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A Medida Provisória n. 1.133/2022 e a reforma legislativa sobre os minérios nucleares.

O urânio por muito tempo foi tido como minério de destaque mundial na produção de energia, especialmente na década de 60 e 70 do século passado[1]. Após, dois desastres (Chernobyl e Three Mille Island) e o alto custo da instalação de usinas nucleares[2], houve uma redução da produção e uso desse modelo energético.

Contudo, em decorrência da baixa emissão de CO2[3], seu status como matriz energética no cenário mundial vem ganhando novos espaços. Em estudo elaborado pela Comissão Econômica da ONU para a Europa, entendeu-se que os objetivos internacionais sobre o clima só serão alcançados com a utilização da energia nuclear[4]. Some-se a isso a crise energética na Europa em decorrência da Guerra entre a Ucrânia e a Rússia, que fez inúmeros reatores nucleares serem reativados[5], o que resultará em maior demanda por esse tipo de mineral.

Além de ter papel na produção de energia, a tecnologia nuclear é bastante utilizada no dia-a-dia da sociedade, para fins pacíficos, como determinado pelo art. 21, inciso XXIII, “a”[6], a exemplo de conservação de frutas, esterilização de materiais cirúrgicos, produção de alimentos, medicina nuclear, dessalinização de água, controle de pragas, dentre outros fins[7].

Atento a este movimento no mercado internacional, o Governo Federal publicou a Medida Provisória n. 1.133, de 12 de agosto de 2022, atualizando a legislação que versa sobre elementos nucleares.

As primeiras ocorrências de urânio no país se deram na década de 40 do século anterior e, em 1974, foi criada a NUCLEBRÁS, com o intuito de se atingir metas do Programa Nuclear Brasileiro de busca por autonomia energética[8].

Em 1988, a NUCLEBRÁS foi transformada em Indústrias Nucleares do Brasil (INB), pelo Decreto-Lei n. 2.464, de 31 de agosto de 1988. De acordo com a INB, o Brasil possui a nona posição mundial em reservas de urânio, especialmente localizadas na Bahia, Ceará, Paraná e Minas Gerais (Destaques para as reservas situadas em Caetité, Bahia, e em Santa Quitéria, Ceará).

Hodiernamente, as atividades de pesquisa, lavra, enriquecimento, industrialização e comércio de minérios nucleares e derivados são exercidas pela INB. Com a MP em questão, a INB passa a poder se associar com parceiros privados, com o intuito de aumentar os investimentos com pesquisa, lavra e produção de urânio, como consta no seu art. 5º:

Art. 5º  Para a execução das atividades a que se refere o art. 4º, a INB poderá firmar contratos com pessoas jurídicas e remunerá-las por meio de:

I – pagamento em valor de moeda corrente por aquisições de bens e serviços;

II – percentual do valor arrecadado na comercialização do produto da lavra, conforme definido em contrato;

III – direito de comercialização do minério associado;

IV – direito de compra do produto da lavra com exportação previamente autorizada, conforme definido em contrato e regulamento; ou

V – outras formas estabelecidas entre as partes em contrato.

 

Essa mudança altera completamente a atuação do agente privado na pesquisa mineral. Antes da MP, caso o particular em sua prospecção encontra-se elementos nucleares nas substâncias minerais por ele pesquisadas, ele teria que informar à Agência Nacional de Mineração (ANM), bem como à Agência Nacional de Segurança Nuclear (ANSN), e caso os elementos nucleares possuíssem valor superior aos minerais objeto da outorga mineral, o particular perdia os títulos de outorga e a jazida passava a fazer parte do monopólio estatal. Agora, a INB e o ator privado podem, em conjunto, executar a lavra de todos os minerais contidos na jazida.

 

Outra novidade trazida pela MP é que a União está autorizada a aumentar o capital social da Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional S.A[9] (ENBPar), por meio das ações que detém no capital social da INB, implicando na assunção do controle desta pela ENBPar. Com isso, a INB passa a ser uma estatal não dependente dos recursos do Tesouro Nacional.

 

Em face dessas alterações na legislação, foi preciso ainda que a MP incluísse nas atribuições da ANM (Lei n. 13.575/2017) a competência para regular a autorização de pesquisa e lavra desses minerais, evitando-se sobreposições de agentes reguladores, nesses termos:

 

Art. 2º A ANM, no exercício de suas competências, observará e implementará as orientações e diretrizes fixadas no Decreto-Lei nº 227, de 28 de fevereiro de 1967 (Código de Mineração) , em legislação correlata e nas políticas estabelecidas pelo Ministério de Minas e Energia, e terá como finalidade promover a gestão dos recursos minerais da União, bem como a regulação e a fiscalização das atividades para o aproveitamento dos recursos minerais no País, competindo-lhe:

(…)

XXXVII – regulamentar a aplicação de recursos de pesquisa, desenvolvimento tecnológico e inovação, do setor mineral; (Redação dada pela Medida Provisória nº 1.133, de 2022)

XXXVIII – regular, normatizar, autorizar, controlar e fiscalizar as atividades de pesquisa e lavra de minérios nucleares no País, exceto em relação às questões de segurança nuclear e proteção radiológica, observado o disposto no art. 6º da Lei nº 14.222, de 15 de outubro de 2021; e (Incluído pela Medida Provisória nº 1.133, de 2022)

XXXIX – fiscalizar os titulares de concessões de lavra quanto à ocorrência de elementos nucleares.      (Incluído pela Medida Provisória nº 1.133, de 2022).

 

Considerando os inúmeros usos pacíficos da tecnologia nuclear e o potencial mineral que o Brasil possui em reservas de elementos nucleares, vê-se que a MP n. 1.133/2022, nos limites da CF, trouxe modernização na legislação, que poderá resultar em benefícios para a sociedade.

 

Notas e Referências:

[1] LIMA, Fernanda Silva; DA SILVA FILHO, Wilson Seraine. Potencial Uranífero no Brasil: uma revisão bibliográfica. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.6, p. 58852-58867 jun. 2021.

[2] Idem.

[3] BRASIL. AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA – Aneel. Atlas de energia elétrica do Brasil / Agência Nacional de Energia Elétrica. 3. ed. – Brasília: Aneel, 2008.

[4] Objetivos internacionais sobre clima não serão alcançados sem energia nuclear, afirma UNECE. Publicado em 18/08/2021. Disponível em: <https://brasil.un.org/pt-br/140083-objetivos-internacionais-sobre-clima-nao-serao-alcancados-sem-energia-nuclear-afirma-unece#:~:text=Segundo%20a%20publica%C3%A7%C3%A3o%2C%20a%20energia,emiss%C3%B5es%20globais%20relacionadas%20%C3%A0%20energia>.

[5] Francesa EDF vai reativar seus 32 reatores nucleares devido à crise de energia na Europa. Valor Econômico. São Paulo. Publicado em 02/09/2022. Disponível em: >https://valor.globo.com/mundo/noticia/2022/09/02/francesa-edf-vai-reativar-seus-32-reatores-nucleares-devido-a-crise-de-energia-na-europa.ghtml >.

[6] BRASIL. Constituição Federal. “Art. 21. Compete à União:   XXIII – explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza e exercer monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados, atendidos os seguintes princípios e condições: a) toda atividade nuclear em território nacional somente será admitida para fins pacíficos e mediante aprovação do Congresso Nacional”.

[7] UFSM. 11 utilidades da Energia nuclear. Revista Arco – Jornalismo Científico e Cultural. Publicado em 08/08/2018. Disponível em: <https://www.ufsm.br/midias/arco/11-utilidades-da-energia-nuclear/>.

[8] BRASIL. Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM. Economia Mineral do Brasil/ Departamento Nacional de Produção Mineral. Brasília: DNPM, 2009.

[9] BRASIL. Decreto n. 10.791, de 10 de setembro de 2021. Cria a Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional S.A. A empresa tem como objetivo assumir as atividades da Eletrobrás que não podem ser privatizadas, como a empresa Eletronuclear (responsável pelas usinas Angra 1, 2 e 3).

 

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Antônio Carlos Tozzo
Mestre em Direito pela UniCeub. Pós-graduado em Direito Processual Civil pela UniSul, em Direito Tributário pela PUC/MG e em Direito Societário pela FGV/SP. Procurador do Município de Maceió e Advogado.

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