A evolução da Cláusula Arbitral no Estatuto da Petrobras: uma análise comparativa entre os artigos 58 e 59
A inserção de cláusulas compromissórias nos estatutos sociais das companhias abertas tornou-se prática comum no Brasil após a reforma da Lei de Arbitragem pela Lei nº 13.129/2015.
A partir da alteração promovida pela reforma de 2001, a Lei nº 6.404/76 passou a autorizar de forma expressa que o estatuto social de companhias abertas contemple cláusulas que atribuam à arbitragem a competência para resolver litígios oriundos da relação societária.
Essa previsão se aplica tanto às disputas entre acionistas e a própria companhia quanto àquelas travadas entre os próprios acionistas, independentemente da posição que ocupem — sejam controladores ou minoritários.
Consolidou-se a admissibilidade da arbitragem no âmbito societário. Com essa modificação, foi afastada qualquer incerteza quanto à possibilidade de submeter conflitos societários ao juízo arbitral, seja no plano subjetivo (em relação às partes envolvidas), seja no plano objetivo (quanto à natureza dos direitos discutidos). Ainda que, antes dessa alteração normativa, já fosse juridicamente possível a inclusão de cláusula compromissória nos estatutos sociais, a nova redação veio reforçar a segurança jurídica e institucionalizar de modo definitivo a arbitrabilidade desses litígios.
No caso da Petrobras, a cláusula compromissória passou por importantes reformulações ao longo do tempo, refletindo não apenas a evolução do marco regulatório, mas também as especificidades de uma companhia estatal listada em bolsa.
A comparação entre os artigos 58 e 59 de seu estatuto social evidencia mudanças significativas quanto ao alcance subjetivo e objetivo da arbitragem, bem como às exceções aplicáveis.
O artigo 58, em sua redação anterior, já estabelecia a arbitragem como meio obrigatório de solução de controvérsias envolvendo a companhia, seus acionistas, administradores e conselheiros fiscais, desde que versassem sobre normas do direito societário e regulatório do mercado de capitais.
Ainda que fosse uma disposição abrangente, a vinculação estava centrada no objeto da disputa — isto é, na natureza normativa das questões envolvidas — e incluía, como referência adicional, contratos firmados com bolsas de valores e entidades de mercado de balcão.
Com a reforma do estatuto, o novo artigo 59 ampliou consideravelmente o escopo da cláusula arbitral. Em vez de vincular a arbitragem ao objeto da controvérsia, a nova redação impõe a arbitragem como meio obrigatório para toda e qualquer disputa entre os sujeitos indicados (companhia, acionistas, administradores e conselheiros fiscais), abrangendo temas como validade, eficácia, interpretação e violação das normas aplicáveis.
A cláusula passou a ter clara inspiração contratual, espelhando o padrão utilizado em regulamentos de governança corporativa da B3, especialmente no âmbito do Nível 2 de listagem.
Uma inovação expressiva do artigo 59 é a inclusão da Lei nº 13.303/2016 (Lei das Estatais) entre os diplomas normativos cuja interpretação pode ser submetida à arbitragem, reconhecendo a especificidade das companhias públicas e sociedades de economia mista.
Essa menção explicita o vínculo entre o regime jurídico híbrido da Petrobras — ao mesmo tempo empresa estatal e sociedade anônima de capital aberto — e os mecanismos privados de solução de conflitos, como a arbitragem.
No entanto, a ampliação do escopo da cláusula veio acompanhada de maior cautela quanto às exceções. Enquanto o artigo 58 limitava-se a excluir da arbitragem as deliberações da União relativas ao exercício de direitos indisponíveis, nos termos do art. 238 da LSA, o artigo 59 vai além.
Ele exclui expressamente da arbitragem as disputas relacionadas às atividades finalísticas da Petrobras previstas na Lei nº 9.478/1997 (Política Energética Nacional), bem como quaisquer controvérsias que envolvam direitos indisponíveis ou que contrariem o interesse público que justificou a criação da companhia.
Essa reformulação revela uma tentativa de equilibrar a lógica privatista da arbitragem com os limites próprios da atuação estatal. Enquanto a arbitragem é regida pela autonomia da vontade e pela disponibilidade dos direitos, o poder público está sujeito à legalidade estrita e à indisponibilidade do interesse público.
O novo texto estatutário reconhece essa tensão e busca delimitá-la com maior precisão, evitando conflitos futuros sobre a validade ou aplicabilidade da cláusula compromissória.
Também se observa, no artigo 59, maior adesão à linguagem e aos instrumentos de governança corporativa exigidos pela B3, incluindo referências expressas ao Regulamento do Nível 2, ao Regulamento de Sanções e ao Contrato de Participação. Com isso, a Petrobras reforça seu compromisso com padrões de governança mais sofisticados e com a previsibilidade regulatória, aspectos cruciais para atrair e manter investidores no mercado de capitais.
Em conclusão, a evolução do artigo 58 para o artigo 59 no estatuto da Petrobras não é apenas uma atualização terminológica, mas uma reformulação substancial da cláusula compromissória.
Nos parece que a nova redação busca abarcar um número maior de controvérsias, reforçar a segurança jurídica das relações societárias e, ao mesmo tempo, respeitar os limites constitucionais e legais da atuação estatal.
A seguir, apresenta-se uma tabela comparativa resumida com os principais pontos de distinção: