Domicílio do curatelado na superveniência de incapacidade do curador e pendência de nomeação de curador provisório
Cediço que o domicílio da pessoa natural é o lugar onde ela estabelece a sua residência com ânimo definitivo. Contudo, se a pessoa natural for incapaz, o seu domicílio será definido pela lei (domicílio necessário legal ou obrigatório).
Nos termos do parágrafo único do artigo 76 do Código Civil, o domicílio do absolutamente incapaz coincide com o do seu representante, assim como o domicílio do relativamente incapaz irá coincidir com o do seu assistente.
No mesmo sentido a disposição da parte final do § 7º do artigo 7º da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro (LINDB).
Considerando as vicissitudes da vida, pode ocorrer de o curador falecer antes do curatelado ou tornar-se incapaz, o que demandará a nomeação de curador provisório até que um novo curador definitivo seja escolhido.
Sabendo que a nomeação de curador ocorre no bojo de uma ação judicial, certo que o pedido de substituição ou nomeação de novo curador deve ser dirigido ao Judiciário.
Até que sobrevenha decisão judicial nomeando curador provisório, a vida do curatelado não fica paralisada e é preciso definir onde será considerado o seu domicílio neste intervalo: entre a morte ou superveniência de incapacidade do curador e a nomeação de curador provisório.
O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, no julgamento do agravo de instrumento 1.0000.23.097338-0/001, deu provimento ao recurso e atribui-lhe efeito translativo para julgar extinta a ação civil pública ajuizada contra o município de Piedade dos Gerais/MG pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais em substituição de pessoa absolutamente incapaz.
Entendeu o Tribunal Mineiro que o município de Piedade dos Gerais/MG não é parte passiva legítima porque:
a) compete ao município de domicílio da paciente assegurar o seu direito à saúde;
b) a titular do direito material substituída pelo Parquet encontra-se interditada, de modo que o seu domicílio coincide com o domicílio da sua curadora, que reside no município de João Pinheiro/MG;
c) inobstante a notícia de incapacidade superveniente da curadora, até que advenha decisão judicial nomeando curador provisório, o domicílio da interditada continua sendo o mesmo da curadora nomeada e não exonerada.
Eis a ementa do referido julgado:
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – DIREITO À SAÚDE – ACOLHIMENTO DE PACIENTE PSIQUIÁTRICO – RESPONSABILIDADE DO MUNICÍPIO DE DOMICÍLIO DO PACIENTE – PACIENTE INTERDITADO – DOMICÍLIO NECESSÁRIO DO CURADOR – INCAPACIDADE SUPERVENIENTE DO CURADOR – NOMEAÇÃO DE CURADOR PROVISÓRIO – PENDÊNCIA – PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA ACOLHIDA – ATRIBUIÇÃO DE EFEITO TRANSLATIVO AO AGRAVO – EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. 1. O acolhimento de paciente psiquiátrico é responsabilidade do município de domicílio do paciente. 2. O interditado tem domicílio necessário que coincide com o domicílio do seu curador. 3. Ainda que sobrevenha a incapacidade fática do curador, na pendência de nomeação de curador provisório o domicílio do curatelado permanece o mesmo do curador nomeado e não exonerado. 4. Constatada a ilegitimidade passiva do município e não sendo o caso de emenda da inicial nos termos do artigo 338 do CPC, deve ser aplicado ao agravo de instrumento o efeito translativo para extinguir o feito, sem apreciação do mérito. (TJMG – Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.23.097338-0/001, Relator(a): Des.(a) Maria Cristina Cunha Carvalhais, 2ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 26/03/2024, publicação da súmula em 02/04/2024).
No caso apreciado pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, o Ministério Público Estadual ajuizou ação pleiteando a internação de pessoa absolutamente incapaz em hospital psiquiátrico às custas do município de Piedade dos Gerais/MG.
O requerido alegou sua ilegitimidade passiva ao argumento de que a obrigação de assegurar o direito à saúde é do ente municipal de domicílio da paciente que, no caso, tinha domicílio legal em João Pinheiro/MG.
A alegação do município réu tem fundamento no parágrafo único do artigo 76 do Código Civil, visto que a substituída pelo Parquet é interditada e sua curadora reside em João Pinheiro/MG.
Embora tenha sido observada pelo Tribunal Mineiro a superveniente incapacidade da curadora da substituída, entendeu a Turma Julgadora que situações fáticas não podem alterar a curatela, a qual somente se modifica por decisão judicial.
Assim, no intervalo entre o apontamento da incapacidade da curadora e a nomeação de novo curador (provisório ou definitivo), o domicílio da curatelada continua sendo definido pelo domicílio da curadora nomeada e não exonerada do encargo.
O julgado demonstra, mais uma vez, que nem todas as circunstâncias da vida podem ser abarcadas pelo direito positivo, cabendo ao aplicador do direito interpretar o texto geral e abstrato da lei a fim de conformar-lhe ao caso concreto que pretende solucionar.