Nêmesis, por Philip Roth
Nêmesis
Philip Roth (trad. Jorio Dauster)
Companhia das Letras, 194 páginas
Philip Roth, falecido em 2018, possuía um currículo de conquistas tão extenso quanto sua produção. Afora o Nobel – que seria sempre sua pedra no sapato –, Roth venceu tudo. Para citar os principais: National Book Award (2x), National Book Critics Circle Award (2x), PEN/Faulkner, PEN/Nabokov, PEN/Saul Bellow, Pulitzer, Honorary Doctor of Letters degree da Universidade de Harvard, Gold Medal In Fiction de The American Academy of Arts and Letters[1].
Único escritor ainda vivo a ter sua obra publicada pela prestigiosa coleção Library of America, Roth teve a carreira permeada por polêmicas. A mais recorrente deles, acusava-o de misoginia pela forma como as mulheres eram retratadas nos seus livros. Em ‘O teatro de Sabbath’[2], por exemplo, Roth parece construir uma narrativa com o propósito deliberado de provocar seus críticos, colocando-se novamente no centro do debate público.
Mas não é de Sabbath que esta coluna falará hoje, mas sim de Nêmesis, seu último livro, publicado originalmente em 2010.
Último livro do seu ciclo mais maduro de obras[3] – em que Roth encara de frente temas como mortalidade, doença, indignação, guerra –, Nêmesis conta a história de uma epidemia de poliomielite que se abate sobre uma comunidade de Nova Jersey no verão de 1944, ainda durante a Segunda Guerra Mundial.
O personagem central da história é Bucky Cantor, jovem professor com um enorme senso de responsabilidade que, impossibilitado de lutar na guerra, torna-se o responsável por monitorar o pátio de recreio da escola pública naquele verão; e que acompanha, em tempo real, o avanço da doença e do horror que se abate sobre a comunidade.
É através de Bucky que conhecemos primeiro o horror advindo do desconhecido; e depois aquele nascido de uma culpa quase asfixiante, com aptidão para transformar radicalmente a vida de todos que o cercam.
Maravilhosamente escrito, Nêmesis tem um cena final tão poderosa quanto triste, que ressoa muito (mas muito mesmo) além da última página do livro, enquanto o leitor tenta responder às perguntas que encerram a orelha do livro: quais escolhas definem fatalmente uma vida? Quão impotentes ficamos diante da força das circunstâncias?
“Algumas pessoas têm sorte, outras não. Toda biografia é uma questão de chance e, a partir do momento da concepção, a sorte – a tirania da contingência – comanda tudo. Acredito que era a isso que o Sr. Cantor se referia ao condenar o que chamava de Deus” (p. 169).
Notas:
[1] Uma lista (incompleta) das premiações pode ser encontrada na página da Wikipedia de Roth (https://pt.wikipedia.org/wiki/Philip_Roth); a lista completa pode ser encontrada no perfil em inglês do autor também na Wikipedia (https://en.wikipedia.org/wiki/Philip_Roth)
[2] Quem já escreveu brilhantemente sobre ‘O teatro de Sabbath’ foi Camila von Holdefer, no blog do IMS: https://blogdoims.com.br/elogio-de-sabbath/.
[3] Uma rara entrevista para a repórter do Estadão, Roth discute esse ciclo final de livros: https://www.youtube.com/watch?v=5lQBNxPuVOw