Notas distintivas entre o procedimento comum de conhecimento e o procedimento especial aplicado nas Ações de Dissolução Parcial de Sociedade
Por Bárbara de Arruda Cavalcanti, Gabriel Tavares de Farias e Lucas Vinicius de Lima Silva*
1 – Ação de Dissolução Parcial de Sociedade
Os procedimentos especiais começaram a ser implantados no processo civil com objetivo de agilizar ações, dando autonomia e flexibilização aos envolvidos para agirem de acordo com o caso concreto. Isso porque, percebeu-se que o judiciário estava abarrotado de lides que poderiam facilmente ser resolvidas, por exemplo, através de acordo em audiências de conciliação e mediação sendo estas feitas logo na fase inicial do processo.
Tal flexibilização pode ocorrer, então, pela lei, pelas partes e pelo juiz. Desse modo, é possível no início do processo estabelecer um calendário processual, nesse caso, não haverá a necessidade de intimações, já que as partes convencionaram entre si as datas para os atos processuais seguintes, bem como o juiz já estabelece também quando o processo vai ser sentenciado.
Observa-se, portanto que a rigidez processual estabelecida pelo CPC de 1973 é quebrada, dando espaço a um judiciário mais acessível e de acordo com o previsto pelo art. 5º, XXXV CF. Como bem destaca Gajardoni & Zufelato, o operador jurídico deve buscar, a bem da funcionalidade do sistema, a construção de uma teoria plausível para justificar a adaptação, algo que só é possível, como já anotamos, através da flexibilização das regras do procedimento.[1]
A ação de dissolução parcial de sociedade é procedimento especial previsto nos arts. 599 ao 609, CPC 2015. Trata-se, portanto, de flexibilização causada por lei, tendo em vista o princípio da preservação da empresa e função social. Isso porque, antes mesmo de se ter tal previsão, a jurisprudência assim já decidia:
A regra da dissolução total, nessas hipóteses, em nada aproveitaria aos valores sociais envolvidos, no que diz respeito à preservação de empregos, arrecadação de tributos e desenvolvimento econômico do país. À luz de tais razões, o rigorismo legislativo deve ceder lugar ao princípio da preservação da empresa, preocupação, inclusive, da nova Lei de Falências – Lei nº 11.101/05, que substituiu o Decreto-lei nº, 7.661/45, então vigente, devendo-se permitir, pois, a dissolução parcial, com a retirada dos sócios dissidentes, após a apuração de seus haveres em função do valor real do ativo e passivo. A solução é a que melhor concilia o interesse individual dos acionistas retirantes com o princípio da preservação da sociedade e sua utilidade social, para evitar a descontinuidade da empresa, que poderá prosseguir com os sócios remanescentes.[2]
Logo, pode-se afirmar que tal procedimento especial já estava sendo praticado, ainda que não estivesse normatizado. Diante do estabelecido pelo CPC 2015, o processo deverá ter como objeto, art. 599: I – a resolução da sociedade empresária contratual ou simples em relação ao sócio falecido, excluído ou que exerceu o direito de retirada ou recesso; e II – a apuração dos haveres do sócio falecido, excluído ou que exerceu o direito de retirada ou recesso; ou III – somente a resolução ou a apuração de haveres. Ressalta-se que a petição inicial tem que ter necessariamente o contrato consolidado.
Ainda, a ação poderá ser proposta, art.600, CPC 2015: I – pelo espólio do sócio falecido, quando a totalidade dos sucessores não ingressar na sociedade; II – pelos sucessores, após concluída a partilha do sócio falecido; III – pela sociedade, se os sócios sobreviventes não admitirem o ingresso do espólio ou dos sucessores do falecido na sociedade, quando esse direito decorrer do contrato social; IV – pelo sócio que exerceu o direito de retirada ou recesso, se não tiver sido providenciada, pelos demais sócios, a alteração contratual consensual formalizando o desligamento, depois de transcorridos 10 (dez) dias do exercício do direito; V – pela sociedade, nos casos em que a lei não autoriza a exclusão extrajudicial; ou VI – pelo sócio excluído. Parágrafo único. O cônjuge ou companheiro do sócio cujo casamento, união estável ou convivência terminou poderá requerer a apuração de seus haveres na sociedade, que serão pagos à conta da quota social titulada por este sócio.
Assim, havendo a propositura da ação, os sócios devem ser citados para em 15 dias concordarem com o pedido ou apresentarem contestação, atenta-se que se todos os sócios forem citados, a sociedade ficará sujeita aos efeitos da decisão. Havendo concordância, passa- se diretamente para fase de liquidação. Havendo contestação, segue-se o rito comum, voltando o rito especial a ser aplicado na liquidação de sentença.
Em relação a apuração do patrimônio da empresa, bem como valor devido por cada sócio, o juiz deverá em sentença determinar conforme o art. 604, CPC 2015: I – fixará a data da resolução da sociedade; II – definirá o critério de apuração dos haveres à vista do disposto no contrato social; e III – nomeará o perito.§ 1º O juiz determinará à sociedade ou aos sócios que nela permanecerem que depositem em juízo a parte incontroversa dos haveres devidos; § 2º O depósito poderá ser, desde logo, levantando pelo ex-sócio, pelo espólio ou pelos sucessores; § 3º Se o contrato social estabelecer o pagamento dos haveres, será observado o que nele se dispôs no depósito judicial da parte incontroversa.
Importante ressaltar que em caso de omissão do contrato o juiz definirá, como critério de apuração de haveres, o valor patrimonial apurado em balanço de determinação, tomando-se por referência a data da resolução e avaliando-se bens e direitos do ativo, tangíveis e intangíveis, a preço de saída, além do passivo também a ser apurado de igual forma, conforme art. 606, CPC 2015.
2 – Principais diferenças em relação ao procedimento comum
Em relação ao procedimento comum, a ação de dissolução parcial de sociedade, em sede de petição inicial, deve observar os mesmos critérios de formalidade do primeiro, estes estão previstos nos arts. 319 ao 321 CPC 2015. Em que pese o procedimento comum determinar a instrução com a apresentação dos documentos indispensáveis, no procedimento especial aqui tratado, a documentação é especificada, é o caso da apresentação do contrato consolidado.
Além disso, na ação aqui tratada, as partes que a podem propor estão igualmente especificadas como mencionado no tópico anterior, o que não ocorre no procedimento comum. Observa-se, ainda, que o procedimento comum prevê a possibilidade de decisão interlocutória, o que não haverá nesse procedimento especial, devendo a parte ré após citação manifestar-se se aceita as condições levantadas na petição inicial, sendo o processo sentenciado e seguindo para liquidação, ou nega-las, apresentando a contestação. Se houver apresentação da contestação, o procedimento segue o rito comum até a liquidação de sentença em que deverá ser aplicado os critérios especiais previsto no art. 604, CPC 2015, apurando-se os haveres.
A modalidade aqui tratada, ainda, possibilita que o procedimento seja feito por via extrajudicial, prosseguindo para liquidação por se tratar de fases destintas.
As divergências entre a dissolução total da sociedade, delineadas nos artigos 1.033 a 1.038 do Código Civil de 2002, e a Ação de Dissolução Parcial de Sociedade, estabelecida nos artigos 599 a 609 do código de processo civil de 2015, abordam aspectos importantes em termos de procedimento, finalidade e aplicação.
Primeiramente, cumpre esclarecer que o Código Civil de 2002 aborda a dissolução da sociedade de forma mais abstrata, indicando os cenários nos quais a sociedade cessa suas atividades de maneira total. Esses cenários estão elencados no artigo 1.033 do Código Civil e envolvem situações como término do prazo determinado, deliberação dos sócios, declaração de falência, entre outros motivos. Nesse contexto, a dissolução ocorre de modo completo e irreversível, sem a necessidade de instauração de uma ação específica para tal fim.
Em contrapartida, a Ação de Dissolução Parcial de Sociedade, regulamentada nos artigos 599 a 609 do Código de Processo Civil de 2015, trata de casos nos quais apenas uma fração da sociedade é dissolvida, enquanto a atividade empresarial como um todo permanece. Esse tipo de ação é pertinente em circunstâncias específicas, como falecimento, exclusão ou retirada de um sócio, visando resolver conflitos internos sem comprometer a continuidade das operações empresariais.
Uma distinção relevante entre os dois procedimentos reside na extensão da dissolução. Enquanto a dissolução prevista no Código Civil que segue o procedimento comum pode acarretar a finalização integral da sociedade, a dissolução parcial abordada no Código de Processo Civil diz respeito somente à saída de um ou mais sócios, sem necessariamente afetar a existência da empresa.
Ademais, os procedimentos também se diferenciam no que diz respeito aos trâmites legais. Na dissolução prevista no Código Civil, não se faz necessário propor uma ação judicial específica, uma vez que a dissolução se dá automaticamente com base nos motivos previstos em lei. Por outro lado, na Ação de Dissolução Parcial de Sociedade, é de praxe iniciar a demanda judicial para que o juiz decida sobre a dissolução parcial e a apuração dos haveres dos sócios envolvidos.
Outro ponto a considerar é que, na dissolução parcial, é possível agregar outras reivindicações, como a avaliação dos haveres dos sócios que se retiram. Essa modalidade de cumulação não é comum na dissolução integral regulada pelo Código Civil, onde a dissolução é a única matéria objeto da demanda.
Assim, enquanto a dissolução da sociedade conforme o Código Civil contempla a finalização completa da empresa em diferentes situações, a Ação de Dissolução Parcial de Sociedade regulamentada pelo Código de Processo Civil, nos artigos 599 a 609 aborda casos específicos de dissolução parcial, buscando solucionar conflitos internos sem interromper as operações empresariais.
Notas e Referências:
*Graduandos do Centro Universitário Frassinetti do Recife – UniFAFIRE.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. EREsp 111.294/PR, Rel. Min. Castro Filho, 2.ª Seção, j. 28.06.2006, DJ 10.09.2007. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=200201005006&dt_pu. Acesso em: 07 abr. 2024.
COELHO, Fábio Ulhoa. A ação de dissolução parcial de sociedade. Junho 2011. Disponivel em: https://www12.senado.leg.br/ril/edicoes/48/190/ril_v48_n190_t1_p141.pdf. Acessado em: 08 abr. 2024.
GAJARDONI, F. da F., & ZUFELATO, C. Flexibilização e combinação de procedimentos no sistema processual civil brasileiro. 2020. Revista Eletrônica De Direito Processual, 21(3). Diponível em: https://www.e- publicacoes.uerj.br/redp/article/view/54201/34875. Acesso em: 07 abr. 2024.
GONÇALVES, Pablo. Dissolução de Sociedade e o Novo CPC. Revista Eletrônica Emerj, Rio de Janeiro, v. 18, n. 70, p. 168-186, out. 2015. Disponível em: https://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/revista70/revista70_168.pdf. Acesso em: 07 abr. 2024.
MACEDO NETO, Antonio Neiva de. Entenda o que é Dissolução Parcial de Sociedade. Maio 2022. Disponivel em: https://barioniemacedo.adv.br/entenda-o-que-e-dissolucao-parcial-de-sociedade/. Acessado em: 08 abr. 2024.
MEDEIROS NETO, Elias Marques de. Notas sobre a ação de dissolução parcial de sociedade.2019. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/coluna/cpc-na- pratica/296689/notas-sobre-a-acao-de-dissolucao-parcial-de-sociedade. Acesso em: 07 abr. 2024.
[1] GAJARDONI, Fernando da Fonseca; ZUFELATO, Camilo. Flexibilização e combinação de procedimentos no sistema processual civil brasileiro. Revista Eletrônica de Direito Processual. Rio de Janeiro, 2020, v. 21, nº 3, p. 141.
[2] STJ, EREsp nº 111.294/PR, 2ª Seção, Rel. Min. Castro Filho, j. 28.06.2006.