O paradoxo fiscal nacional: debate inicial de como os incentivos fiscais podem ser utilizados como ferramenta de atraso econômico e social – parte 1
A tributação é um caminho para gerar crescimento econômico, para isso a norma pode ser utilizada com o fim de induzir determinados comportamentos; trazendo vantagens ou desvantagens para os atores com o escopo de que estes realizem comportamentos mais desejáveis pelos agentes econômicos; alguns instrumentos fiscais podem ser usados para alcançar determinado fim.
Incentivos fiscais constituem um instrumento macro de política fiscal a ser utilizado pelo Estado com o fim de suprimir ou reduzir a obrigação de recolhimento. Como incentivos fiscais, a doutrina e a legislação elencam como exemplos as subvenções, os créditos presumidos, os subsídios e as isenções. Com esta política fiscal setores econômicos tradicionalmente carentes de recursos passam a ter acesso a uma vantagem econômica em relação a outros; criando externalidades positivas.
A instituição ou majoração de tributos também podem causar externalidades negativas, haja vista as ineficiências econômicas que uma tributação desarrazoada poderá gerar; ao invés de os recursos estarem concentrados nas mãos do cidadão, estarão concentrados no Estado. Uma das ineficiências mais básicas que este “fenômeno” pode gerar é a redução do PIB, uma vez que os recursos não serão mais utilizados como mecanismo de giro na economia e, sim, para o custeio da atividade estatal.
Um outro efeito que pode ser observado é a utilização de incentivos fiscais como instrumento de captação de empreendimentos, ao invés de instrumento de estímulo. Como exemplo, pode-se citar os incentivos gerados entorno do ICMS (a famosa guerra fiscal), pelo fato de o ICMS ser similar em todos os Estados, os incentivos ofertados também são similares. Um estado a fim de atrair empreendimentos, institui um benefício fiscal; outros estados visando “competir” pela atração, concedem benefícios similares generalizando a benesse fiscal. Como resultado desta política, o que seria uma exceção torna-se uma regra, pois todos os estados deverão seguir o mesmo caminho, caso contrário, não serão capazes de atrair investimentos.
Em razão desta generalização, a eficiência do benefício fiscal deixa de existir, pois a atração de investimentos não será derivada dos incentivos ofertados e, sim, decorrentes de aspectos econômicos, naturais, infraestrutura, educacional, mercado consumidor, entre outros.
Um reflexo interessante desta política fiscal irracional é que os incentivos se transformam em verdadeiros redutores de receitas, penalizando os estados mais pobres e impedindo que estes tenham recursos para investir em infraestrutura, educação, geração de empregos; isto é, os verdadeiros fatores de atração de investimentos.
Trata-se de uma verdadeira “crise de identidade fiscal”, em que investimentos em infraestrutura não são realizados por falta de recursos; os entes públicos utilizam o procedimento de instituir incentivos fiscais a fim de atrair investimentos privados; os investimentos privados não chegam como planejado (lembrem que a infraestrutura é precária por falta de recursos!) e a arrecadação é brutalmente reduzida (a fim de compensar, eleva-se as alíquotas de impostos com ampla base de incidência, por exemplo, IPVA e IPTU).
Bingo! Esta é a receita para o baixo desenvolvimento das regiões mais pobres do país (claro que somada a outros fatores que fogem do escopo do presente texto) e da elevada carga tributária incidente em face dos seus habitantes. É importante lembrar que se a carga tributária é elevada ocorre a transferência de riqueza do cidadão para o Poder Público, consequentemente, há uma redução na circulação de capital o que gera uma redução do PIB. O final dessa epopeia vocês já sabem!
Por meio dessas ações o Poder Público induz a iniciativa privada – por meio de norma indutoras concessivas de benefícios fiscais – a seguir determinado rumo econômico. Desse modo, a concessão de benefícios fiscais não poderá derivar de políticas desarrazoadas por parte dos entes locais, deve-se seguir ditames constitucionais, como por exemplo, os estabelecidos nos artigos 150, §6º, 151, I, 174, entre outros; como também, deve-se utilizar as ferramentas que a Teoria Econômica moderna traz.
Para a correta estruturação os efeitos a serem atingidos não podem apenas servir de base na criação normativa, após a instituição, o processo de fiscalização é essencial, devendo o Poder Público monitorar se os efeitos pretendidos estão sendo atingidos, caso contrário modificações poderão ser operadas, a fim de que os resultados pretendidos sejam atingidos[1].
A fiscalização deve ser baseada em critérios objetivos, por exemplo, se não há geração de distorções econômicas para o setor beneficiado. A ideia é que os incentivos sejam utilizados de modo localizado em um determinado setor econômico e com o escopo de equilibrar determinada situação, ou seja, em hipótese alguma poderão ser vistos como algo perene.
Infelizmente, no cenário nacional, os incentivos fiscais são utilizados de modo completamente desarrazoados, beneficiando setores que detém maior capacidade de mobilização. Isso faz com que o critério a ser escolhido não seja o econômico e, sim, o político.
Nesse contexto, em setembro de 2020 O congresso Nacional aprovou um projeto que elimina as dívidas das igrejas avaliadas em R$ 1,4 bilhão. Tal projeto foi de autoria do deputado David Soares, filho de um importante líder religioso!
Interessante lembrar que as igrejas já são beneficiadas por imunidade tributária, o que já causa uma grande distorção no sistema fiscal, pois qual o motivo que levou o legislador constituinte a criar tal benefício?
No mesmo caminho, podemos citar a não tributação na distribuição de dividendos. O que explica um empresário não ter retenção de imposto de renda no momento em que recebe os seus dividendos, mas os seus funcionários terão que pagar o imposto?
Um outro caso envolve as indústrias automobilísticas, o setor chegou ao Brasil em 1957 e desde então inúmeros programas fiscais foram implementados visando “ajudar” ao setor; somente nos últimos 17 anos aproximadamente R$ 62 bilhões em renúncia fiscal foram concedidos! Será que a indústria automobilística nacional necessita de incentivos fiscais?
A forma pela qual as políticas públicas fiscais são instituídas no Brasil, em sua grande maioria, são verdadeiros programas de transferência de riqueza. E como consequência a carga tributária dos pagadores de impostos aumenta e os setores beneficiados são dotados de elevada ineficiência operacional, pois sempre terão aquela ajuda dos entes públicos; o setor automobilístico é um grande exemplo.
Acredito que o debate assume uma relevância ímpar em momentos de crise, em que há a necessidade de manejar grandes volumes de recursos e, ao mesmo tempo, setores atingidos pela crise clamam por benefícios fiscais. É um verdadeiro paradoxo fiscal nacional!
A Teoria Econômica é capaz de auxiliar o processo de tomada de decisão e de fiscalização, porém minorias organizadas sempre tentaram defender seus interesses em detrimento do coletivo.
Em um outro texto iremos voltar ao tema e trazer os elementos da Teoria Econômica e da Economia comportamental como instrumento de gestão de políticas públicas fiscais. No momento queremos deixar a reflexão sobre qual o papel dos incentivos fiscais no cenário econômico e social nacional?
Referências:
[1] Cf. NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos: contributo para a compreensão constitucional do estado fiscal contemporâneo. Coimbra: Almedina, 1998, p. 664.