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Principais distinções entre o Procedimento Comum e o procedimento especial do Mandado de Segurança.

Por Mirela Bezerra de Melo[1], Ana Cláudia Baltar[2] e Arthur Quintino[3]

 

  1. Noções gerais sobre o Procedimento Comum e o Procedimento especial

O estudo do processo e do procedimento requer compreensões diferentes. Segundo Montans de Sá[4], no processo, o enfoque recai sobre os atos das partes e do Poder Judiciário, como por exemplo, poderes, deveres, faculdades processuais, formação, suspensão e extinção do processo. Já quanto ao procedimento, são regulados os prazos, os momentos adequados para a prática dos atos, a forma dos atos. Segundo Alexandre Freitas Câmara,[5] o procedimento é uma sequência ordenada de atos, em que cada ato é causa do seguinte e consequência do anterior, todos se encadeando como instrumentos de obtenção de um resultado final.”

Nesse sentido, existem enumeras classificações e a estrutura deve estar prevista em lei. A classificação que importa ao nosso estudo é a divisão entre procedimento comum e especial. O procedimento comum é o mais extenso, com o maior número de atos, já que não se sabe qual a complexidade que o direito material demandará em juízo. O juiz pratica atos de conhecimento e atos de execução[6]. Bem delineadas são as fases que compreendem o procedimento comum: fase postulatória, ordinatória, instrutória e decisória.

A fase postulatória consiste nos atos de postulação das partes. Apresenta-se a petição inicial, se o direito admitir autocomposição, há a citação do réu para comparecer à audiência de conciliação e mediação (art. 334, CPC). Infrutífera a audiência, há a abertura do prazo de 15 dias para apresentação da resposta do réu. Na fase ordinatória, ocorre as providências preliminares, o julgamento conforme o estado do processo e o saneamento. Primeiro, se observa a regularidade do processo, depois se o caso é de julgamento conforme o estado do processo e, se não for, haverá o saneamento.

Na fase instrutória, há a produção das provas. De ofício ou a requerimento das partes, as provas serão produzidas dentro da audiência, como por exemplo, prova testemunhal, depoimentos. E também há produção probatória fora de audiência, como perícias e inspeção judicial. Por último, a fase decisória. O magistrado poderá decidir o mérito, por meio de uma sentença.

Vale lembrar que durante o procedimento, poderão surgir decisões com ou sem mérito, mas como não encerram o processo, são chamadas de decisões interlocutórias. Por fim, é importante lembrar que o procedimento comum será aplicado subsidiariamente aos procedimentos especiais, conforme art. 318, parágrafo único do CPC[7]. Mitidiero e Marinoni[8] lembram que as decisões prolatadas no procedimento comum no primeiro grau de jurisdição podem ser controladas mediante recursos para o segundo grau de jurisdição e as decisões do segundo grau de jurisdição podem ser objeto de outros recursos para o STF e para o STJ.

Os procedimentos especiais, por sua vez, tiveram a estruturação criada a partir das peculiaridades previstas no direito material, já que a aplicação dos atos irá variar de acordo com as especificidades do direito material. Segundo Alexandre Freitas Câmara, “há casos em que o procedimento comum seria incapaz de permitir que se atendesse a determinada pretensão de direito material, o que leva o legislador a optar pela única solução que se tem reputado possível, elaborar outro procedimento específico para aquela hipótese”[9]. Assim, o procedimento especial tem o procedimento comum como base e, de acordo com as necessidades, retira ou acrescenta atos e fases a fim de dar maior efetividade na prestação jurisdicional.

 

  1. O Mandado de Segurança: conceito e rito processual

O Mandado de Segurança é uma garantia constitucional, um “procedimento jurisdicional constitucionalmente diferenciado”,[10] previsto no art. 5º, LXIX e LXX, CFRB/88 e na Lei nº 12.216/09[11]. De acordo com doutrina constitucionalista,[12] trata-se de um instrumento processual constitucional, “colocado ao dispor de toda pessoa física ou jurídica, para proteger direito líquido e certo, não tutelado por habeas corpus ou habeas data, lesado ou prestes a sofrer ameaça de lesão por ato ilegal ou abusivo, comissivo ou omissivo, proveniente de autoridade pública ou de seus delegados.”

Com efeito, tem por finalidade instrumentalizar o Poder Judiciário contra a ilegalidade ou o abuso de poder, cometidos por autoridades públicas ou agente de pessoa jurídica, no exercício de suas atribuições. De maneira geral, trata-se de uma ação residual, que tutela direito líquido e certo, ou seja, aquele que se prova documentalmente, logo na petição inicial. Nessa perspectiva, diz a doutrina de Gilmar Mendes[13]:

Pela própria definição constitucional, o mandado de segurança tem utilização ampla, abrangente de todo e qualquer direito subjetivo público sem proteção específica, desde que se logre caracterizar a liquidez e certeza do direito, materializada na inquestionabilidade de sua existência, na precisa definição de sua extensão e aptidão para ser exercido no momento da impetração.

O Mandado de Segurança é processado pelo rito sumaríssimo e funcionará, em síntese, da seguinte maneira:[14] A petição inicial deverá estar preenchida de acordo com os requisitos legais. O art. 6º da lei nº 12.206/09 define que, além do preenchimento dos requisitos estabelecidos pela lei processual, será apresentada em 2 (duas) vias com os documentos que instruírem a primeira reproduzidos na segunda e indicará, além da autoridade coatora, a pessoa jurídica que esta integra, à qual se acha vinculada ou da qual exerce atribuições.

Ao receber a exordial, caso haja pedido de liminar, o juiz decidirá pela concessão da medida liminar, ou indeferirá. Dessa decisão, cabe agravo de instrumento (art. 7º, §1º, Lei 12.206/09). Estando os requisitos legalmente preenchidos, o juiz notificará a autoridade coatora, que deverá apresentar informações no prazo de 10 dias. Ainda, será dado o conhecimento do feito ao órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada e também será ordenado que se suspenda o ato que deu motivo ao pedido, conforme previsão no art. 7º, I, II, e III, Lei nº 12.206/09.

Interessante pontuar que no Mandado de Segurança, o sujeito passivo é quem irá suportar os ônus, os incômodos decorrentes da concessão da ordem, não a autoridade coatora, pois esta é mera informante[15]. Isso porque o coator não é parte, no sentido material do termo, mas, apenas, para o processo. A parte é a pessoa jurídica de direito público ou de direito privado, quando delegada ou concessionária de serviço público.

Seguidamente, no rito, após a manifestação da autoridade coatora, o Ministério Público, como fiscal da ordem jurídica, é intimado para que no prazo de 5 dias, seja ouvido. Vale lembrar que o MP será ouvido independentemente de haver prestação de informações pela autoridade. Ademais, depois da oitiva das partes, os autos seguirão para a decisão em sede de sentença, que em face dela, seja denegando ou concedendo a ordem, caberá recurso de apelação (art. 14, Lei nº 12.016/09). Por fim, faz-se necessário mencionar o prazo decadencial para a impetração do mandado de segurança, que é de 120 (cento e vinte) dias, contados da ciência, pelo interessado, do ato impugnado (art. 23, Lei 12.206/09).

 

  1. Mandado de Segurança e procedimento comum: Principais diferenças

Primeiro, já se nota uma diferença do procedimento do mandamus em relação ao procedimento comum: Não há contestação, não há lide, já que não se trata de um conflito de interesses, mas tão somente de um direito que se comprova por meio de documentos, relacionado a uma autoridade. Segundo, não há fase probatória. Essa é uma das características essenciais do remédio constitucional aqui estudado. Além de residual, ou seja, direito líquido e certo que não seja amparado por habeas data ou habeas corpus, o mandado de segurança só pode ser impetrado se tratar de direito que seja comprovado documentalmente, dispensando a fase de provas.

Outrossim, há várias técnicas processuais diferenciadas em relação ao procedimento comum[16], expressamente encontradas na Lei nº 12.206/09, como o dever de exibição de documento pelo órgão público, incidentalmente (art.  6º,§ 1º  e  2º); a notificação, logo quando há o recebimento da petição inicial, para que a autoridade coatora preste informações no prazo de 10 (dez) dias; a ciência  do  feito  ao  órgão  de  representação  judicial  da  pessoa  jurídica interessada (art. 7º, II); a oitiva  obrigatória  do  Ministério  Público  (art.  12).

Há também a remessa necessária obrigatória, conforme art.  14, § 1º “Concedida a segurança, a sentença estará sujeita obrigatoriamente ao duplo grau de jurisdição.”   Além disso, a autoridade coatora tem legitimidade recursal (art. 14, § 2º). Há, também, eficácia imediata da sentença, cuja apelação, em regra, não terá efeito suspensivo (art.  14, § 3º). Outra especificidade é que há prazo decadencial de 120 dias para a impetração. Não há condenação de honorários, como dispõe o art. 25 da referida lei.

 

  1. Considerações finais

Pôde-se verificar, no estudo dos procedimentos especiais, que há especificidades presentes no direito material que pressupõem a adoção de um procedimento especial, a fim de melhor satisfazer aquele direito. O mandado de segurança, remédio constitucional residual que nasce para proteger pessoas físicas e jurídicas de atos ilegais ou de abuso de poder de autoridade, sujeita-se a um procedimento próprio.

Assim, não obstante o uso subsidiário das regras do Código de Processo Civil, percebe-se, da própria garantia constitucional, a peculiaridade da natureza do ato a que se destina. Assim, a celeridade do rito e as características dispostas na lei que o rege, configuram-se aptas a proteger o cidadão em face das arbitrariedades do estado, dimensão esta não amparada pela generalidade do procedimento comum.

 

Notas e Referências:

BONOMO, A. Utilização das técnicas processuais diferenciadas do mandado de segurança no procedimento comum, sob a perspectiva do princípio da adequação jurisdicional. Revista Eletrônica de Direito Processual –REDP. Periódico Quadrimestral da Pós-Graduação Stricto Sensuem Direito Processual da UERJ, v.19, n. 3, Rio de Janeiro, 2018.

BRASIL, Lei nº 12.206/09, Disciplina o mandado de segurança individual e coletivo e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12016.htm Acesso em: 05.04.2024.

BRASIL, Lei nº 13.105/2015. Código de Processo Civil. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm Acesso em: 05.04.2024

BUENO, C. S. Manual de direito processual civil. 9. ed, p. 168-171. São Paulo: Saraiva, 2023. E-book.

BULOS, U. L. Curso de direito constitucional. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2023. E-book.

CÂMARA, Alexandre Freitas. Manual de Direito Processual Civil. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora Atlas, 2023.

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Manual do processo civil, 5. ed, São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020.

MENDES, G. F.; BRANCO, P. G. G. Curso de Direito Constitucional. 18. ed, p. 1175-1177. São Paulo: Saraiva, 2023. E-book.

SÁ, Renato Montans de. Manual de Direito Processual Civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2023. E-book.

[1] Acadêmica de Direito do Centro Universitário Unifafire. Pesquisadora do NUPEX – Unifafire. Interesse na área de Processo Civil. E-mail: mirelabezerrademelo@gmail.com

[2] Acadêmica de Direito do Centro Universitário Unifafire, pesquisadora da área de direito penal e lei antimanicomial. E-mail: claudiabaltar18@gmail.com

[3] Acadêmico de Direito do Centro Universitário Unifafire, E-mail: arthurquintino19@gmail.com

[4] SÁ, Renato Montans de. Manual de Direito Processual Civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, p. 410-412. 2023. E-book.

[5] CÂMARA, Alexandre Freitas. Manual de Direito Processual Civil. 2ª ed, p. 908. Rio de Janeiro: Editora Atlas, 2023.

[6] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Manual do processo civil, 5. ed, p. 264. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020.

[7] BRASIL, Lei nº 13.105/2015. Código de Processo Civil. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm Acesso em: 05.04.2024

[8] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Manual do processo civil, 5. ed, p. 263. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020.

[9] CÂMARA, Alexandre Freitas. Manual de Direito Processual Civil. 2ª ed, p. 909. Rio de Janeiro: Editora Atlas, 2023.

[10] BUENO, C. S. Manual de direito processual civil. 9. ed, p. 168-171. São Paulo: Saraiva, 2023. E-book.

[11] BRASIL, Lei nº 12.206/09, Disciplina o mandado de segurança individual e coletivo e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12016.htm Acesso em: 05.04.2024

[12] BULOS, U. L. Curso de direito constitucional. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2023. E-book.

[13] MENDES, G. F.; BRANCO, P. G. G. Curso de Direito Constitucional. 18. ed, p. 1175-1177. São Paulo: Saraiva, 2023. E-book.

[14] SAMPAIO JÚNIOR, Wanderley. Monografia, Especialização em Direito Processual Civil. O Processo de Mandado de Segurança à Luz do CPC/15. Curso de Pós-Graduação Latu Sensu, Faculdade Baiana de Direito, Salvador, 2019.

[15] BULOS, U. L. Curso de direito constitucional. 16.ed, p. 2302. São Paulo: Saraiva, 2023. E-book.

[16] BONOMO, A. Utilização das técnicas processuais diferenciadas do mandado de segurança no procedimento comum, sob a perspectiva do princípio da adequação jurisdicional. Revista Eletrônica de Direito ProcessualREDP. Periódico Quadrimestral da Pós-Graduação Stricto Sensuem Direito Processual da UERJ, v.19, n. 3. p. 97, Rio de Janeiro, 2018.

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