Área jurídicaColuna do EstudanteFora da caixa

Latam, Voepass e o Direito do Consumidor: como o CDC pode atuar para defender os consumidores em passagens aéreas

Por Erick Labanca*

 

A Voepass, empresa que possui parceria com a companhia aérea Latam, suspendeu suas atividades desde 11 de março de 2025, afetando os consumidores que haviam comprado as passagens aéreas pela suspensão dos serviços da Voepass. A Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) suspendeu as atividades da Voepass, o que impactou negativamente a vida de diversos clientes de ambas as empresas[1]. Como isso impacta o direito do consumidor? Tem estes o direito à restituição da quantia paga na passagem de volta? Deve-se aplicar a resolução n. 400 da ANAC ou o CDC ao caso em tela?

 

  1. A responsabilidade objetiva e solidária no direito do consumidor

A responsabilidade no direito do consumidor pelos danos causados aos consumidores pelos fornecedores é objetiva e solidária. Objetiva porque o consumidor não precisa comprovar os danos causados, apenas a extensão deles; solidária porque todos na cadeia produtiva (do fornecedor ao entregador) respondem conjuntamente pelos danos causados aos consumidores. É essa teoria defendida pela doutrina majoritária, como BENJAMIN (2021) ao falar da teoria da qualidade e da teoria do risco no âmbito consumerista, visto que o consumidor é a parte presumivelmente vulnerável nas relações de consumo, nos termos do art. 4, I[2], do CDC.

Segundo os arts. 12, 14 e 18, § 1º, I, II e III do Código de Defesa do Consumidor, os fornecedores respondem de forma objetiva, ou seja, eles devem comprovar que não houve dano aos consumidores, e de forma solidária, ou seja, conjuntamente enquanto envolvidos na cadeia produtiva:

 

Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.

§ 1° Não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:

I – a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso;

II – a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;

III – o abatimento proporcional do preço.

 

Nos termos do § 1º, II, do art. 18 do CDC, pode o consumidor em caso de vícios no produto (que diminuem sua qualidade ou valor e os tornem impróprios para o consumo, nos termos do caput do artigo) exigir a restituição imediata do valor pago no produto (ou serviço, nos termos do art. 20, II, do CDC[3]), monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos.

Ainda, no que tange ao descumprimento da oferta, sendo este o descumprimento da oferta ou da publicidade – em diálogo com os arts. 18 e 20 do CDC – pode o consumidor optar, também, pela restituição imediata da quantia paga por ele no produto ou serviço, com rescisão de contrato, mais perdas e danos.

 

Art. 35. Se o fornecedor de produtos ou serviços recusar cumprimento à oferta, apresentação ou publicidade, o consumidor poderá, alternativamente e à sua livre escolha:

I – exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publicidade;

II – aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente;

III – rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, e a perdas e danos.

 

Portanto, o CDC ampara o consumidor, em quaisquer produtos e serviços fornecidos (incluindo serviços de aviação civil), caso haja descumprimento da oferta, vícios no produto ou serviço, com a responsabilidade dos fornecedores objetiva ou sem culpa e de maneira solidária.

 

  1. A resolução n. 400 da ANAC e os direitos dos consumidores

O art. 7º, caput, do CDC enuncia que:

 

Art. 7° Os direitos previstos neste código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e eqüidade.

 

Desse modo, não exclui o Código de Defesa do Consumidor a resolução n. 400 da ANAC. Esta resolução diz, em seu art. 30, I e II diz:

Art. 30. Nos casos de atraso de voo, cancelamento de voo, interrupção de serviço ou preterição de passageiro, o reembolso deverá ser restituído nos seguintes termos:

I – integral, se solicitado no aeroporto de origem, de escala ou conexão, assegurado, nestes 2 (dois) últimos casos, o retorno ao aeroporto de origem;

II – proporcional ao trecho não utilizado, se o deslocamento já realizado aproveitar ao passageiro.

 

Dialogam os arts. 18, § 1º, II e 35, III, do CDC, e o art. 30, I e II da resolução n. 400 da ANAC ao preverem o reembolso da quantia paga pelo consumidor em caso de atraso de voo, interrupção do serviço ou preterição de passageiro. Todavia, há a questão se se deve aplicar a resolução n. 400 da ANAC ou o CDC ao caso concreto. O consumidor é a parte vulnerável, por excelência da relação de consumo, como enuncia o inciso I, do art. 4º, do CDC[4]. Desse modo, o consumidor deveria estar em paridade com o fornecedor, motivo pelo qual o CDC foi promulgado: a fim de garantir paridade na relação de consumo, em que o fornecedor é a parte mais forte. O art. 1º, do CDC, enuncia que este é “norma de ordem pública e interesse social”, não podendo ser afastada e nem renunciada, dessa forma, pelo consumidor ou por quaisquer outras normas, defendendo TARTUCE (2024), por exemplo, ser a Lei 8.078/1990 norma supralegal. Nos termos do inc. III do art. 4, do CDC[5], a boa-fé e a harmonização das relações de consumo devem prevalecer, visto que o consumidor é parte vulnerável da relação consumerista e, portanto, deve-se adotar o Código de Defesa do Consumidor ao caso em tela, como um in dubio pro consumidor.

 

  1. Conclusão

Diante do exposto, conclui-se que a responsabilidade da Latam, ante o ocorrido, é objetiva e solidária com a Voepass, devendo ser aplicado o CDC ao caso concreto, como um in dubio pro consumidor pelo consumidor ser a parte mais vulnerável da relação de consumo, e serem ressarcidos os valores pagos por eles pelo descumprimento da oferta e pelos vícios no serviço de transporte aéreo de passageiros, harmonizando as relações de consumo amparadas na boa-fé.

 

  1. Notas e Referências

*Estudante de Direito do 5° Período UNIFAGOC, estagiou no Procon, estagiário da DPMG, monitor de Direito Civil Parte Geral e Teoria Geral do Direito e escritor de artigos científicos com enfoque em Direito Constitucional, Teoria do Direito e Filosofia do Direito.

BRASIL. Lei Nº 8.078 de 11 de setembro de 1990. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078compilado.htm. Acesso em: 30 de mar. 2025.

BRASIL. RESOLUÇÃO Nº 400, DE 13 DE DEZEMBRO DE 2016. Disponível em: https://www.anac.gov.br/assuntos/legislacao/legislacao-1/resolucoes/resolucoes-2016/resolucao-no-400-13-12-2016. Acesso em: 30 de mar. 2025.

MARQUES, Cláudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman Vasconcellos; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de Direito do Consumidor. 9 ed. São Paulo: RT, 2021.

TARTUCE, Flávio; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito do Consumidor: direito material e processual. 13 ed. São Paulo: Método, 2024.

[1] Suspensão da Voepass: Latam diz ter atendido 85% dos 106 mil clientes afetados. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/noticia/2025/03/28/suspensao-da-voepass-latam-diz-ter-atendido-85percent-dos-106-mil-clientes-afetados.ghtml. Acesso em: 30 de mar. 2025.

[2] Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:

I – reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;

[3] Art. 20. O fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:

II – a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;

[4] Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:

I – reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;

[5] Art. 4º (…)

III – harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;

Colunista

Avalie o post!

Incrível
0
Legal
1
Amei
1
Hmm...
0
Hahaha
0

Você pode gostar...

Comentários desativados.