Planos de saúde não podem praticar seleção de riscos e recusar clientes por motivo discriminatório
A prática de seleção de risco por planos de saúde, que visa impedir a contratação de certos clientes com base em critérios como idade, condições de saúde ou comorbidades, é ilegal e considerada abusiva.
Os planos de saúde no Brasil são proibidos de recusar a contratação de clientes que declarem ter doenças preexistentes. Isso é garantido por leis que visam proteger os direitos dos consumidores e garantir a igualdade de acesso aos serviços de saúde.
As operadoras não podem, após análise da declaração de saúde pelo corpo médico, entender que um contratante seria mais oneroso ao plano, e por este motivo, recusá-lo. Este ato discriminatório visando minorar seus riscos viola o princípio da dignidade humana, o Código Consumerista, o Estatuto da Pessoa com Deficiência, a Lei dos Planos de Saúde e a súmula normativa 27 da Agência Nacional de Saúde.
A referida súmula diz que: “É vedada a prática de seleção de riscos pelas operadoras de planos de saúde na contratação de qualquer modalidade de plano privado de assistência à saúde. Nas contratações de planos coletivo empresarial ou coletivo por adesão, a vedação se aplica tanto à totalidade do grupo quanto a um ou alguns de seus membros. A vedação se aplica à contratação e exclusão de beneficiários.”
Existe também amparo legal nos artigos 4º, §1º, e 5º da Lei 13.146/15 que definem que:
Art. 4º Toda pessoa com deficiência tem direito à igualdade de oportunidades com as demais pessoas e não sofrerá nenhuma espécie de discriminação.
§ 1º Considera-se discriminação em razão da deficiência toda forma de distinção, restrição ou exclusão, por ação ou omissão, que tenha o propósito ou o efeito de prejudicar, impedir ou anular o reconhecimento ou o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais de pessoa com deficiência, incluindo a recusa de adaptações razoáveis e de fornecimento de tecnologias assistivas.
Art. 5º. A pessoa com deficiência será protegida de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, tortura, crueldade, opressão e tratamento desumano ou degradante.
Mais uma vez a legislação brasileira é clara a respeito da vedação da seleção de riscos. O artigo 14 da Lei 9.656/98 estabelece que nenhum consumidor pode ser impedido de participar de planos privados de assistência à saúde devido à idade ou condição de deficiência.
O Código de Defesa do Consumidor também protege os consumidores contra a recusa indevida na prestação de serviços privados de saúde. O artigo 39, inciso IX, estabelece que é ilegal recusar a venda de bens ou a prestação de serviços a quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento.
Além disso, recentemente, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a negativação nos cadastros de inadimplentes, por si só, não justifica a recusa de contratação de um plano de saúde. A decisão destacou que negar serviços essenciais por esse motivo também afronta a dignidade da pessoa e viola os princípios do CDC.
Os planos de saúde exercem um papel essencial na complementação dos serviços de saúde pública fornecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Portanto, a prestação desses serviços não pode ser vista apenas pelo prisma individualista do contratante, mas deve ser entendida em seu contexto social e comunitário. A contratação de serviços essenciais deve considerar o impacto social positivo que tem na comunidade como um todo.
Portanto, pacientes diagnosticados com câncer, autismo, obesidade, hipertensão, diabetes, entre outras, têm o direito de contratar um plano de saúde. A recusa com base em qualquer tipo de doença é ilegal e constitui discriminação.
Quando um plano de saúde ou administradora recusa a contratação de alguém devido à presença de uma doença preexistente, está praticando um ato discriminatório, o que é vedado pela legislação brasileira.
Vejamos algumas decisões judiciais recentes neste sentido:
Formação de contrato regido pela Lei 9856/98. Limitação da autonomia da liberdade de contratar, não só pela natureza do negócio e que reafirma a função social do contrato, como pela intervenção do Estado através da ANS, vedando a recusa de formalização da proposta celebrada de acordo com a oferta (Súmula Normativa 27, de 10-6-2015). Aconteceu de serem encaminhadas propostas de adesão por dois irmãos menores, um deles com diagnóstico de autismo informado (o autor), ocorrendo pronta aceitação de apenas uma, enquanto a iniciativa daquele digno de atenção especial (art. 4º, da Lei 13.146/2025) sofreu embaraços com alegações absurdas de necessidade de exame prévio e redimensionamento do valor do prêmio em 100¨%, frustrando a negociação ao fundamento de suspensão da comercialização do modelo contratual desejado. Clara situação discriminatória de autista, pelo que, inspirado em todo o contexto e em precedente do STJ que não admitiu a recusa da celebração desse tipo de contrato ao consumidor com negativação nos cadastros de inadimplentes (Resp. 2019136 RS, DJ de 23-11-2023), é confirmada a ordem de implementação do contrato como proposto e dano moral de 50 vezes o valor do prêmio da proposta recusada. Não provimento. (TJSP; Apelação Cível 1009582-17.2022.8.26.0008; Relator (a): Enio Zuliani; Órgão Julgador: 4ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional VIII – Tatuapé – 4ª Vara Cível; Data do Julgamento: 29/01/2024; Data de Registro: 29/01/2024).
APELAÇÃO CÍVEL. PLANO DE SAÚDE. OBRIGAÇÃO DE FAZER C.C. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. RECUSA À CONTRATAÇÃO. INADMISSIBILIDADE. LIBERDADE DE CONTRATAR MITIGADA. DEMONSTRAÇÃO DE CONDUTA DISCRIMINATÓRIA AO CONSUMIDOR. DANO MORAL. NÃO CONFIGURAÇÃO. MERA DIVERGÊNCIA NA REALIZAÇÃO DO NEGÓCIO, SEM REPERCUSSÃO NOS DIREITOS DA PERSONALIDADE DO SEGURADO. RECURSOS NÃO PROVIDOS. 1. É inadmissível a negativa à proposta de adesão ao plano de saúde quando não há qualquer justificativa plausível por parte da Operadora de Saúde; a liberdade de contratar, em contrato envolvendo plano de saúde, é mitigada, devendo ser cotejada com outros princípios contratuais e principalmente com a função social do contrato. 2. A adoção de postura discriminatória à proposta de adesão ao plano de saúde revela-se abusiva, além de ser vedada pelo artigo 39, inciso IX, do CDC, artigo 14 da Lei nº 9.565/98 e Súmula Normativa nº 27 da ANS. Precedentes. 3. A recusa à aceitação de proposta de adesão a plano de saúde não tem o condão de gerar indenização por danos morais quando não demonstrado fato do qual possa ser inferida efetiva ofensa aos direitos da personalidade da paciente. Precedentes. (TJSP; Apelação Cível 1009583-72.2022.8.26.0405; Relator (a): Maria do Carmo Honorio; Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito Privado; Foro de Osasco – 7ª Vara Cível; Data do Julgamento: 14/01/2023; Data de Registro: 14/01/2023)
Apelação. Plano de saúde coletivo empresarial. Ação de obrigação de fazer c.c. indenização. Empresa individual. Proposta de adesão ao plano de saúde recusada após realização do pagamento e entrevista médica, havendo alegação de que a contratação não seria realizada em razão da obesidade da autora. Operadora que nega conduta discriminatória e afirma que a recusa se operou por questões econômico-financeiras. Defesa genérica, não especificando a parte qual seria o óbice de ordem financeira a impedir efetivação do contrato. Verossimilhança na alegação de conduta discriminatória. Operadora que não se desincumbiu do ônus probatório que lhe competia a respeito da invocada causa de recusa do contrato que já se encontrava em fase adiantada de celebração. Rejeição da invocação de absoluta liberdade de contratar, tal como concebida no século XIX. Entendimento atual, por força da função social do contrato e das normas de proteção do consumidor, de que a liberdade de contratar não é absoluta. Contrato rigidamente regulado, como plano de saúde, no qual o fornecedor não pode deixar de aceitar contratantes. Manutenção da sentença que acolheu o pedido de execução específica da obrigação, com manutenção do contrato. Dano moral. Caracterização. Frustação e preocupação com a perda da assistência médica, associadas à alegação de velada discriminação, que compõem o quadro determinante de dano moral. Indenização majorada em consideração ao elemento subjetivo da conduta, intensidade e natureza da lesão, computando o valor de desestímulo. Recurso do réu desprovido e recurso adesivo da autora provido. (TJSP; Apelação Cível 1002490-23.2018.8.26.0462; Relator (a): Enéas Costa Garcia; Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito Privado; Foro de Suzano – 4ª Vara Cível; Data do Julgamento: 21/03/2022; Data de Registro: 21/03/2022)
Importante asseverar que os consumidores devem informar ao plano de saúde sobre qualquer doença preexistente que tenham conhecimento no momento da contratação. No entanto, essa declaração não pode ser usada como motivo para recusa ou para criar obstáculos à contratação. Além disso, os planos de saúde não podem cobrar um valor diferenciado ou adicional de clientes que declarem doenças preexistentes.
Além disso, também é ilegal a conduta do plano de saúde que tenta impor cobertura parcial temporária (carência de até 24 meses) com a alegação de que o beneficiário omitiu doença preexistente, nos casos em que não foi realizado nenhum exame prévio à contratação ou a demonstração de má-fé do segurado. Este entendimento restou sedimentado no enunciado da Súmula 609 do STJ.
Portanto, os consumidores devem estar cientes de seus direitos e denunciar qualquer prática abusiva ou discriminatória por parte dos planos de saúde. As entidades de defesa do consumidor e os órgãos reguladores, como a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), são responsáveis por garantir que os planos de saúde cumpram a legislação vigente e respeitem os direitos dos consumidores.