STJ – AÇÃO CIVIL PÚBLICA, DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS E (I)LEGITIMIDADE DO MP À EXECUÇÃO COLETIVA. ASTREINTES E NECESSIDADE DE INTIMAÇÃO PESSOAL.
O tema não é novo no STJ, mas foi objeto de recente julgamento da Terceira Turma (j. 14/12/21), nos autos do REsp nº 1801518 – RJ, da relatoria do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino.
Na origem: ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público em desfavor de uma determinada incorporadora, tendo por objeto (i) revisão de cláusula contratual prevendo a retenção de parcelas pagas (entre 70% e 90% do valor), quando deveria estar limitada 25%; (ii) repetição em dobro do indébito.
No curso da demanda, incidentalmente, o juízo “a quo” deferiu medida “cautelar” para forçar a incorporada ao levantamento de todos os contratos de compra e venda celebrados a partir de 2007, identificando os respectivos inadimplementos, de modo a alumiar quais consumidores teriam sido lesados pela cláusula de retenção atacada, sob pena de incidência de multa de R$ 1 mi.
As pretensões deduzidas na ACP foram acolhidas na íntegra pelo juízo de origem, condenando-se a incorporadora a realizar a repetição do indébito (em dobro), por meio de depósito nas contas correntes dos consumidores lesados (dobro dos valores que excedam aos 25% admitidos de retenção). A dobra da repetição foi excluída em grau de apelação, mantendo-se apenas o dever de restituição. Com a superveniência do trânsito em julgado, o MP promoveu a execução das astreintes sob a alegação de atraso no cumprimento da “medida cautelar”, oportunidade em que também postulou a intimação da incorporadora para cumprir a sentença coletiva, comprovando nos autos a restituição em favor dos consumidores. Foram esses pontos que ensejaram o posterior recurso especial.
Em sede de REsp, a incorporadora aduziu a ausência de intimação pessoal ao cumprimento da obrigação “cautelar”, o que não seria suprido por seu comparecimento espontâneo nos autos, valendo o Enunciado 410/STJ (“A prévia intimação pessoal do devedor constitui condição necessária para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.”). O argumento foi acolhido pelo relator, invocando outros julgados da corte no mesmo sentido, a exemplo do AgInt nos EDcl no AgInt no AREsp 1467179/GO, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, j. 22/03/2021, DJe 25/03/2021.
No tocante à legitimidade ao ajuizamento da execução, o relator destacou que o subsistema processual coletivo convive com diferentes “formas” de execução: individual, coletiva (art. 98, CDC) e a reparação fluida ou execução “residual” (art. 100, CDC). Como a última situação pressupõe que o montante condenatório seja dirigido ao Fundo em Defesa de Direitos Difusos (FDD), sua incidência foi prontamente afastada no caso em exame.
Uma vez excluída essa hipótese, passou-se a examinar se seria o caso da execução prevista no art. 98, CDC, também afastada pelo relator, por não se tratar de direitos difusos ou coletivos em sentido estrito.
Ao derradeiro, após fixar os limites da atividade cognitiva na execução judicial (identificação do beneficiário do direito reconhecido na sentença (“cui debeatur”) e a extensão individual desse direito (“quantum debeatur”)), o relator asseverou que “a controvérsia acerca do núcleo de homogeneidade do direito”, a qual, em suas palavras, está atrelada ao interesse social que legitima a atuação do MP ex vi art. 129, CF, já teria sido eliminada; com a superveniência da coisa julgada na demanda coletiva, os interesses/direitos são particularizados, o que afasta a possibilidade de execução coletiva. Na espécie, a legitimidade do MP somente voltaria a existir se, após o transcurso de um ano do trânsito em julgado, não ocorresse a habilitação de vítimas em número compatível à gravidade do dano (art. 100, CDC), quando então o montante da condenação seria direcionado ao FDD. O recurso da incorporadora foi integralmente provido.