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STJ homologa sentença arbitral estrangeira em relação de consumo e sem a concordância do consumidor quanto à arbitragem

No dia 24/01/2025, foi publicada decisão (HDE 8305) do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, relativa a requerimento de homologação de decisão estrangeira com o fim de homologar sentenças arbitrais proferidas no Reino Unido que condenaram o requerido ao pagamento dos valores decorrentes de dois contratos de empréstimos.
O requerido apresentou contestação, asseverando que: “i) o réu jamais foi citado para o processo arbitral no Reino Unido, sendo-lhe cerceada a ampla defesa e o contraditório, bem como nula a revelia decretada; ii) a autora não comprovou a validade da citação por cartas enviadas por empresas privadas, à luz da lei britânica; iii) a cláusula contratual que obrigava a arbitragem é nula à luz do CDC; iv) a matéria discutida (relação de consumo) não pode ser discutida em sede arbitral, à luz da lei brasileira e; v) há flagrante violação à dignidade da pessoa humana, pois os custos impingidos ao réu para se defender no Reino Unido tornavam impossível o exercício da ampla defesa e do contraditório”.
O Ministro afirmou que: “a homologação de decisão estrangeira é devida quando atendidos os seguintes requisitos: i) instrução da petição inicial com o original ou cópia autenticada da decisão e de outros documentos indispensáveis, devidamente traduzidos por tradutor oficial ou juramentado no Brasil e chancelados pela autoridade consular brasileira; ii) ter sido proferida por autoridade competente; iii) citação regular das partes ou verificação legal da revelia; iv) ter transitado em julgado; e v) obediência à soberania, dignidade da pessoa humana é à ordem pública”.
E assim prosseguiu: “Eventuais nulidades do contrato celebrado entre as partes são matérias estranhas ao procedimento de homologação, que se restringe à verificação dos aspectos formais da sentença estrangeira (…) a suposta dificuldade de defesa perante órgãos estrangeiros não caracteriza violação à dignidade da pessoa humana, até porque o requerido celebrou voluntariamente o contrato de financiamento com uma instituição irlandesa”.
O Ministério Público Federal destacou que: “para fins de comprovação do requisito formal de ter havido citação regular no processo arbitral estrangeiro, a requerente juntou diversos e-mails ao requerido, além de comprovantes de envio e recebimento de serviço de courier DHL, demonstrando que o requerido foi previamente notificado para responder aos termos da arbitragem, o que satisfaz a exigência do art. 963, inciso II, do Código de Processo Civil de 2015, e do art. 216-D, inciso II, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça”.
Trata-se de decisão emblemática em que o STJ afirma que eventual nulidade de cláusula contratual relativa à imposição de arbitragem, mesmo tratando-se de relação de consumo, não é matéria que tenha o condão de impedir a homologação de sentença arbitral estrangeira, que se restringe à verificação dos aspectos formais da sentença, e os requisitos estritos do arts. 38 e 39 da lei 9.307/1996 – lei de arbitragem brasileira.
O mencionado art. 38, inc. II, dispõe que somente poderá ser negada a homologação quando o réu demonstrar que “a convenção de arbitragem não era válida segundo a lei à qual as partes a submeteram”. E, no caso, restou presente essa validade.
De todo o modo, o art. 39, inc. I, dispõe que a homologação será denegada se o STJ constatar que “segundo a lei brasileira, o objeto do litígio não é suscetível de ser resolvido por arbitragem”.
E mesmo o Código de Defesa do Consumidor, norma de ordem pública, considerando nula cláusula contratual que preveja arbitragem de forma compulsória em relações de consumo (art. 51, inc. VII do CDC), tal fato não foi enquadrado pelo STJ no art. 39, inc. I, da lei de arbitragem, o que serve de alerta para os consumidores que vierem a pretender utilizar-se desse argumento em sede de homologação de sentença estrangeira.
A nulidade de citação, que seria um real impeditivo à homologação, foi corretamente afastada considerando a prova da sua regularidade.
Gabriel de Britto Silva, advogado, árbitro e participante da comissão de arbitragem da OAB/RJ

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Gabriel de Britto Silva
Sócio no RBLR Advogados, com atuação no contencioso estratégico e consultivo cível e imobiliário. Coordenador do núcleo de mediação e arbitragem imobiliária da CAMES. Participante da comissão de arbitragem e da comissão condominial da OAB/RJ e da comissão de arbitragem do IBRADIM. Juiz Leigo por 09 anos - TJ/RJ. Graduação - IBMEC/RJ. Pós - EMERJ.

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