Academy of Motion Picture Arts and Sciences v. American Virginia: 20 anos, uma folia e uma vitória depois
Por Otávio Henrique Baumgarten Arrabal*
A indicação ao Oscar do filme brasileiro Ainda Estou Aqui em três categorias[i] despertou grande entusiasmo, frenesi e expectativa entre muitos amantes da sétima arte, tanto nacional quanto internacionalmente.
Este ano, a data da cerimônia de premiação caiu em um domingo de Carnaval no Brasil. Nas últimas semanas, foi possível encontrar pequenas e gigantes estatuetas sendo vendidas como itens de adereço para fantasia.
A oferta de tais itens por comerciantes e a massiva procura[ii], pelas multidões de populares, é curiosa, ainda mais quando se observa que a Academy of Motion Picture Arts and Sciences (AMPAS, ou a Academia) titulariza registros de marcas no Brasil desde 1987, e já promoveu no país a defesa processual de sua situação jurídica subjetiva num passado recente.
Em setembro de 2004, a Academia entrou com uma ação constitutiva-negativa de ato administrativo concedente de registro de marca (cominada com pleito de abstenção de uso da marca nula) contra a fabricante de cigarros American Virginia e o Instituto Nacional da Propriedade Industrial.
Em fevereiro daquele ano, o INPI havia concedido o registro da marca (número do pedido “819497134”) para o maço de cigarros “Oscar” (você pode ver uma imagem do maço de cigarros aqui). No elemento figurativo desse registro de marca, há uma reprodução da famigerada estatueta.
A fundamentação da sentença proferida pela Juíza Federal Flávia Peixoto em julho de 2007 é bastante interessante. Veja-se um excerto dela:
«A Autora é a responsável pela famosa festa do Oscar, cerimônia que ocorre anualmente no cenário cinematográfico mundial desde 1928, na qual é concedido o prêmio oficialmente denominado Oscar, simbolizado pela estatueta coberta de ouro, cuja escultura permanece inalterada há mais de 70 anos. […] apesar das marcas em apreço terem sido registradas em classes distintas, entendo [que] a anterioridade do registro da autora constitui sim óbice ao registro da marca ré, eis que seu uso. para designar cigarro e tabacos é abusivo, sendo certo que esta pretende associar seus produtos à imagem de glamour da prestigiada cerimônia do Oscar, pouco importando para o deslinde da controvérsia que ela tenha sido concedida à ré em outros países. Ora, como se sabe, toda marca carrega em si um simbolismo cuja função psicológica não pode ser desprezada. A marca é um atrativo de comercialização que induz um comprador a escolher o que quer. Por isso, o titular de uma marca explora essa propensão humana, esforçando-se para impregnar a atmosfera do mercado com o poder atrativo de um símbolo. Através das marcas, transmite-se nas mentes dos consumidores potenciais o desejo sobre a mercadoria por ela dístínguida. No caso em apreço, parece-me evidente que ao identificar seus cigarros com o signo OSCAR a ré buscou associar seu produto a pessoas vencedoras e ao glamour daquela cerimônia mundialmente conhecida, criando aim um forte apelo para os consumidores. Tanto é que a marca do cigarro registrada pela ré é dotada não só da parte nominativa OSCAR, mas também de um desenho que imita grosseiramente a famosa estatueta […]. […] a autora também tem seu signo protegido pelo direito autoral [rectius, a expressão formal criativa que plasma a estatueta como obra – observação nossa], conforme disposto [na] Lei 9610/98, já que demonstrou ser a legitima titular dos direitos autorais da estatueta, […] onde se vê não só a cessão de direitos como também a vigência da proteção autora […]. Deste modo, a reprodução da estatueta só seria permitida mediante autorização prévia da autora, […] sendo este mais um motivo pelo qual a marca [da] ré não poderia ter sido registrada, dada a proibição do inciso XVII do […] Artigo 124 da Lei 9.279/96 […].» (Sentença, Julho de 2007, Procedimento Comum Cível 0528714-02.2004.4.02.5101, 39ª Vara Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro).
Com exceção ao pedido de indenização na esfera federal, o pedido de nulidade do referido registro de marca foi totalmente procedente, assim como a rejeição peremptória (“arquivamento”) de outros pedidos de marca in fieri pleiteados pelo Réu (como a marca nominativa “Oscar” na classe 34 de Nice).
American Virgínia apelou dessa decisão, bem como a Academia. O relator em segunda instância, Des. Messod Azulay, foi parcialmente favorável ao argumento da fabricante de cigarros quanto à recusa da rejeição peremptória estatuída em primeira instância, pelas seguintes razões:
«O primeiro aspecto que se observa nos autos é que a fama dos signos da Apelante não decorre da denominação de sua marca “Oscar”, mas do elemento figurativo (no caso, uma estatueta). Pois, sendo “Oscar” um nome designativo de pessoa e muito comum em inúmeros países, sua pronuncia aleatória pode remeter, igualmente, a outras tantas pessoas tão famosas quanto a estatueta, como por exemplo o grande escritor inglês Oscar Wilde, o grande arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer; o grande estilista norte-americano Oscar de la Renta, todos mundialmente aclamados, relevando notar que os dois últimos possuem, inclusive, registros marcários em seus próprios nomes e de grande destaque internacional. Diferente da estatueta, cuja impressão visual remete imediatamente à expressão Oscar por ser esse o nome pelo qual é conhecida. De forma que, não é o nome Oscar que enseja riscos de associação com produtos em outras classes, mas a figura da estatueta, esta sim capaz associar qualquer produto ao evento de fama mundial […].» (Acórdão, novembro de 2008, Processo Cível #0528714-02.2004.4.02.5101, 2ª Turma Especializada – Tribunal Regional Federal da 2ª Região).
Vinte anos, uma folia e uma vitória na categoria de Melhor Filme Internacional se passaram desde o ajuizamento da ação de nulidade. Recentemente, a Academia instaurou PAN perante o INPI visando a nulidade administrativa de outra marca figurativa, que também acredita estar reproduzindo a estatueta do Oscar.
A vitória para Ainda Estou Aqui não é apenas simbólica para o momento presente, mas também para se rememorar o caso do passado.
Notas e Referências:
*Advogado em Santa Catarina. Bacharel em Direito pela Fundação Universidade Regional de Blumenau
[i] oscars.org/oscars/ceremonies/2025
[ii] “Carnaval e indicação ao Oscar impulsionam vendas na 25 de Março: vendas de réplicas da estatueta aumentaram cerca de 200%”: agenciabrasil.ebc.com.br/cultura/noticia/2025-02/carnaval-e-indicacao-ao-Oscar-movimentam-vendas-na-25-de-marco