o dever de colaboração deve conceder uma direção ativa do processo pelo Juiz, impondo-o, em contrapartida, a necessidade de conduzi-lo de forma dialógica com os demais sujeitos processuais. Portanto, destinado a alcançar a “justa” composição do litígio, pelo dever de cooperação, o Juiz assume uma função de assistência às partes, auxiliando-as para atingir a “justa” resolução da ação.[xxi] Resumidamente, Teixeira de Sousa identifica a existência de cinco subdeveres (“deveres funcionais”, como prefere) dentro do dever de colaboração: 1) o de inquisitoriedade; 2) o de esclarecimento; 3) o de prevenção; 5) o de consulta; e 5) o de auxílio. De acordo com Teixeira de Sousa, ainda, a cooperação processual é um instituto de eficácia «indireta», carente de previsão e intermediação de outros dispositivos diretos (regras específicas) para surtir os seus efeitos. Logo, o Princípio da Cooperação «não» é uma cláusula geral.
No ponto, por outro lado, Fredie Didier Jr. – na publicação de estudo de pós-doutoramento realizado na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa – analisou a “densidade normativa” do Princípio da Cooperação com base no CPC português e inovou, ao afirmar que o princípio: 1) instaurou um novo modelo de processo civil no direito português; e 2) possui eficácia jurídica direta, independente, portanto, de específicas regras para sua concretização, configurando-se como um exemplo de cláusula geral.[xxii] Nas palavras de Didier Jr., “a utilização de cláusulas gerais é uma técnica legislativa (…) [que] permite uma abertura do sistema jurídico a valores ainda não expressamente protegidos legislativamente”. Nesse sentido, compreendendo ser “indiscutível que um sistema de cláusulas gerais reforça o poder criativo da atividade jurisdicional”[xxiii] e que “os deveres de cooperação são conteúdo de todas as relações jurídicas: autor-réu, autor-juiz, juiz-réu, autor-réu-juiz, juiz-perito, perito-autor, perito-réu, etc.”[xxiv], Didier Jr. confessa a preocupação e a causa essendi da Cooperação Processual: «a intervenção discricionária do Magistrado per saltum e à revelia da Lei no procedimento judicial civil para a construção de uma decisão “justa” e rápida».
Didier Jr. recai em equívocos multifacetários, sendo o primeiro deles «metodológico». Nos domínios da doutrina portuguesa, a cooperação não se situa no polo das classificações de maior força normativa, nem mesmo dentre os seus simpatizantes, tampouco como uma cláusula geral. As classificações feitas são sempre nas espécies secundárias (= aquelas que não desfrutam de fundamentalidade jurídica – não são protagonistas), tratando-se de Princípio de política legislativa (Correia de Mendonça); Princípio instrumental (Teixeira de Sousa); ou Princípio sem dignidade constitucional (Lebre de Freitas).[xxv] De fato, a manobra legisferante de positivação da cooperação processual é insuficiente para – em termos dogmáticos – elevar o tema à categoria dos Princípios Estruturais ou Fundamentais do Procedimento Civil, embora o CPC brasileiro e português tentem colocá-lo como tal. Em verdade, a cooperação processual sequer deve integrar a categoria dos princípios jurídicos, em decorrência da carência de suporte deontológico. Não há princípio instituidor na CRFB/88 que possibilite afirmar que tal instituto constitui princípio no nível ordinário. Trata-se de uma das invenções da “Era do Pamprincipiologismo”, isto é, princípios fabricados de modo tautológico e com nítida pretensão retórico-corretiva; refere-se ao general attack à vulgarização de princípios na argumentação jurídica.[xxvi] Ao fim e ao cabo, mostra-se incompatível com o «Estado Democrático Parlamentar de Direito Legislado», pois configura, confessadamente, um «activismo judiciário» de «orientação democrática e social».[xxvii]
Apenas na perspectiva de um «olhar de turista» – sempre enviesado pelo encantamento e pelo fascínio – a construção cooperativista é idealista e, nesse caso, até mesmo convidativa. Mormente quando contraposta a um cenário de extremos. O entusiasmo dos seus adeptos é notório e instigante: a equilibrada repartição de funções entre o juiz e as partes (José Carlos Barbosa Moreira), com primazia na feição substancial do contraditório (Carlos Alberto Alvaro de Oliveira), imputa deveres cooperativos (Miguel Teixeira de Sousa) a todos os sujeitos processuais, direcionando o processo à descoberta da verdade, para a construção de uma decisão “justa”, rapidamente. Encantadora que é, a ideia também pode ser compreendida como um modelo (Daniel Mitidiero) e há quem a considere como uma cláusula geral (Fredie Didier Jr.).
Entretanto, transcende, com clareza solar, o fato de que o cooperativismo expressa um sistema processual com a atribuição de um poder (discricionário) mais interventor à figura do Estado-juiz, buscando compensá-lo pelo dever de diálogo entre os sujeitos processuais. Na «estrutura cooperativa», a valorização do «debate processual democrático» na descoberta da “verdade”, traveste a defesa de um protagonismo judicial, sem o qual (sic) a conquista da “justiça” se mostra impossível.
O papel interventor do órgão jurisdicional é realçado especialmente na doutrina do Professor Doutor Miguel Teixeira de Sousa (principal influente dos cooperativistas brasileiros). O autor defende a existência de uma obrigação de «colaboração mútua» entre as partes e o tribunal, para a justa resolução do conflito judicial, com brevidade e eficácia. Contudo, a concretização deste Princípio procede do desenvolvimento de (ao menos na relação Juiz – Partes) quatro deveres fundamentais: o dever de Esclarecimento, o dever de Prevenção, o dever de Consulta e o dever de Auxílio – sendo todos estes, condutas de «intervenção» no desenvolvimento do processo, impostas ao «juiz/tribunal» em relação às partes.[xxviii] Como intuitivo, o instituto se opera na relação «Juiz-Partes», atribuindo determinados deveres de atuação do magistrado frente às postulações dos particulares.[xxix] Logo, a Cooperação reforça os papéis interventores do magistrado – ou seja, trata-se de um reforço do Princípio do Inquisitório[xxx] –, compensando-o, supostamente, pelo dever do diálogo entre os sujeitos do procedimento judicial[xxxi]. Todavia, decorrente da incansável busca pela “justa”, “eficaz” e rápida resolução litigiosa, tal fortalecimento tende a pôr em risco, ameaçar e violar determinadas «garantias fundamentais» das partes.
Dessa forma, não se trata de um ponto de equilíbrio entre o Dispositivo e o Inquisitório, como pretende a doutrina cooperativista brasileira. Segundo Dierle José Coelho Nunes, “no pêndulo pró-juiz, de um lado, e pró-parte e advogado, do outro, a comparticipação [colaboração] e o policentrismo buscam o dimensionamento e o equilíbrio de concepções liberais e sociais em face das nuanças de aplicação normativa”.[xxxii] O autor, em coautoria com Humberto Theodoro Jr., Alexandre Melo Franco Bahia e Flávio Quinaud Pedron, destaca a influência das reformas dos anos de 1990 realizadas em Portugal e, em uma tentativa de justificar o modelo comparticipativo de processo, afirma: “desde as reformas dos anos 1990 e no recente Novo CPC daquele país [Portugal], há um afastamento em parte das tendências reformistas de caráter social, ou seja, da submissão do processo ao controle judicial como forma de afastar os inconvenientes do processo liberal”.[xxxiii] A visão resume a forma de ingresso do Princípio da Cooperação processual em terrae brasilis: um instituto inconfundível com as ideias do socialismo processual, que tem como objetivo reorganizar as funções dos sujeitos processuais, de modo a valorizar o diálogo processual.
A tese não corresponde à realidade. Primeiro, não há afastamento das “tendências reformistas de caráter social” em Portugal, nomeadamente, nas modificações provocadas em 95/96. O próprio Miguel Teixeira de Sousa, em comentário ao projeto da reforma de 1995, celebrou a escolha do legislador português em superar “algumas tradições napoleónicas e liberais do processo civil nacional, em especial, quanto ao âmbito de disponibilidade das partes sobre o processo(…)”[xxxiv]. Não raramente, Teixeira de Sousa cita Franz Klein, e registra claramente sua visão de processo:
(…) O processo jurisdicional não pode deixar de reflectir essas preocupações sociais e de ser impregnado por uma concepção social: a solução dos conflitos não é uma matéria do mero interesse dos litigantes e estes não devem ser tratados como titulares abstractos da situação litigiosa, mas antes como indivíduos concretos com necessidades a que o direito e o processo devem dar resposta. Como referia com notável visão Franz Klein, ao sentimento popular é mais estranha a indiferença do tribunal perante a ameaça da ofensa ou a violação do direito de um indivíduo do que um maior empenhamento ao tribunal na resolução do litígio.
Além disso, nas reformas de 95/96, não apenas se conservou os dispositivos normativos característicos do modelo autoritário, como também se reforçou determinadas normas típicas do socialismo processual.[xxxv] Observa-se que a cooperação processual detém apenas duas formas de densificação, pela: a) concessão de poderes materiais ao magistrado; e/ou b) imposição de deveres entre os sujeitos processuais. Logo, o argumento de que o Princípio da Cooperação Processual (ou até mesmo o “modelo cooperativo”) funciona como um ponto de equilíbrio entre o Dispositivo e o Inquisitório, não convence. Há muito do «não-dito», pela doutrina brasileira, ao ignorar (ou camuflar?), a indissociabilidade entre a criatura (Cooperação) e o criador (socialismo/publicismo processual).[xxxvi] Longe de ser o pêndulo localizado entre o Princípio do Dispositivo e o Princípio do Inquisitório, a Cooperação Processual hipertrofiada (como quer parcela de seus adeptos), tem o condão de servir como “biombo”, para justificar o fortalecimento dos poderes do magistrado. Antes de ser uma solução, “representa uma quimera suscetível de trazer consequências nefastas ao próprio direito processual civil”.[xxxvii]
Não por outro motivo, o instituto é cultivado no íntimo da concepção do processo como “instrumento de poder do Estado”[xxxviii]. Sucede-se como o Cavalo de Troia: a romântica visão da comunidade de trabalho, com o ilusório posicionamento equânime do juiz com as partes, traz no seu interior, de forma velada, o recrudescimento dos poderes daquele, em detrimento das garantias e liberdades destas. Ao fim e ao cabo, longe de ser uma panaceia para os problemas do processo civil, a única forma de robustecer e fortalecer o chamado modelo cooperativo se dá a partir do «aumento dos poderes do Estado-juiz», em detrimento da liberdade e da autorresponsabilidade da partes.
Nessa perspectiva, Correia de Mendonça defende que a sistematização dialógica da colaboração não é suficiente para afastar ou compensar o Princípio do Inquisitório, pois “as origens da cooperação radicam no inquisitório, e, quem defende o princípio cooperativo, não pode deixar de renunciar à responsabilização das partes”.[xxxix] A supressão da responsabilidade das partes para a instauração de uma autorresponsabilidade de todos os sujeitos processuais pelo sucesso do processo é uma forma de manifestação da cooperação processual. Entretanto, nem mesmo na Alemanha, embrionária no tema, a ideia é mágica e eficiente. Othmar Jauernig defende que o processo civil alemão encontra primazia na responsabilidade pessoal dos litigantes, a partir do Princípio da Instrução por Iniciativa das Partes (BVerfGE 67, 42), e por isso, “não há nenhum motivo para substituir este princípio pelo chamado princípio da cooperação (…)”.[xl] A cooperação suprime a responsabilidade das próprias partes, limitando o espaço da autodeterminação destas; e em contrapartida, fortalece o judiciário. Efetivamente, o Princípio da Cooperação Processual não é o meio-termo entre o processo da verdade formal (Dispositivo) e o processo da verdade material (Inquisitório), seja em termos de direito positivo, como no âmbito doutrinário.
Conforme mencionado alhures, a própria doutrina cooperativista confessa, seja em termos implícitos – “reforça o poder criativo da atividade jurisdicional” – seja em termos explícitos – configura um “activismo judiciário” – que o Princípio da Cooperação permite a substituição do direito objetivo do Estado pelo direito subjetivo-discricionário do Juiz. A discricionariedade, por sua vez, permite manobras interpretativas em que o julgador privilegia sua subjetividade em detrimento da legalidade vigente, a configurar uma conduta absolutamente «antidemocrática». Todo ativismo judicial é pernicioso ao Estado Democrático de Direito e sua conduta sempre desaguará em uma inconstitucionalidade. Logo, se o Princípio da Cooperação permite (fomenta) o ativismo judicial, ele é, desde o plano metodológico-dogmático, inconstitucional.
Notas e Referências:
[i] O presente texto inaugura uma série de estudos que analisarão as nuances doutrinárias e normativas sobre o Princípio da Cooperação, dialogando com diversos trabalhos publicados sobre o tema, especialmente, no Brasil e em Portugal.
[ii] Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco. Mestrando em Direito Constitucional pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa – Portugal. Integrante do grupo de pesquisa de Direito Constitucional do Núcleo de Estudo Luso-Brasileiro (NELB) da mesma IES. Advogado.
[iii] Utiliza-se a expressão «(re)organizar», pelo fato de parte da doutrina cooperativista fundamentar sua construção, levando em consideração os outros dois modelos processuais antecedentes, o modelo Paritário (do Princípio do Dispositivo) e o modelo Hierárquico (do Princípio do Inquisitório). Nesse sentido: MITIDIERO, Daniel. Bases para a construção de um processo civil cooperativo: o direito processual civil no marco teórico do formalismo-valorativo. Tese de Doutoramento apresentada à Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: 2007. p. 45.
[iv] Citando Carlos Alberto Álvaro de Oliveira: MITIDIERO, Daniel. Bases para a construção de um processo civil cooperativo: o direito processual civil no marco teórico do formalismo-valorativo. Tese de Doutoramento apresentada à Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: 2007. p. 53
[v] MITIDIERO, Daniel. Colaboração no Processo Civil. Pressupostos Sociais, Lógicos e Éticos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 63 a 77.
[vi] WASSERMANN, Von Rudolf. Der soziale Zivilprozess: zur Theorie u. Praxis d. Zivilprozesses im sozialen Rechtsstaat, 1978, pp. 97 ss.
[vii] MITIDIERO, Daniel. Bases para a construção de um processo civil cooperativo: o direito processual civil no marco teórico do formalismo-valorativo. Tese de Doutoramento apresentada à Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: 2007. p. 53.
[viii] Inicialmente, Karl August Bettermann, responsável por cunhar o termo Kooperationsmaxime, em estudo publicado em 1972 (“Fundamentos e princípios constitucionais do processo”) defendeu que o Princípio da Cooperação compõe um termo médio entre o dispositivo e o inquisitório. Em momento posterior, 1978, no texto “Hundert Jahre ZivilprozeBordung – Das Schiksal einer liberalen Kodification” o autor alterou, em certa dose, o seu entendimento, reconhecendo que o instituto destaca uma ingerência maior do tribunal para com as partes. Sobre o tema: KOCHEM, Ronaldo. Introdução às raízes históricas do Princípio da Cooperação (Kooperationsmaxime). Revista de Processo. Ano 41, Vol. 251, 2016.
[ix] Nesse sentido, no Brasil, temos diversos exemplos, como: DIDIER Jr., Fredie. Os três modelos de direito processual: inquisitivo, dispositivo e cooperativo. Revista de Processo, v. 198, 2011, p. 212-220; MITIDIERO, Daniel. Colaboração do processo civil: pressupostos sociais, lógicos e éticos. São Paulo: RT, 2009. p. 89-90; THEODORO JÚNIOR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre Melo Franco; PEDRON, Flávio Quinaud. Novo CPC: fundamentos e sistematização. 3. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, pp. 82-92.
[x] MENDONÇA, Luís Correia de. A cooperação processual entre um novo modelo e a sombra do inquisitório. Revista O Direito, ano 151º, 2019, I, p. 31. PORTUGAL. DECRETO N.º 12.353, de 22 de Setembro de 1926. Ministério da Justiça e dos Cultos. Disponível em https://files.dre.pt/1s/1926/09/21100/13591370.pdf., p. 1365: “Art. 28.º: Compete especialmente ao juiz: 1º. Chamar a atenção das partes para quaisquer irregularidades ou vícios que possam ser corrigidos; 2º. Convidas as partes a esclarecer e completar as suas alegações e os seus meios de prova; 3º. Ordenar exames, vistorias e avaliações; 4º. Determinar a comparência pessoal das partes quando o julgue conveniente ou para tentar a conciliação ou para as ouvir sobre os factos essenciais da causa; 5º. Requisitar a apresentação de documentos, plantas, desenhos ou objectos indispensáveis ao esclarecimento da questão e indeferir a junção ao processo de tudo o que for impertinente ou desnecessário; 6º. Convidar os advogados a resumir os seus requerimentos ou as suas alegações orais quando forem manifestamente excessivos, e chamá-los à ordem quando estejam versando assuntos estranhos à causa, podendo retirar-lhes a palavra no caso de reincidência e abuso intolerável; 7º. Recusar a expedição de cartas rogatórias e de cartas precatórias para fora do continente ou da ilha onde a causa correr, e indeferir o pedido de quaisquer diligências quando entenda que se tem apenas em vista protelar o andamento da causa; 8º. Significar às partes a conveniência de que determinadas testemunhas, residentes fora da circunscrição judicial, venham depor perante êle; 9º. Ordenar preparos e remover todos os obstáculos ao seguimento do processo; 10º. Ordenar a junção de causas entre si conexas e a suspensão duma causa enquanto não fôr decidida outra de que está dependente.”
[xi] PORTUGAL. DECRETO N.º 12.353, de 22 de Setembro de 1926. Ministério da Justiça e dos Cultos. Disponível em https://files.dre.pt/1s/1926/09/21100/13591370.pdf., p. 1359.
[xii] PORTUGAL. DECRETO N.º 12.353, de 22 de Setembro de 1926. Ministério da Justiça e dos Cultos. Disponível em https://files.dre.pt/1s/1926/09/21100/13591370.pdf., p. 1360.
[xiii] PORTUGAL, Código de Processo Civil de 1939. Decreto Lei n.º 29.637. Disponível em: https://files.dre.pt/1s/1939/05/12300/04190548.pdf. “Art. 524: Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua cooperação para a descoberta da verdade e a boa administração da justiça, respondendo ao que lhes fôr perguntado, submetendo-se às inspeções que forem julgadas necessárias, facultando o que fôr requisitado e praticando os actos que forem determinados. Se se recusarem, serão condenadas em multa, sendo terceiros, sem prejuízo do emprêgo dos meios coercitivos que forem possíveis; se o recusante fôr parte, considerar-se-ão provados os factos que se pretendiam averiguar.
Mas a recusa será legítima se a obediência importar violação do sigilo profissional, ou causar grave dano à honra e consideração da própria pessoa, de um seu ascendente, descendente, irmão ou cônjuge, ou grave prejuízo de natureza patrimonial a qualquer das referidas pessoas
§ único: Fica salvo o disposto quanto à exibição judicial, por inteiro, dos livros de escrituração comercial e dos documentos a ela relativos”
[xiv] MENDONÇA, Luís Correia de. A cooperação processual entre um novo modelo e a sombra do inquisitório. Revista O Direito, ano 151º, 2019, I, p. 33, citando CARNELUTTI, Francesco. Carattere Del Nuovo Processo Civile Italiano”, Rivista di Diritto Processuale Civile, 1941, I, 37.
[xv] Nas palavras dos italianos: Il potere conferito al giudice di ordinare d’uffleio ispezioni sulla persona delle parti o di un terzo, ovvero sulle cose in loro possesso, quando ciò appaia indispensabile per conoscere i fatti della causa; ed altrest il potere di ordinare, a istanza di parte, la esibizione in giudizio di cose in possesso delle parti o del terzo, corrispondono, in conformità dei voti (le;la dottrina e della pratica, a quelle stesse considerazioni di solidarietà sociale e di cooperazione dei cittadini al miglior funzionamento della giustizia, sul quale è basato il dovere pubblico di render testimonianza. Come il cittadino è tenuto a deporre secondo verità in giudizio, così, quando l’interesse della giustizia lo reclama, egli deve esser tenuto a mettere a disposizione di questa le proprie cose ed anche, in certi casi eccezionalissimi, la propria per6ona. Tutto questo è in perfetta armonia con quella concezione :fascista e corporativa della giurisdizione e del processo che si esprime in questo Codice; nè si deve temere che da queste norme possano derivare sproporzionati sacrifici dell’interesse individuale, poichè la legge regola l’ispezíone e l’esibizione con opportune cautele pratiche, volte a conciliare opportunamente le esigenze della giustizia col rispetto dei diritti privati. ITÁLIA. Codice di Procedura Civile (1940). Disponível em: https://www.gazzettaufficiale.it/eli/gu/1940/10/28/253/sg/pdf, p. 4024.
[xvi] MENDONÇA, Luís Correia de. A cooperação processual entre um novo modelo e a sombra do inquisitório. Revista O Direito, ano 151º, 2019, I, p. 33, citando CARNELUTTI, Francesco. Carattere Del Nuovo Processo Civile Italiano”, Rivista di Diritto Processuale Civile, 1941, I, 37.
[xvii] MENDONÇA, Luís Correia de. A cooperação processual entre um novo modelo e a sombra do inquisitório. Revista O Direito, ano 151º, 2019, I, p. 33, citando CALAMANDREI, Pietro. Istituzioni di Diritto Processuale Civile, secondo Il Nuovo Codice. Cedam, Padova, 1941, 247.
[xviii] MENDONÇA, Luís Correia de. A cooperação processual entre um novo modelo e a sombra do inquisitório. Revista O Direito, ano 151º, 2019, I, p. 34. Citando diretamente César Abranches (“O Dever de Colaboração de Terceiros para com a Justiça”, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 1º, n.º 4, 1941, p. 396): “A acção seria anunciada oficialmente e a quem quer que tivesse conhecimento dos factos respeitantes à causa ou detivesse documentos pertinentes, correria o dever de fazer saber às autoridades públicas, dentro do prazo marcado, que ponha a sua colaboração à disposição do Tribunal. Provado que alguém se absteve ilegitimamente, apesar de lhe ter chegado a tempo, a notícia de convocação pública, funcionariam sanções penais violentas.”
[xix] SOUSA, Miguel Teixeira de. Apreciação de alguns aspectos de “revisão do processo civil – projeto”. Revista da Ordem dos Advogados. Lisboa: ano 55, jul. 1995, pp. 355 e 356.
[xx] SOUSA, Miguel Teixeira de. Estudos Sobre o Novo Processo Civil. 2. Ed. Lisboa: LEX, 1997, p. 60. Nas palavras do autor: “O processo é poder. Nas sociedades modernas, submetidas ao poder político do Estado e organizadas em torno deste, o poder jurisdicional dos juízes é a expressão da posição que o sistema jurídico lhes concede para a resolução dos conflitos de interesses públicos e privados (cfr. artº 205º, n.º 2, CRP)”
[xxi] SOUSA, Miguel Teixeira de. Omissão do dever de cooperação: que consequências? 2015, pp. 1-2. Disponível em: https://www.academia.edu/10210886/TEIXEIRA_DE_SOUSA_M_Omiss%C3%A3o_do_dever_de_coopera%C3%A7%C3%A3o_do_tribunal_que_consequ%C3%AAncias_01_2015_. Nas palavras do autor: “[com a função de] alcançar a justa composição do litígio (…) o dever de cooperação tem essencialmente uma função assistencial das partes. Neste enquadramento, o dever de cooperação não pode ser confundido com um poder discricionário do tribunal: não se trata de atribuir ao tribunal um poder para o mesmo utilizar quando entender e como entender; mas de impor ao tribunal um dever de auxílio das partes para que seja atingida a justa composição do litígio.”
[xxii] “a eficácia do princípio da cooperação não depende de intermediação de outras regras jurídicas, espalhadas topicamente na legislação”, podendo-se existir “situações jurídicas processuais atípicas decorrentes da eficácia direta com função integrativa do princípio da cooperação.” DIDIER JR., Fredie. Fundamentos do Princípio da Cooperação no Direito Processual Civil Português. Coimbra: Wolters Kluwer, 2010, p. 52.
[xxiii] DIDIER JR., Fredie. Fundamentos do Princípio da Cooperação no Direito Processual Civil Português. Coimbra: Wolters Kluwer, 2010, pp. 58-59.
[xxiv] DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil. Parte Geral e Processo de Conhecimento. 18 ed. Salvador: Juspodivm, 2016, v. 1, p. 128.
[xxv] RAMOS, José Luís Bonifácio. O princípio da cooperação defronte da proposta de revisão do CPC (Proposta de Lei n.º 92/XIV/2.ª). In: Revista O Direito, 154º, 2022, II, pp. 253-270.
[xxvi] STRECK, Lenio. Verdade e Consenso: Constituição, Hermenêutica e Teorias Discursivas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 583: “A ‘cooperação processual’ não é um princípio; não está dotada de densidade normativa; as regras que tratam dos procedimentos processuais não adquirem espessura ontológica face à incidência desse standard. Dito de outro modo, a ‘cooperação processual’ – nos moldes que vem sendo propalada – ‘vale’ tanto quanto dizer que todo processo deve ter instrumentalidade ou que todo processo deve ser tempestivo ou que as partes devem ter boa fé. Sem o caráter deontológico, o standard não passa de elemento que ‘ornementa’ e fornece ‘adereços’ à argumentação. Pode funcionar no plano perfomativo. Mas, à evidência, não como ‘dever ser’.”
[xxvii] SOUSA, Miguel Teixeira de. Estudos sobre o novo processo civil. 2. ed. Lisboa: Lex, 1997, p. 58-60.
[xxviii] SOUSA, Miguel Teixeira de. Estudos Sobre o Novo Processo Civil. 2ª Ed. Lisboa: LEX, 1997, p. 65. A doutrina do Professor Doutor Miguel Teixeira de Sousa (assim como os mencionados deveres) será analisada, pormenorizadamente, mais adiante. Por ora, basta sua síntese introdutória.
[xxix] Salienta-se que a presente série de textos não se resumirá a essa conexão. Portanto, pontualmente, nos próximos trabalhos, será abordado e analisado o tema do Princípio da Cooperação Processual na perspectiva da conexão «Parte-Parte».
[xxx] Nesse sentido: RAMOS, José Luís Bonifácio. Estudos de Direito Civil e de Direito Processual Civil. Lisboa: AAFDL, 2021, p. 593.
[xxxi] Tal ideia pode ser vista, ainda, no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 329-A/95, que estabeleceu, como uma das “linhas mestras” de um modelo de processo, a “Garantia de prevalência do fundo sobre a forma, através da previsão de um poder mais interventor do juiz, compensado pela previsão do princípio de cooperação, por uma participação mais activa das partes no processo de formação da decisão;” Disponível em: https://dre.pt/dre/detalhe/decreto-lei/329-a-1995-226051, Acesso em 07.06.2022.
[xxxii] NUNES, Dierle José Coelho. Processo jurisdicional democrático. Curitiba: Juruá, 2009. p. 251. “processo ganha, nessa perspectiva, enorme dimensão ao se transformar em espaço onde todos os temas e contribuições devam ser intersubjetivamente discutidos, de modo preventivo ou sucessivo a todos os provimentos, assegurando técnicas de fomento ao debate que não descurem o fator tempo-espacial do seu desenvolvimento. Ocorre que a estruturação desse processo somente pode ser perfeitamente atendida a partir da perspectiva democrática do Estado, que se legitima por meio de procedimentos que devem estar de acordo com os direitos humanos e com o princípio da soberania do provo”. (p. 215)
[xxxiii] THEODORO JÚNIOR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre Franco; PEDRON, Flávio Quinaud. Novo CPC (LGL\2015\1656) – fundamentos e sistematização. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 82-83.
[xxxiv] SOUSA, Miguel Teixeira de. Apreciação de alguns aspectos de “revisão do processo civil – projeto”. Revista da Ordem dos Advogados. Lisboa: ano 55, jul. 1995, p. 355.
[xxxv] GOUVEIA, Mariana França. Os poderes do juiz cível na acção declarativa – em defesa de um processo civil ao serviço do cidadão. Lisboa: Revista Julgar, n.º 1, 2007, p. 51: “Embora haja indícios na reforma de 95/96 de se ter querido afastar a lógica autoritária, o certo é que se mantiveram no essencial os seus normativos e, mais, houve até o reforço de algumas normas de cariz exclusivamente publicístico (por exemplo: o alargamento da litigância de má fé, previsto no artigo 456.o; o poder oficioso de chamar testemunhas, previsto no artigo 645.o). O princípio da colaboração foi introduzido, mas sem propriamente se ter afastado a lógica autoritária presente no Código.”
[xxxvi] Nesse sentido, Igor Raatz é categórico: “No Brasil, ao que tudo indica, a obra de Miguel Teixeira de Sousa somente foi citada naquilo que era conveniente para sustentar um “modelo cooperativo de processo”, e consequentemente, “O pano de fundo do pensamento do jurista português permaneceu velado”. SANTOS, Igor Raatz dos. Revisitando a “Colaboração Processual”: ou uma autocrítica tardia, porém necessária. Revista de Processo, vol. 309, nov. 2020, p. 44.
[xxxvii] RAMOS, José Luís Bonifácio. Cooperação: Novidade ou Biombo do Aumento dos Poderes do Juiz?. Revista O Direito, ano 151º, 2019, I, pp. 63-64.
[xxxviii] SOUSA, Miguel Teixeira de. Estudos Sobre o Novo Processo Civil. 2. Ed. Lisboa: LEX, 1997, p. 60. Nas palavras do autor: “O processo é poder. Nas sociedades modernas, submetidas ao poder político do Estado e organizadas em torno deste, o poder jurisdicional dos juízes é a expressão da posição que o sistema jurídico lhes concede para a resolução dos conflitos de interesses públicos e privados (cfr. artº 205º, n.º 2, CRP)”.
[xxxix] MENDONÇA, Luís Correia de. A cooperação processual entre um novo modelo e a sombra do inquisitório. Revista O Direito, ano 151º, 2019, I, p. 51.
[xl] JAUERNIG, Othmar. Direito Processual Civil. 25ª ed. Tradução: F. Silveira Ramos. Coimbra: Almedina, 2002, p. 148.