Ainda pensando e acreditando no velho e bom Positivismo. Parte 2.
Por André Luiz Maluf de Araujo [1]
No nosso sistema processual, é possível que o Tribunal Estadual sustente que a decisão do Tribunal Superior vai contra o direito válido no sistema, fazendo uma ressalva. No entanto, como a nossa normatização também é muito clara, devido ao sistema legal, “onde o capitão governa, o marinheiro não governa”, o tribunal inferior reconhece a autoridade do Superior Tribunal de Justiça. Authoritas non veritas facit legem.
Obviamente, o positivismo jurídico contemporâneo não nega que, às vezes, precisamente quando não está claro, o direito deve ser interpretado. O que ele rejeita é a necessidade de sempre ter que fazê-lo. Portanto, semelhante ao que parece estar ocorrendo hoje no Brasil, o problema não é a interpretação do próprio direito, mas o interpretativismo, pois para este último, devemos interpretar a lei sempre que quisermos aplicá-lo.
Por outro lado, o positivismo tampouco nega que às vezes, o raciocínio moral e político aparecem no cenário jurídico, mas não o faz por direito próprio, mas por convite legal. Permitam dizer que, o positivismo jurídico é conceitual e / ou normativo, mas nunca ideológico; isto é, do ponto de vista positivista, a autoridade do direito, substitui muitas de nossas razões para agir, mas não todas.
O excesso da forma legal (autoritarismo) pode ser tão prejudicial quanto a sua ausência (anarquismo). Aliás, os inimigos do positivismo frequentemente o associam ao nazismo, apesar do fato de o nazismo detestar a lei e os juristas. Correto, uma das primeiras vítimas do nazismo foi justamente o legalismo.
Uma ironia da atual prevalência de sentimentos antipositivistas, é que sua hegemonia era originalmente o resultado da pregação de algumas faculdades de direito, em vez de uma descrição correta da realidade. Muitos advogados participaram de seminários sobre filosofia do direito, na esperança de entender melhor o que é o direito e, portanto, o que eles mesmos fizeram como participantes de uma prática social. Na realidade, o sucesso de um seminário de filosofia do direito depende de você descrever e explicar o direito da maneira mais fiel possível.
No entanto, uma filosofia do direito interpretativo como a de Dworkin, inspirada na prática do direito comum, acabou influenciando o comportamento daqueles que participam de outros sistemas jurídicos, apesar de suas reivindicações não serem apenas descritivas, mas obviamente corresponderem a um sistema legal diferente. Em outras palavras, a filosofia do direito interpretativo acabou sendo uma profecia autorrealizável, embora de uma religião estrangeira: hoje em dia, o movimento interpretativo corresponde ao que os participantes de um sistema jurídico continental fazem, mas não porque explica melhor o que é o direito, mas porque influenciou o comportamento desses agentes.
Os cinéfilos vão se lembrar da cena do filme Nixon de Oliver Stone, em que o Presidente Nixon, interpretado por Anthony Hopkins, para no retrato de John F. Kennedy na Casa Branca e diz: “Quando eles olham para você, eles veem o que querem ser. Quando me veem, veem o que são”. Assim, guardada as devidas proporções e com o devido respeito, quando eu estudo o Direito, o positivismo seria Nixon e o interpretativismo, Kennedy. Hoje a situação é o contrário.
O interpretativismo se reflete amplamente na prática jurídica, enquanto o positivismo se tornou um programa, e às vezes uma utopia, provavelmente a causa de Catão: “A causa vitoriosa agradou aos deuses, mas os derrotados, para Cato “(Lucanus, Farsalia: I, 128-129, contei esta história em um post no facebook).
A rigor, apesar de como geralmente é apresentado, o interpretativismo, não é uma alternativa genuína ao positivismo ou à lei natural, pois, no fundo, oscila entre a lei natural ingênua e o positivismo secreto. De fato, embora o interpretativismo gire em torno da noção de resposta correta, ele insiste em defender a ideia de autoridade institucional, pelo menos a dos juízes; talvez melhor seja, chamá-lo de “positivismo judicial”.
Quanto ao direito natural, dado que é cronologicamente o primeiro grande discurso sobre a filosofia do direito, ele ganhou um lugar nessa discussão por mérito próprio e é muito menos ingênuo do que parece.
Ronald Myles Dworkin é um dos ferrenhos opositores ao positivismo jurídico, basta ver a sua obra levando o direito a sério, onde em treze artigos, ele praticamente dedica ‘a construção de uma proposição teórica de feições liberais, contrária a filosofia utilitarista irrestrita e ao modelo juspositivista.
O interpretativismo de Dworkin, se apoia em um tripé: a) que os juízes devem sempre interpretar a lei ; (b) que a interpretação da lei é um exercício de moralidade política e (c) que o juiz é coautor da lei, à maneira de um romance em cadeia.
O questionamento na primeira tese de Dworkin, é que ela confunde entendimento com interpretação: poderíamos dizer, que a ideia de que a interpretação no direito é inexorável, oscila entre redundância e, de certa forma ironicamente, mostra uma incompreensão da diferença entre entender e interpretar. Além disso, a interpretação nem sempre ocorre, mas apenas quando não entendemos o significado da lei. Correto, mesmo Dworkin admite esse ponto quando aceita que o centro de suas teses são casos difíceis.
Para avançar na análise da segunda tese de Dworkin, devemos reconhecer por um momento que é necessário interpretar (em um sentido forte) a lei. Nesse caso, o interpretativismo é válido, é essencial recorrer ao raciocínio avaliativo. Um segundo ingrediente da receita interpretativa é a necessidade de a interpretação mostrar a lei da melhor maneira possível.
Isso explicaria por que, de acordo com o antipositivismo interpretativo, a luz da moralidade política explode em alguns estudos, mesmo quando é proibida a entrada do positivismo. A afirmação Dworkiniana de que um juiz, ao interpretar o direito da melhor maneira possível, acaba coincidindo com a intenção original do legislador, é, segundo Dworkin, fazer a melhor regra possível o que torna extremamente problemática. Talvez o desempenho deva mostrar o objeto da pior maneira possível, se é isso que o objeto merece. Mas, em qualquer caso, a avaliação judicial não pode afetar a autoridade do direito, em particular a democrática. O juiz deve aplicar o direito, não o valorizar positivamente.
Finalmente, uma vez que, para o interpretativismo dworkiniano, o direito deve sempre ser interpretado, sob uma luz moral que o mostre da melhor maneira possível, o centro de gravidade institucional é o juiz e não o legislador.
Logo, podemos falar que o juiz dworkiniano é 2 em 1, ou seja, o juiz não é apenas um intérprete que valoriza o direito, mas também é coautor do que ele interpreta, que é então um romance em cadeia que o juiz interpreta. Como coautor, o juiz modifica o trabalho que ele está interpretando com precisão. Entender o juiz como coautor e intérprete simultaneamente se assemelha a um jogo prático que, embora impressionante, deixa muitas falhas teóricas no ar.
No entanto, o que mais preocupa, são os efeitos institucionais concretos das teorias do interpretativismo dworkiniano, uma vez que, pelo menos na modernidade, os juízes encontram uma resposta que é considerada correta porque corresponde ao sistema normativo que as precede e não o contrário. Insistir na necessidade de interpretar e, sobretudo, na interpretação avaliativa e na coautoria judicial, torna o direito completamente nas mãos dos juízes. Além disso, não devemos esquecer que o governo dos juízes como coautores não é fácil de conciliar com a democracia.
Concluindo, e como escrito num capítulo anterior, o positivismo serviu a três grandes propósitos: 1) opôs-se a qualquer desafio proveniente de corporações medievais ou de formas políticas extra estatais como o império; 2) foi acompanhado pelo processo de centralização do estado que eliminou a contenda ou violência organizada como conceito legal; e 3) o direito positivista gira em torno das ideias de direito e legalidade, no sentido de que o direito é um produto exclusivo do Estado e distingue cuidadosamente o direito dos direitos e de um ponto do ponto de vista jurídico, o segundo está subordinado ao primeiro.
O positivismo, portanto, permite-nos entender ou pensar sobre o direito como um sistema institucional de conteúdo neutro ou independente relevante, capaz de resolver conflitos causados precisamente pelo contido nas razões de diferentes interesses ou partes. O direito moderno, portanto, só pode ter sucesso se conseguir transformar a questão material, assim de quais crenças ou proposições seriam as verdadeiras na questão muito mais geral e formal acerca da decisão ou julgamento de quem deve julgar, assim um juízo autoritário ou considerado verdadeiro.
Para evitar cair nas mesmas falhas absolutas do interpretativismo, devemos ter muito cuidado e não confundir o positivismo normativo com o ideológico, a ideia de que devemos obedecer todo direito pelo exclusivo fato de que existe, sem que importe por exemplo, qual é sua fonte, é o que no fundo inventam os inimigos do positivismo para desprestigiá-lo.
[1] Advogado e Professor. Mestrado em Proc. Civil pela USP, especialista em Dir. Civil, Administrativo e Constitucional. Membro da ABDPRO e do IPDC.