Clube do livro

Lições – Ian McEwan

Ian McEwan (trad. Jorio Dauster)

Companhia das Letras, 568 páginas

 

Ian McEwan é um escritor de muitas vozes. Em ‘Enclausurado’ a história é contada da perspectiva de um feto; em ‘A barata’ ele se lança em uma narrativa ao estilo kafkiano; em ‘Máquinas como eu’ os humanos são colocados diante de uma realidade na qual androides já se tornaram uma realidade…

Em ‘Lições’ a narrativa retoma um curso mais tradicional, sem um argumento de partida tão surpreendente quanto os três livros (citados acima) que o antecederam, mas nem por isso estamos diante de um livro menor. Pelo contrário. Seja do ponto de vista estritamente formal (o livro é um calhamaço de quase 600 páginas); seja do ponto de vista material, McEwan entrega um romance de formação honesto – que, se não é capaz de revolucionar a experiência de leitura, consegue prender a atenção do leitor.

À história.

Conhecemos Roland Baines com onze anos durante uma aula de piano. Seus pais moram a centenas de quilômetros do internato para o qual ele foi enviado e jamais seriam capazes de imaginar que aquelas aulas marcariam a vida do garoto para sempre. Mesmo anos mais tarde, no tempo ‘presente’ para o qual a narrativa retorna – em que Roland se vê numa Inglaterra ameaçada pela cortina tóxica de Tchernóbil e ele está sozinho com o filho recém-nascido e os ecos de uma esposa que fugiu –, as lembranças das lições de piano não o abandonam.

O que se segue a esse primeiro contato é uma transição permanente entre esse Roland jovem – que parece nunca envelhecer – e aquele maduro, para quem a vida quase nunca é fácil, mas que, de alguma forma, premia a mediocridade de alguém que parece sempre ter estado propositalmente à margem de sua própria vida.

Utilizando arcos narrativos em certa medida óbvios, embora bem executados, Lições cumpre o papel de entreter um leitor com uma história que se desenrola em um contexto europeu delicado – em que alguns dos fatos históricos mais relevantes do século XX ressoam, direta ou indiretamente, na narrativa (segunda guerra, acidente nuclear, queda do muro de Berlim, pandemia da COVID-19…)

A ressalva fica por conta da última quarta parte do livro, em que McEwan parece se apiedar de um Roland resignado de-fim-de-vida e constrói para o personagem um desfecho com ares de final de novela das seis, em que frustrações são coloridas com cores, excessiva e injustificadamente, indulgentes.

Colunista

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Renato Dowsley
Mestre em Direito pela Unicap. Membro da Associação Brasileira de Direito Processual (ABDPro) e da Rede Brasileira Direito e Literatura. Advogado.

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