A prescrição intercorrente e a situação de estagnação executiva: aplicabilidade do art. 921 do CPC na ausência de determinação de suspensão do processo
Por Marco Paulo Di Spirito*
I Introdução
No âmbito da implementação de decisões, a prescrição intercorrente refere-se ao estado jurídico em que o direito do credor à execução forçada de um título exequível se extingue devido ao decurso de determinado período, após iniciado o procedimento com este fim. Não se confunde com a prescrição da pretensão executória, que se verifica antes de iniciado o curso do processo executivo. O reconhecimento da prescrição intercorrente pressupõe, em linhas gerais, a ausência de concretização, ainda que parcial, de atos satisfativos “por prazo superior ao da prescrição do direito material vindicado” (STJ, AgInt no REsp n. 2.114.822/PR).
A disciplina da prescrição intercorrente no processo civil brasileiro experimentou significativa modificação com o advento da Lei 14.195-2021. A nova sistemática trouxe mudanças quanto ao termo inicial e às condições para a fluência do prazo prescricional.
O sistema original estabelecia que o início do prazo pressupunha o decurso do período suspensivo anual, sempre vinculado à inatividade do credor. O regime atual fixa o começo da contagem a partir do conhecimento da primeira frustração na busca do executado ou de seu patrimônio (art. 921, §4ª, CPC), com suspensão única pelo tempo determinado conforme o prazo máximo previsto no § 1º do mesmo dispositivo legal.
A inovação central consiste no afastamento do requisito da inércia do exequente para a caracterização do instituto. O Superior Tribunal de Justiça fixou a tese do fluxo automático a partir de qualquer um daqueles atos processuais que constituem marco para o termo inicial. (e.g., REsp n. 2.090.768/PR).
A intimação prévia do exequente para dar andamento ao feito é desnecessária à decretação da prescrição intercorrente, exigindo-se apenas a intimação do credor para suscitar eventual fato impeditivo à incidência da prescrição, em respeito ao contraditório. (STJ, AgInt no REsp n. 2.091.475/MG).
O recente modelo fixa parâmetros objetivos de contagem. A automaticidade do decurso temporal é mecanismo relevante contra a eternização das execuções que estabelecem o Poder Judiciário em situação equivalente a de “agência de cobranças”.
Esta conformação harmoniza as regras da segurança jurídica e da razoável duração do processo, ao mesmo tempo em que confere objetividade ao reconhecimento da prescrição intercorrente.
Não obstante, o procedimento legal apresenta desafiadoras complexidades. A partir do termo inicial – a ciência da primeira tentativa infrutífera de localização do devedor ou de bens penhoráveis – deveria sobrevir a suspensão do processo (art. 921, §1º, CPC). O texto estabelece que “o juiz suspenderá a execução”. Há julgados que entendem que a suspensão é uma decorrência automática:
“(…) De acordo com o entendimento do STJ, a suspensão da execução ocorre automaticamente, a partir da ciência do exequente da primeira tentativa frustrada de localização de bens do devedor. Com o fim da suspensão, inicia-se o curso do prazo prescricional, de modo que a pretensão será fulminada se o exequente permanecer inerte por prazo superior ao de prescrição do direito material vindicado.”
(TJMG – Apelação Cível 1.0000.24.193335-7/001, Relator(a): Des.(a) Leonardo de Faria Beraldo , 9ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 02/07/2024, publicação da súmula em 05/07/2024).
Problemas práticos de relevo surgem quando o magistrado deixa de lançar nos autos a determinação de suspensão do processo. A experiência profissional demonstra que tal situação tem sido recorrente, configurando um dos principais obstáculos para a efetivação da prescrição intercorrente.
O presente ensaio propõe-se a examinar uma questão controversa no âmbito do direito processual civil: a possibilidade de reconhecimento da prescrição intercorrente em situações nas quais, embora ausente despacho determinando a suspensão do processo, verifica-se a paralisação ou a estagnação executiva do processo sob a vigência da Lei nº 14.195-2021.
A tese central que se pretende desenvolver sustenta que a inexistência de despacho formal de suspensão, previsto no art. 921, §1º do CPC, não constitui óbice intransponível ao reconhecimento da prescrição intercorrente quando evidenciada prolongada inatividade processual sem diligências frutíferas. Argumenta-se que tal paralisação configura situação materialmente análoga àquela prevista no dispositivo legal, permitindo a retomada da contagem do prazo prescricional após o decurso do período de um ano. A ausência de suspensão formal não prejudicaria o reconhecimento da prescrição intercorrente, desde que observados cumulativamente: (i) o prazo prescricional estabelecido pelo direito material; (ii) o período de um ano previsto no art. 921, §1º do CPC, independentemente de pronunciamento judicial expresso; e (iii) eventuais causas interruptivas ou suspensivas incidentes no caso concreto.
Para uma adequada compreensão do problema, o estudo também abordará noções correlatas que precisam ser enfrentadas, haja vista a confusão conceitual identificada na jurisprudência sobre os pressupostos de incidência da prescrição intercorrente.
II Leituras distintas sobre a imprescindibilidade da suspensão do processo à luz de decisões do STJ
Existem julgados no sentido de que o reconhecimento da prescrição intercorrente depende necessariamente da prévia e expressa determinação judicial de suspensão do processo pelo prazo máximo de 1 ano, nos termos do artigo 921, III e §1º do Código de Processo Civil. [STJ, REsp n. 2.090.768/PR, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 12/11/2024, DJe de 14/11/2024; TJMG – Apelação Cível 1.0000.24.334123-7/001, Relator(a): Des. José Augusto Lourenço dos Santos, 12ª Câmara Cível, julgamento em 08/11/2024, publicação da súmula em 14/11/2024; TJMG – Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.24.349364-0/001, Relator(a): Des. José Marcos Vieira, 16ª Câmara Cível Especializada, julgamento em 05/11/2024, publicação da súmula em 07/11/2024; TJMG – Apelação Cível 1.0000.24.436808-0/001, Relator(a): Des. Fabiana da Cunha Pasqua (JD Convocada), 3º Núcleo de Justiça 4.0 – Cível, julgamento em 25/11/2024, publicação da súmula em 26/11/2024; TJMG – Apelação Cível 1.0000.24.020100-4/001, Relator(a): Des. Régia Ferreira de Lima, 12ª Câmara Cível, julgamento em 18/11/2024, publicação da súmula em 22/11/2024].
Em contraposição à corrente que exige decisão expressa de suspensão do processo executivo, há relevante orientação jurisprudencial emanada do Superior Tribunal de Justiça que sinaliza pela desnecessidade desta formalidade. Esta interpretação decorre da aplicação analógica do art. 40, § 2º, da Lei 6.830-1980 (Lei de Execuções Fiscais) aos processos de execução em geral, a partir do precedente estabelecido no julgamento do Incidente de Assunção de Competência (IAC) 1, materializado no REsp n. 1.604.412/SC.
Esse entendimento do STJ estabelece que o termo inicial do prazo prescricional deve ser contado do fim do prazo judicial de suspensão do processo ou, não havendo prazo expressamente fixado, do transcurso de um ano. A orientação, ao aplicar parametricamente as regras da execução fiscal às execuções em geral, mitiga a necessidade de decisão formal determinando a suspensão do processo, privilegiando uma interpretação mais flexível e pragmática do instituto da prescrição intercorrente, sobretudo para os casos em que não houve manifestação judicial expressa sobre a suspensão do processo.
Os tribunais estaduais têm aplicado esta tese mesmo após as alterações promovidas pela Lei n. 14.195-2021, demonstrando a consolidação do entendimento em análise. Em recente julgado do TJMG, decidiu-se que a prescrição intercorrente está configurada “quando, com a inércia do exequente em promover o efetivo impulsionamento do processo, este fica estagnado por período igual ao do prazo prescricional da pretensão executiva em jogo, contado o referido período a partir do fim do prazo judicial de suspensão do processo ou, inexistindo prazo fixado, do transcurso de um ano da configuração da inércia, por aplicação analógica do artigo 40, §2º, da Lei 6.830/1980, de acordo com tese firmada pelo STJ no julgamento de IAC (tema 1) no REsp 1604412/SC, (TJMG – Apelação Cível 1.0000.24.435103-7/001, Relator(a): Des. Baeta Neves, 17ª Câmara Cível, julgamento em 04/12/2024, publicação da súmula em 05/12/2024).
A análise da jurisprudência revela certa confusão conceitual quanto à aplicação analógica do art. 40, §2º, da Lei de Execuções Fiscais (Lei 6.830-1980) aos processos executivos em geral. Esta imprecisão manifesta-se especialmente em decisões que, embora façam referência ao entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça no IAC 1 – REsp 1.604.412/SC, não compreendem adequadamente seu alcance e fundamentos.
Um exemplo significativo desta incompreensão pode ser identificado em julgados que, mesmo citando o precedente do STJ, continuam a exigir a suspensão formal do processo como requisito inafastável para o reconhecimento da prescrição intercorrente. Tal posicionamento evidencia uma contradição interna no raciocínio jurídico, pois a própria essência da aplicação analógica da Lei de Execuções Fiscais reside justamente no afastamento da necessidade de decisão expressa de suspensão. Confira-se o trecho do julgado abaixo:
“(…) A prescrição intercorrente exige a suspensão formal do processo por ausência de bens penhoráveis, sendo inaplicável quando não há despacho determinando tal suspensão. (…) O prazo da prescrição intercorrente começa a fluir apenas após o término do período de suspensão do processo ou, na sua ausência, após o transcurso de um ano, conforme o entendimento do STJ no IAC 1 – REsp 1604412/SC.” (TJMG – Apelação Cível 1.0000.24.062922-0/001, Relator(a): Des. Shirley Fenzi Bertão, 11ª Câmara Cível, julgamento em 30 out. 2024, publicação da súmula em 30 out. 2024).
É preciso compreender que a ausência do prazo assinado está em regra associada à inexistência do próprio despacho determinando a suspensão.
III. Outra leitura para a dispensa do despacho de suspensão do processo
Independentemente da aplicação analógica do art, 40, §2º, da Lei 6.830/1980, existem situações peculiares que demandam tratamento específico. Destaca-se, nesse contexto, a hipótese em que o magistrado, por mera omissão ou esquecimento, deixa de lançar despacho determinando a suspensão prevista no art. 921, §1º, do CPC. Em tais casos, deve-se compreender que a paralisação ou estagnação processual corresponde à situação de suspensão formal, permitindo-se, assim, uma interpretação que privilegie a realidade fática sobre o rigor formal do ato judicial.
Interessante julgado do TJMG empregou termos semanticamente amplos para abordar específica situação de prescrição intercorrente, preferindo “paralisação do processo” a “suspensão” e fazendo menção genérica “ao decurso do lapso temporal do art. 921, § 1º, do CPC”:
“(…) Para que a prescrição intercorrente seja reconhecida, é necessário que o processo permaneça paralisado, por inércia da parte exequente, por prazo superior ao legalmente fixado, cujo decurso apenas se iniciará após constatado o lapso temporal encerrado pelo art. 921, § 1º, do Código de Processo Civil.” (TJMG – Apelação Cível 1.0000.24.469175-4/001, Relator(a): Des.(a) Magid Nauef Láuar (JD 2G) , 4º Núcleo de Justiça 4.0 – Cív, julgamento em 02/12/2024, publicação da súmula em 03/12/2024).
A equiparação entre paralisação processual e suspensão formal encontra respaldo na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Em precedente significativo, a Quarta Turma, no julgamento do AgInt no REsp n. 1.751.971/SP, reconheceu a prescrição intercorrente em situação na qual o processo permaneceu paralisado por mais de três anos, mesmo sem decisão expressa de suspensão fundamentada na ausência de bens penhoráveis. Naquele caso específico, a Corte Superior destacou que o arquivamento decorreu exclusivamente da inércia do exequente em promover o andamento do feito, não se tratando de suspensão por inexistência de bens penhoráveis ou não localização do devedor. Esta orientação jurisprudencial evidencia que a realidade fática da paralisação processual pode, em determinadas circunstâncias, produzir efeitos análogos aos da suspensão formal do processo. (STJ, AgInt no REsp n. 1.751.971/SP, Relator: Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 17 dez. 2019, publicado no DJe em 4 fev. 2020).
A interpretação sistemática e teleológica do instituto da prescrição intercorrente conduz à conclusão de que a ausência de suspensão expressa por ato judicial não pode constituir óbice intransponível ao reconhecimento deste fenômeno processual. A análise criteriosa da matéria revela que o elemento verdadeiramente essencial não é a formalidade do pronunciamento judicial, mas sim a verificação objetiva da inatividade processual qualificada pelo decurso do tempo.
Essa compreensão fundamenta-se em três pilares argumentativos. O primeiro deles reconhece a natureza material do instituto da prescrição, que tem sua gênese e desenvolvimento no direito substantivo. Assim, o prazo prescricional estabelecido pela legislação material constitui o parâmetro temporal básico e inafastável para a configuração do fenômeno prescricional, seja ele ordinário ou intercorrente.
O segundo pilar, de natureza eminentemente processual, relaciona-se ao período de um ano previsto no art. 921, §1º do CPC. Este interregno temporal, longe de ser uma mera formalidade, representa a materialização da razoável duração do processo e da própria segurança jurídica. Sua contagem independe de pronunciamento judicial expresso, pois o parâmetro legal – a inexistência de bens penhoráveis ou a não localização do executado – constitui situação fática objetivamente verificável nos autos. O cômputo do prazo de um ano corresponde à observância do art. 921, §1º, do CPC.
O terceiro elemento desta construção teórica consiste na necessária consideração de eventuais fatores interruptivos ou suspensivos que possam incidir no caso concreto. Esta análise garante a aplicação do instituto em estrita observância ao seu regime.
A conjugação destes três elementos – prazo prescricional material, período anual de paralisação e consideração dos fatores modificativos da prescrição – forma um sistema coerente e juridicamente seguro para o reconhecimento da prescrição intercorrente, independentemente da existência de decisão formal de suspensão.
Esta compreensão encontra respaldo não apenas na lógica, mas também na própria finalidade do instituto da prescrição intercorrente, que visa impedir a eternização de processos executivos infrutíferos.
Ademais, esta interpretação promove a segurança jurídica ao estabelecer critérios objetivos e verificáveis para o reconhecimento da prescrição intercorrente, dispensando formalidades que, embora tradicionalmente exigidas, não agregam valor substancial à análise do fenômeno prescricional. O que verdadeiramente importa é a constatação objetiva da inércia processual qualificada pelo tempo, manifestada pela ausência de diligências frutíferas no processo executivo.
Bastaria, pois, observar o prazo de prescrição + 1 ano. Ou seja, no interior da execução caberia avaliar (i) o prazo de prescrição conforme o direito material + (ii) o cômputo de 1 ano de estagnação ou paralisação (mesmo sem o despacho formal de suspensão) + (iii) a consideração de outros eventuais fatores de interrupção ou suspensão.
A jurisprudência do STJ orienta que a contagem do prazo de prescrição intercorrente é automática, ocorrendo após o período de suspensão e sem necessidade de nova intimação do credor (vide TJMG – Apelação Cível 1.0000.24.455082-8/001, Relator(a): Des. Claret de Moraes, 10ª Câmara Cível, julgamento em 03 dez. 2024, publicação da súmula em 09 dez. 2024). O mesmo deve prevalecer quando se trata de computar 1 ano de paralisação do processo.
IV Noções importantes para afastar confusões sobre a matéria
Para a adequada compreensão da matéria, revela-se imprescindível promover uma necessária desambiguação conceitual acerca do que efetivamente caracteriza a inércia da parte exequente durante o período de estagnação do processo executivo. Embora o Superior Tribunal de Justiça tenha estabelecido orientação clara sobre o tema, constata-se na análise jurisprudencial a persistência de decisões que se distanciam do entendimento sedimentado por aquela Corte Superior, evidenciando a necessidade de aprofundamento teórico sobre os elementos configuradores da inatividade processual juridicamente relevante para fins de prescrição intercorrente.
A análise aprofundada do instituto da prescrição intercorrente revela que a tradicional exigência de inércia do exequente, embora frequentemente mencionada pela jurisprudência, não constitui elemento essencial para sua configuração. Esta conclusão, aparentemente controversa, emerge da própria estrutura normativa estabelecida pelo art. 921 do Código de Processo Civil, especialmente após as alterações legislativas que refinaram sua disciplina.
Historicamente, o Superior Tribunal de Justiça adotava posicionamento que condicionava a prescrição intercorrente à verificação da inércia do exequente, excluindo sua incidência nos casos de paralisação determinada judicialmente. Esta orientação, exemplificada no AgInt no REsp n. 1.972.904/SP, refletia uma compreensão do instituto ainda não inteiramente alinhada com sua atual configuração normativa.
A análise sistemática do art. 921 do CPC, especialmente seus parágrafos 4º e 4º-A, revela que o elemento verdadeiramente determinante não é a inércia do exequente, mas sim a ausência de atos processuais que efetivamente implementem o crédito executado. O §4º estabelece como termo inicial da prescrição a ciência da primeira tentativa infrutífera de localização do devedor ou de bens penhoráveis, enquanto o §4º-A prevê sua interrupção apenas mediante atos processuais que concretamente avancem na satisfação do crédito: a efetiva citação, intimação do devedor ou constrição de bens penhoráveis.
O legislador privilegiou a efetividade dos atos processuais. A interrupção da prescrição intercorrente não decorre de qualquer manifestação processual do credor, mas exclusivamente daquelas que resultam em efetiva comunicação processual do devedor ou constrição patrimonial. Assim, a diligência do exequente, embora relevante do ponto de vista processual, assume caráter acidental na configuração da prescrição intercorrente.
O que se afirma encontra respaldo no entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça, por meio do Tema Repetitivo 568 (REsp n. 1.340.553/RS). Ao enfrentar a questão, a Corte Superior estabeleceu critério objetivo e preciso: somente a efetiva constrição patrimonial ou a efetiva citação são aptas a interromper o curso da prescrição intercorrente, não bastando o mero peticionamento em juízo ou requerimentos de diligências investigativas.
A orientação firmada pelo STJ revela-se tecnicamente precisa ao estabelecer que os requerimentos formulados pelo exequente, mesmo que apresentados dentro do prazo legal (soma do prazo máximo de 1 ano de suspensão mais o prazo prescricional aplicável), somente produzirão efeito interruptivo se resultarem em providência frutífera. Nesta hipótese, a interrupção operará retroativamente à data do protocolo da petição que requereu a medida exitosa (STJ – REsp n. 1.340.553/RS, Relator: Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 12 set. 2018, publicado no DJe em 16 out. 2018).
Este entendimento indica que o ato de sondagem ou investigação patrimonial, por parte do credor, somente será computado para fins de suspensão ou interrupção do prazo prescricional se a diligência alcançar resultado efetivo. Do contrário, o transcurso da prescrição intercorrente permanece inalterado, independentemente da quantidade de petições ou requerimentos apresentados pelo exequente.
A orientação do STJ sobre as medidas executivas infrutíferas, além de implementar as diretrizes estabelecidas nos §§ 4º e 4º-A do art. 921 do CPC, ressalta certo descompasso com o art. 923 do mesmo diploma. Este último dispositivo estabelece que “suspensa a execução, não serão praticados atos processuais, podendo o juiz, entretanto, salvo no caso de arguição de impedimento ou de suspeição, ordenar providências urgentes.” No cotidiano forense, contudo, essa previsão tornou-se inoperante, já que numerosos julgados, ao abordarem diligências infrutíferas, reconhecem tentativas de localização de bens durante o próprio período suspensivo. Aspecto particularmente relevante emerge do aparente conflito entre o §2º do art. 921 e o art. 923 do CPC. A redação deste último sugere um processo em estado de arquivamento, pois seria praticamente impossível impedir a prática de atos processuais pelo exequente em um feito ativo. Essa desajeitada relação entre os dispositivos apenas corrobora a prática consolidada de manter o processo em aberto durante a suspensão, período em que o exequente, não raras vezes, continua realizando atos processualmente ineficazes quanto à satisfação do crédito. Tal dinâmica reflete precisamente o que ocorre no período de estagnação ou paralisação executiva do processo: durante o ano sob essa condição, as medidas infrutíferas não alteram o curso do procedimento legalmente estabelecido para a configuração da prescrição intercorrente.
A jurisprudência dos tribunais estaduais tem majoritariamente se alinhado a esta orientação, reconhecendo que diligências infrutíferas para localização de bens do devedor não configuram atos eficazes para interrupção do prazo prescricional, precisamente por se revelarem improdutivas e incapazes de promover o prosseguimento útil da execução. (TJMG – Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.24.436641-5/001, Relator(a): Des. Claret de Moraes, 10ª Câmara Cível, julgamento em 03 dez. 2024, publicação da súmula em 09 dez. 2024; TJMG – Apelação Cível 1.0000.24.455082-8/001, Relator(a): Des. Claret de Moraes, 10ª Câmara Cível, julgamento em 03 dez. 2024, publicação da súmula em 09 dez. 2024; TJDFT – Acórdão 1887531, 07070752720218070007, Relator(a): Fernando Antonio Tavernard Lima, 2ª Turma Cível, julgamento em 03 jul. 2024, publicado no DJE em 16 jul. 2024).
Neste contexto, merece destaque a compreensão de que a Lei nº 14.195-2021 consolidou este entendimento ao alterar substancialmente o procedimento da prescrição intercorrente, permitindo sua ocorrência independentemente de inércia do exequente, desde que configurada a ausência de bens penhoráveis ou a não localização do executado. Assim, se ainda se pode falar em “inércia do exequente”, esta deve ser compreendida exclusivamente como ausência de atos processuais que efetivamente implementem o crédito executado, e não como mera ausência de manifestações processuais.
A análise da jurisprudência recente revela interpretações dissonantes sobre a matéria, como exemplifica decisão da 11ª Câmara Cível do TJMG que, ao afastar a prescrição intercorrente com fundamento na ausência de desídia do exequente em diligenciar pela localização de devedores e seus bens, distanciou-se da orientação consolidada pelo Superior Tribunal de Justiça:
“(…) Não verificada a desídia do exequente em diligenciar no sentido de localizar os devedores e seus bens, não subsiste a declaração da prescrição intercorrente, sendo imperiosa a desconstituição da sentença.” (TJMG – Apelação Cível 1.0439.12.013299-8/001, Relator(a): Des. Shirley Fenzi Bertão, 11ª Câmara Cível, julgamento em 04 dez. 2024, publicação da súmula em 04 dez. 2024).
Tal interpretação revela-se tecnicamente inadequada por privilegiar a mera atividade processual investigativa em detrimento do resultado efetivo das diligências.
Em contraposição, emerge como tecnicamente precisa a orientação adotada pela 18ª Câmara Cível do mesmo tribunal, ao reconhecer que a Lei nº 14.195-2021 consolidou o entendimento de que a prescrição intercorrente ocorre independentemente da inércia do exequente, bastando a configuração objetiva da ausência de bens penhoráveis ou da não localização do executado:
“A Lei nº 14.195/2021 alterou substancialmente o procedimento da prescrição intercorrente, de forma que a extinção do processo por prescrição pode ocorrer independentemente de inércia do exequente, caso o executado não possua bens penhoráveis ou não seja localizado.” (TJMG – Apelação Cível 1.0000.24.486500-2/001, Relator(a): Des. Maria Luiza de Andrade Rangel Pires (Juíza Convocada), 18ª Câmara Cível, julgamento em 03 dez. 2024, publicação da súmula em 03 dez. 2024).
Esta última interpretação alinha-se à compreensão de que a denominada “inércia do exequente”, se ainda relevante, deve ser entendida exclusivamente como ausência de atos processuais que efetivamente implementem o crédito executado, e não como mera ausência de peticionamento ou realização de diligências investigativas infrutíferas.
V Conclusões
As conclusões alcançadas por meio deste breve ensaio podem ser resumidas nas seguintes assertivas objetivas:
- A prescrição intercorrente pode ser reconhecida mesmo sem despacho judicial determinando a suspensão do processo (art. 921, §1º, CPC), desde que verificada efetiva estagnação executiva pelo período necessário;
- A aplicação analógica do art. 40, §2º, da Lei 6.830/1980 (Lei de Execuções Fiscais) aos processos executivos em geral reforça a desnecessidade de despacho formal de suspensão para o reconhecimento da prescrição intercorrente, permitindo que o termo inicial do prazo prescricional seja contado do fim do prazo judicial de suspensão ou, não havendo prazo expressamente fixado, do transcurso de um ano, conforme entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça no IAC 1 (REsp 1.604.412/SC);
- O reconhecimento da prescrição intercorrente independe da inércia do exequente após a Lei 14.195-2021, bastando a configuração objetiva da ausência de bens penhoráveis ou da não localização do executado;
- Para reconhecimento da prescrição intercorrente sem decisão formal de suspensão, devem ser observados cumulativamente:
- O prazo prescricional estabelecido pelo direito material;
- O período de um ano correspondente à paralisação (art. 921, §1º, CPC);
- Eventuais causas interruptivas ou suspensivas incidentes no caso concreto;
- O termo inicial da prescrição intercorrente é a ciência da primeira tentativa infrutífera de localização do devedor ou de bens penhoráveis (art. 921, §4º, CPC);
- Apenas atos processuais que efetivamente implementem o crédito são capazes de interromper a prescrição intercorrente, como:
- Efetiva citação ou intimação do devedor;
- Constrição de bens penhoráveis;
- Diligências que resultem em providências frutíferas no sentido de implementar o crédito, ainda que parcialmente;
- Meros requerimentos ou diligências investigativas infrutíferas não interrompem o prazo prescricional, independentemente da quantidade de petições apresentadas pelo exequente;
- Quando uma diligência requerida pelo exequente é bem-sucedida, a interrupção opera retroativamente à data do protocolo da petição que a requereu;
- A contagem do prazo de prescrição intercorrente é automática após o período de paralisação executiva, dispensando nova intimação do credor;
- A interpretação do instituto deve privilegiar a efetividade dos atos processuais sobre a mera atividade formal do exequente, em consonância com o entendimento do STJ no Tema Repetitivo 568;
- A paralisação ou estagnação executiva processual pode ser equiparada à suspensão formal do processo quando verificada objetivamente nos autos, permitindo o reconhecimento da prescrição intercorrente independentemente de despacho expresso determinando o sobrestamento.
*Bacharel em Direito pela UFMG. Defensor Público em Minas Gerias. Membro da ABDPro – Associação Brasileira de Direito Processual
VI – REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei nº 14.195, de 26 de agosto de 2021. Dispõe sobre a facilitação para abertura de empresas e altera a Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 27 ago. 2021.
BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 17 mar. 2015.
BRASIL. Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980. Dispõe sobre a cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 24 set. 1980.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Interno no Recurso Especial nº 1.751.971/SP. Relator: Ministro Luis Felipe Salomão. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 4 fev. 2020.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Interno no Recurso Especial nº 1.972.904/SP. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 2024.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Interno no Recurso Especial nº 2.091.475/MG. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 2024.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Interno no Recurso Especial nº 2.114.822/PR. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 2024.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.340.553/RS. Relator: Ministro Mauro Campbell Marques. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 16 out. 2018.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.604.412/SC. Incidente de Assunção de Competência nº 1. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 2024.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 2.090.768/PR. Relatora: Ministra Nancy Andrighi. Diário de Justiça Eletrônico, Brasília, 14 nov. 2024.
MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento nº 1.0000.24.349364-0/001. Relator: Des. José Marcos Vieira. Diário de Justiça Eletrônico, Belo Horizonte, 7 nov. 2024.
MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento nº 1.0000.24.436641-5/001. Relator: Des. Claret de Moraes. Diário de Justiça Eletrônico, Belo Horizonte, 9 dez. 2024.
MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 1.0000.24.020100-4/001. Relatora: Des. Régia Ferreira de Lima. Diário de Justiça Eletrônico, Belo Horizonte, 22 nov. 2024.
MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 1.0000.24.062922-0/001. Relatora: Des. Shirley Fenzi Bertão. Diário de Justiça Eletrônico, Belo Horizonte, 30 out. 2024.
MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 1.0000.24.193335-7/001. Relator: Des. Leonardo de Faria Beraldo. Diário de Justiça Eletrônico, Belo Horizonte, 5 jul. 2024.
MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 1.0000.24.334123-7/001. Relator: Des. José Augusto Lourenço dos Santos. Diário de Justiça Eletrônico, Belo Horizonte, 14 nov. 2024.
MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 1.0000.24.435103-7/001. Relator: Des. Baeta Neves. Diário de Justiça Eletrônico, Belo Horizonte, 5 dez. 2024.
MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 1.0000.24.436808-0/001. Relatora: Des. Fabiana da Cunha Pasqua. Diário de Justiça Eletrônico, Belo Horizonte, 26 nov. 2024.
MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 1.0000.24.455082-8/001. Relator: Des. Claret de Moraes. Diário de Justiça Eletrônico, Belo Horizonte, 9 dez. 2024.
MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 1.0000.24.469175-4/001. Relator: Des. Magid Nauef Láuar. Diário de Justiça Eletrônico, Belo Horizonte, 3 dez. 2024.
MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 1.0000.24.486500-2/001. Relatora: Des. Maria Luiza de Andrade Rangel Pires. Diário de Justiça Eletrônico, Belo Horizonte, 3 dez. 2024.
MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 1.0439.12.013299-8/001. Relatora: Des. Shirley Fenzi Bertão. Diário de Justiça Eletrônico, Belo Horizonte, 4 dez. 2024.