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As benfeitorias

O Código Civil trata dos bens na Parte Geral, logo a partir do art. 79, tema relevante afinal os bens corpóreos são importantes para nossa qualidade de vida, trazem conforto material, conforme nossa possibilidade financeira para adquiri-los; um homem piedoso poderia dizer que o certo é doar os bens aos pobres, mas na Bíblia, João 12:5-8, Jesus ao usar um perfume caro e ser questionado por que não vendia e dava aos pobres, respondeu “sempre tereis convosco os pobres, mas a mim nem sempre me tereis”. https://www.bibliacatolica.com.br/biblia-ave-maria/sao-joao/12/

Assim, a importância dos bens materiais tem também esse caráter religioso, pois nós habitamos a matéria, a matéria integra a realidade divina, Deus inclusive se fez de matéria, carne e sangue através de Jesus. O apreço cristão pela mundo material está inspirado na encarnação de Jesus, e na certeza que os seres humanos, compostos de matéria e espírito, podem valer-se dos bens materiais na sua ascensão para Deus.

O Código Civil então trata dos bens móveis e imóveis no capítulo I do livro II da Parte Geral; temos ainda os bens principais e acessórios, e a existência destes supõe a existência daqueles, pois principal é o bem que existe sobre si (vide art. 92 do CC); quero aqui tratar das benfeitorias que são acessórios decorrentes do trabalho humano, ou seja, são obras feitas para conservar, melhorar ou embelezar a coisa principal.

Atenção para não confundir benfeitorias com pertenças, estas via de regra não são acessórios, mantendo sua individualidade e autonomia, sem incorporação à coisa principal; exemplo de pertenças são lustre e cortina numa casa, vide art. 93 do CC

Quanto às benfeitorias, são de três espécies, segundo o art. 96 do CC:

– voluptuárias: aquelas de mero deleite ou recreio, que tornam o bem mas agradável;

– úteis: aquelas que aumentam ou facilitam o uso do bem;

– necessárias: as que visam conservar o bem, e evitar sua deterioração.

O tema traz frequente controvérsia na prática, é comum na rotina forense disputas em contratos de locação e de empréstimo em que o inquilino e comodatário exigem indenização por benfeitorias realizadas na coisa alugada ou emprestada.

Imagine a locação de uma casa em que após anos de contrato, o locatário se recusa a sair enquanto não for indenizado das benfeitorias realizadas no imóvel do locador; neste sentido o art. 578 do CC autoriza o exercício do direito de retenção pelo inquilino, ou seja, permite o locatário conservar o imóvel sem pagar aluguel, para compensar as despesas que teve com os acessórios na coisa; então toda benfeitoria autoriza a retenção? Não!

O legislador determina no referido 578 que as benfeitorias voluptuárias não são indenizáveis, desta feita uma estátua no jardim da casa alugada pode ser levada pelo locatário ao final do contrato; e se o locatário reformou o telhado da casa com goteiras? Então terá sido benfeitoria necessária, a ensejar indenização ao inquilino, sob pena de enriquecimento ilícito do locador, afinal a casa dele teve a melhoria do conserto no telhado; e quanto à benfeitoria útil? Esta só enseja o direito de retenção ou indenização pelo locatário se feita com expressa anuência do locador; a lei é clara quanto ao “expresso” consentimento do locador, assim se inquilino constrói uma piscina na casa, faz uma garagem, planta árvores no quintal, etc., embora aumentem o uso do bem, só precisa o locador indenizá-las se expressamente autorizou o inquilino a fazê-las; muitas vezes o locador toma conhecimento de obras feitas na sua casa pelo inquilino, mas se formalmente não as permitiu, não precisará ao final do pacto indenizar o locatário.

Sempre tenho na rotina forense disputas por indenização de benfeitorias ao término da locação, e a lei é clara quanto à solução; se necessário pode ser feita uma perícia às expensas das partes, para calcular o valor da benfeitoria; dispense tal perícia, douto advogado, telefone ao advogado da outra parte, busque a cooperação do art. 6º do CPC, evite despesas a seu cliente.

Da mesma forma no empréstimo há imbróglio por benfeitorias, imagine que uma pessoa desempregada recebe do irmão um apartamento para morar, após anos de cortesia, o dono pede o imóvel de volta e o beneficiado quer receber as benfeitorias construídas… As regras são as mesmas da locação, com um detalhe: o empréstimo é contrato gratuito, diferente da locação que é onerosa; assim no empréstimo aplicável o princípio do art. 114 do CC, a determinar que os negócios benéficos interpretam-se estritamente em prol de quem fez a gentileza; desta feita, as regras das benfeitorias na dúvida, precisam ser aplicadas em prol do comodante, que emprestou o imóvel ao parente.

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Rafael de Menezes
Professor de direito civil por 25 anos da Unicap (Universidade Católica de Pernambuco) e da Esmape -(Escola de Magistratura/PE). Ex-Promotor de Justiça. Juiz de Direito do TJPE.

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