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A concretização da justiça e da humanidade pelo princípio pro persona

A construção de um Estado constitucional e convencional de direito, em um ambiente cosmopolita, para a proteção e promoção dos direitos humanos, deve guiar-se pelos princípios norteadores dos Sistemas de proteção aos direitos humanos, em especial do Sistema Interamericano.

Nesse sentido, emanado do objeto e fim dos tratados internacionais que asseguram e garantem os direitos humanos está o estruturante princípio pro persona ou favor persona. Este princípio determina que a intepretação deve otimizar a garantia, efetividade e gozo dos direitos humanos em seu conjunto, dando preferência sempre a interpretação que mais fortemente implemente sua eficácia jurídica, bem como àquela que proteja tais direitos com maior amplitude[1].

Logo quando existirem distintas interpretações possíveis de uma norma jurídica deve-se escolher a mais protetora ao titular de um direito humano, ou ainda, quando em um caso concreto puder ser aplicado duas ou mais normas, o intérprete deverá escolher igualmente a mais protetora[2].

Aliás, o princípio pro persona é um critério hermenêutico que orienta a aplicação de todos os direitos humanos: no reconhecimento de direitos protegidos, deve ser utilizada a norma mais ampla ou a interpretação mais extensiva. E, quando se trata de normas que implicam restrições permanentes ao exercício dos direitos ou à sua suspensão extraordinária, deve ser escolhida a interpretação mais restritiva, para que não haja ampliação das restrições estabelecidas[3]. Assim, o princípio pro personacoincide con el rasgo fundamental del derecho de los derechos humanos, esto es, estar siempre a favor del hombre[4].

Cabe ressaltar também que a constitucionalização do Direito Internacional dos Direitos Humanos por meio de princípios e critérios hermenêuticos vem materializando nas Constituições nacionais os princípios pro persona e pro libertatis, reconhecidos por exemplo no artigo 29 da Convenção Americana da Direitos Humanos, ou ao menos, sendo utilizados pela jurisprudência nacional[5].

Por isso, é possível afirmar que todos os Estados partes do Sistema Interamericano estão vinculados ao princípio pro persona em virtude da norma específica do art. 29 “b”[6] da Convenção Americana, reforçada pelo Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e pelo Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas, nos respectivos artigos 5º[7].

No Sistema Interamericano gradativamente o princípio pro persona assume ainda roupagem direcionada para fortalecer as competências da Corte Interamericana e das instituições do sistema regional para melhor proteger os direitos humanos, tornando-se uma regra metodológica para orientar a escolha de normas e interpretações que protejam grupos em situação de vulnerabilidade contra arbitrariedades estatais[8].

Em suma, o princípio pro persona como essência de toda a exegese do Direito Internacional dos Direitos Humanos[9], implica reconhecer a superioridade das normas de direitos humanos, e em sua interpretação ao caso concreto, na exigência de adoção da interpretação que dê posição mais favorável ao ser humano[10].

Tanto é que os tratados internacionais de direitos humanos e as Constituições nacionais formam uma unidade capaz de alcançar uma interpretação integrada,  harmônica e cosmopolita entre as normas, devendo utilizar para isso, o princípio pro persona, na busca do nível de proteção mais elevado[11].

Não obstante, a transcendência desse princípio vai mais além de ser um critério de interpretação, se constituindo em uma verdadeira garantia de interpretação constitucional dos direitos fundamentais consagrados na Constituição, ao possibilitar a maior proteção possível, ao mesmo tempo em que permite que os direitos humanos permeiem e resplandeçam em todo o ordenamento jurídico[12].

Vinculado ao princípio pro persona encontra-se o princípio da primazia da norma mais favorável que defende a escolha no caso de conflito entre a norma internacional e a norma nacional aquela mais benéfica.

Nessa lógica, o ministro Celso de Mello expõe que

os magistrados e Tribunais, no exercício de sua atividade interpretativa, especialmente no âmbito dos tratados internacionais de direitos humanos, devem observar um princípio hermenêutico básico (…) consistente em atribuir primazia à norma que se revele mais favorável à pessoa humana, em ordem a dispensar-lhe a mais ampla proteção jurídica[13].

 

A maioria dos tratados sobre direitos humanos incluem uma cláusula segundo a qual nenhuma disposição convencional pode prejudicar a proteção mais ampla oferecida por outras normas de Direito interno e de Direito Internacional[14]. A Corte Interamericana já expressou que, “si a una misma situación son aplicables la Convención Americana y otro tratado internacional, debe prevalecer la norma más favorable a la persona humana”[15].

Todo esse complexo universo jurídico cosmopolita de proteção aos direitos humanos deve orientar-se pela interpretação evolutiva, “destinada a reconstruir o direito dinamicamente, na medida das exigências cambiantes que a realidade social manifesta”[16]. A preferência por uma ou outra interpretação será sempre uma escolha que pertence ao momento histórico vivido[17].

A interpretação constitucional ou convencional tem por finalidade manter a vida de suas respectivas normas, preservando o seu espírito, pois estão sujeitas à dinâmica da realidade que jamais pode ser captada através de fórmulas fixas[18].

As Constituições nacionais e a Convenção Americana, somadas aos inúmeros tratados internacionais de direitos humanos, são instrumentos vivos e assim devem ser interpretados, tendo em vista especialmente o tempo de sua aplicação[19]. São obras de todos os intérpretes constitucionais e convencionais da sociedade aberta. Seus conteúdos são uma das maiores fontes de expressão e transmissão da cultura. Podem ser tidas como um marco idôneo de toda a reprodução cultural e de toda recepção propriamente dita. Formadoras de um potencial acervo, de informações culturais, vivencias e conhecimento[20], ao mesmo tempo, detentoras de um extraordinário potencial transformador das realidades nacionais e regional. Ademais, são pilares na construção de nossa real humanidade.

 

Notas e Referências:

[1] CAVALLO, Gonzalo Aguilar; ALCALÁ, Humberto Nogueira. El principio favor persona en el derecho internacional y en el derecho interno como regla de interpretación y de preferencia normativa. In: Revista de Derecho Público – Vol. 84, 1° Sem. 2016, p. 16.

[2] CARBONELL, Miguel. La reforma constitucional en materia de derechos humanos: principales novedades. 2012. Disponível em: www.miguelcarbonell.com.

[3] PINTO, Monica. El principio pro homine. Criterios de hermenéutica y pautas para la regulación de los derechos humanos. p. 163. Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/tablas/20185.pdf.

[4] Id.

[5] MAC-GREGOR, Eduardo Ferrer. El Control difuso de convencionalidad en el Estado Constitucional. p. 172. Disponível em: https://archivos.juridicas.unam.mx/www/bjv/libros/6/2873/9.pdf.

[6] Artigo 29: Nenhuma disposição desta Convenção pode ser interpretada no sentido de: b. limitar o gozo e exercício de qualquer direito ou liberdade que possam ser reconhecidos de acordo com as leis de qualquer dos Estados Partes ou de acordo com outra convenção em que seja parte um dos referidos Estados;

[7] Artigo 5º: 1. Nenhuma disposição do presente Pacto poderá ser interpretada no sentido de reconhecer a um Estado, grupo ou indivíduo qualquer direito de dedicar-se a quaisquer atividades ou praticar quaisquer atos que tenham por objetivo destruir os direitos ou liberdades reconhecidas no presente Pacto ou impor-lhe limitações mais amplas do que aquelas nele previstas. 2. Não se admitirá qualquer restrição ou suspensão dos direitos humanos fundamentais reconhecidos ou vigentes em qualquer Estado Parte do presente Pacto em virtude de leis, convenções, regulamentos ou costumes, sob pretexto de que o presente Pacto não os reconheça ou os reconheça em menor grau.

[8]LEGALE, Siddharta; BASTOS NETTO, Cláudio Cerqueira. O princípio pro persona na Corte Interamericana de Direitos Humanos: um enigmático desconhecido. In: MENEZES, Wagner (Org.). Tribunais Internacionais: extensão e limite de sua jurisdição. Belo Horizonte, 2018, p. 415.

[9] RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 105.

[10] Id.

[11] GÓNGORA-MERA, Manuel Eduardo. The Block of Constitutionality as the Doctrinal Pivot of a Ius Commune. In: Transformative Constitutionalism in Latin America: observations on transformative constitutionalism. Oxford: United Kingdom, 2017.

[12]CASTILLA, Karlos. El principio pro persona en la administración de justicia. In: Cuestiones Constitucionales. Revista Mexicana de Derecho Constitucional. Nº 20. 2009. Disponivel em: https://revistas.juridicas.unam.mx/index.php/cuestiones-constitucionales/article/view/5861/7767.

[13] STF. HC 91.361, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 23 set. 2008, Segunda Turma, DJE de 06 de fev. 2009.

[14] NIKKEN, Pedro. El concepto de derechos humanos. In: IIDH. Estudios Básicos de Derechos humanos Tomo I, San José, 1994. p. 26.

[15] La colegiación obligatoria de periodistas (arts. 13 y 29 de la Convención Americana sobre Derechos Humanos),Opinião Consultiva OC/5, 13 de nov. 1985, par. 52.

[16] TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 192.

[17] Id.

[18] MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 6ª ed. Coimbra: Coimbra, 2007.  p. 169.

[19]GONÇALVES, Thomas de Oliveira. Princípios processuais, materiais e indicativos do direito internacional dos direitos humanos: a subsidiariedade e a livre escolha, a universalidade e a superioridade normativa e a interpretação pro homine e a interpretação evolutiva. In: OLIVEIRA, Márcio Luís de. (coord.) O Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos: interface com o Direito Constitucional Contemporâneo. Belo Horizonte: Del Rey. 2007, p. 155.

[20] HÄBERLE, Peter. Elementos teóricos de un modelo general de recepción jurídica. In: LUÑO, Antonio-Enrique Pérez. (coord.). Derechos Humanos y Constitucionalismo ante el tercer milenio. Madrid: Marcial Pons, Ediciones Jurídicas y Sociales, S.A. 1996. p. 153-154.

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Bruno Borges
Doutor em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2017). Mestre em Direitos Humanos pela Universidade do Minho/Portugal (2011). Especialista em Sistema Interamericano pela Universidade Nacional Autônoma do México (2018). Advogado inscrito pela Ordem dos Advogados do Brasil (2008). Autor dos livros: " Justiça de Transição: A transição inconclusa e suas consequências na democracia brasileira" pela Editora Juruá (2012), e "O Controle de Convencionalidade no Sistema Interamericano: entre o conflito e o diálogo de jurisdições" (2018).

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