Área jurídicaDireito Tributário e Justiça FiscalTributário

Aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda e o Princípio da Justiça Tributária

Muito tem se falado nesta coluna jurídica sobre justiça fiscal, tentando trazer o leitor a este debate desde 2021 (ano em que foi publicado o primeiro texto na coluna). Esse tema, considerado de suma importância pela colunista, perpassa pela reflexão de que é necessário fazer uma arrecadação justa – atendendo ao princípio constitucional da capacidade contributiva[1] -, bem como deve haver uma justiça na aplicação dos valores arrecadados.

Deste modo, a justiça fiscal é algo que deve estar presente desde a aplicação da tributação, até a utilização dos valores arrecadados, com a realização da despesa pública, como bem pontua Luciana Grassano[2].

Esse debate ganhou novos contornos após a Reforma Tributária, com a aprovação da Emenda Constitucional nº 132/2023, momento em que se elevou ao nível de princípio constitucional a “justiça tributária”: “Art. 145 (…) § 3º O Sistema Tributário Nacional deve observar os princípios da simplicidade, da transparência, da justiça tributária, da cooperação e da defesa do meio ambiente.      (Incluído pela Emenda Constitucional nº 132, de 2023)”.

Referida reforma teve como foco principal os tributos sobre consumo, buscando simplificar a cobrança, e adequar o sistema tributário nacional a anseios de uma menor regressividade fiscal[3]. A reforma encampada pela EC nº 132/2023 recebeu muitos holofotes, mas no meu ponto de vista jurídico, não foi a principal reforma tributária que a sociedade brasileira precisava.

O combate à regressividade fiscal no Brasil está sendo bem mais efetivo com as reformas propostas pelo Governo Federal a partir de 2023, que tem como objetivo alterar a forma de tributação do Imposto de Renda.

Não obstante ser um tributo que tradicionalmente é encarado como fiscal (aquele que tem a arrecadação como principal objetivo) – pelo volume arrecadatório -, é um imposto que pode ser muito bem utilizado como tributo extrafiscal (utilizado pelo ente público para intervir em um setor econômico, social ou político).

No ano de 2023, a Medida Provisória nº 1.171/2023 aumentou a faixa de isenção para o IRPF de R$ 1.903,98 para R$ 2.112,00[4]. Em 2024, a IN RFB nº 2174/2024[5] alterou as tabelas progressivas do IRPF, as quais não haviam sido atualizadas desde o ano de 2015.

Essa alteração de 2024 foi ratificada pela Lei nº 14.848/2024[6], de modo que pessoas que recebiam até dois salários mínimos passaram a ser isentas de imposto de renda, tentando ainda fazer uma progressão mais justa nas faixas de renda [representando em sua maioria, a tributação sobre renda salarial].

Em contrapartida, ainda em 2023 o Governo Federal aprovou a Lei nº 14.754/2023[7] que prevê a taxação dos fundos exclusivos [investimentos personalizados que exigem no mínimo R$ 10 milhões de investimento] e offshores [rendimentos obtidos fora do Brasil, por meio de aplicações financeiras ou empresas no exterior], demonstrando na prática uma tendência de reduzir a tributação sobre renda de trabalho e aumentar a tributação sobre renda de capital.

Continuando nesse movimento, na data de 18 de março de 2025, foi apresentado ao Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 1.087/2025, que propõe a isenção de imposto de renda a pessoas físicas que recebam um valor mensal até R$ 5.000,00 (cinco mil reais).

Para quem recebe até R$ 7.000,00 (sete mil reais) por mês, a tributação será reduzida. Quem ganha entre R$ 5.001,00 e R$ 5.500,00, haverá um desconto de 75% do valor do imposto cobrado, de modo que o imposto de renda mensal previsto será de R$ 202,13 (duzentos e dois reais e treze centavos); quem tem renda mensal entre 5.501,00 e R$ 6.000,00, haverá um desconto de 50% do valor do imposto devido, ficando um valor mensal de imposto de renda de R$ 417,85 (quatrocentos e dezessete reais e oitenta cinco centavos).

Por fim, quem ganha mensalmente entre R$ 6.501,00 e R$ 6.999,00, haverá um desconto de 25% do valor devido do imposto, ficando um valor mensal médio de 633,57 (seiscentos e trinta e três reais e cinquenta e sete centavos)[8].

A partir de R$ 7.000,00 (sete mil reais) de renda mensal, não há alteração na cobrança com relação às regras atuais.

Como medida de compensação, o projeto de lei propõe o estabelecimento de um piso na cobrança de Imposto de Renda de quem recebe mais de R$ 600 mil por ano, abrangendo também os valores enviados ao exterior, de modo a evitar a evasão fiscal. O texto prevê que o tributo mínimo ficará entre R$ 18,7 mil e R$ 120 mil por ano para essas faixas de contribuintes.

A análise feita dos números acima apresentados, segundo dados divulgados pelo Governo Federal, é de que haverá uma desoneração de 65% de pessoas que contribuem com o imposto de renda; sendo compensada essa renúncia fiscal com uma maior incidência tributária sobre 0,067% de brasileiros que possuem altas rendas.

Ainda de acordo com levantamento do Governo Federal, a medida compensatória (R$ 34,12 bilhões em 2026) irá superar a renúncia realizada (R$ 25,84 bilhões em 2026), de modo a não haver prejuízo para os cofres públicos federais, e nem comprometer os repasses da União aos demais entes federativos, garantindo o Pacto Federativo e a autonomia financeira de Estados e Municípios[9].

Deste modo, percebe-se que o aumento da faixa de isenção de imposto de renda para R$ 5.000,00 (cinco mil reais) mensais, com a aplicação de uma tributação maior sobre aqueles que possuem rendas mensais superiores a R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), sem prejudicar os cofres públicos, é como a realização de um sonho de justiça fiscal, em que finalmente se consegue vislumbrar a concretização de ideais de justiça social tão almejadas e difundidas por esta colunista, que sonha [quem sabe não mais utopicamente] com a redução dos níveis de desigualdade social do nosso país.

 

Notas e Referências:

MELO, Luciana Grassano de Gôuvea. A justiça fiscal entre o “dever-ser” constitucional e o “ser” institucional. Reformas ou Deformas Tributárias e Financeiras. Por que, Para que, Para que e Como? SCAFF, Fernando e outros (org.). Reformas ou deformas tributárias e financeiras: por que, para que, para que e como? Belo Horizonte: Letramento, 2020. p. 684-698.

QUIRINO, Larissa P. Aplicação de Alíquotas Progressivas nos Impostos Reais e o Ideal de Progressividade do Sistema Tributário. Juridicamente. Disponível em: https://juridicamente.info/aplicacao-de-aliquotas-progressivas-nos-impostos-reais-e-o-ideal-de-progressividade-do-sistema-tributario/. Acesso em: 26 mar. 2025.

QUIRINO, Larissa P. Breve análise da Reforma Tributária no Brasil e seus “impactos” na regressividade fiscal. Juridicamente. Disponível em https://juridicamente.info/breve-analise-da-reforma-tributaria-no-brasil-e-seus-impactos-na-regressividade-fiscal/. Acesso em: 26 mar. 2025.

[1] Sobre o Princípio Constitucional da Capacidade Contributiva, ver o artigo “Aplicação de Alíquotas Progressivas nos Impostos Reais e o Ideal de Progressividade do Sistema Tributário”, publicado nesta coluna. Disponível em: https://juridicamente.info/aplicacao-de-aliquotas-progressivas-nos-impostos-reais-e-o-ideal-de-progressividade-do-sistema-tributario/

[2] MELO, Luciana Grassano de Gôuvea. A justiça fiscal entre o “dever-ser” constitucional e o “ser” institucional. Reformas ou Deformas Tributárias e Financeiras. Por que, Para que, Para que e Como? SCAFF, Fernando e outros (org.). Reformas ou deformas tributárias e financeiras: por que, para que, para que e como? Belo Horizonte: Letramento, 2020. p. 684-698.

[3] Regressividade fiscal é um termo jurídico utilizado para se referir ao sistema tributário que tributa de forma mais pesada as pessoas que têm menor capacidade contributiva. Isso ocorre principalmente nos países em que a carga tributária sobre consumo é alta, como no Brasil, onde a tributação sobre consumo representa quase 50% do total da carga tributária nacional. Sobre o tema: “Breve análise da Reforma Tributária no Brasil e seus “impactos” na regressividade fiscal”, disponível em: https://juridicamente.info/breve-analise-da-reforma-tributaria-no-brasil-e-seus-impactos-na-regressividade-fiscal/

[4] BRASIL. Medida Provisória nº 1.171, de 30 de abril de 2023. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília DF, 30 abr. 2023. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/mpv/mpv1171.htm. Acesso em 13 fev. 2025.

[5] Disponível em: http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=136038. Acesso em 13 fev. 2025.

[6] BRASIL. Lei no. 14.848, de 01 de maio de 2024. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília DF, 1 mai. 2024. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2024/lei/l14848.htm. Acesso em 13 fev. 2025.

[7] BRASIL. Lei no. 14.754, de 12 de dezembro de 2023. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília DF, 13 dez. 2023. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/lei/l14754.htm. Acesso em 13 fev. 2025.

[8] Fonte Senado Federal. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2025/03/19/congresso-recebe-proposta-que-isenta-ir-de-quem-ganha-ate-r-5-mil#:~:text=Para%20compensar%20os%20cofres%20p%C3%BAblicos,R%24%20120%20mil%20por%20ano. Acesso em 26 mar. 2025.

[9]Dados divulgados pelo Governo Federal em: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://www.gov.br/planalto/pt-br/acompanhe-o-planalto/noticias/2025/03/presidente-envia-ao-congresso-pl-que-amplia-para-r-5-mil-a-faixa-de-isencao-do-imposto-de-renda/18032025_cartilha_digital_irv5.pdf. Acesso em 26 mar. 2025.

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Larissa Pinheiro
Doutoranda em Direito Tributário (UFPE). Mestra em Direito (UFPE). Especialista em Direito Tributário pelo IBET. Graduada em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). Professora da Pós-Graduação na AESGA. Participante do grupo de estudo "Fórum Tributação e Justiça Fiscal" / UFPE. Membra da Associação Brasileira de Direito Processual (ABDPro). Procuradora-Geral do Município de Bom Conselho. Advogada no Escritório Larissa Pinheiro Advocacia, onde atua nas áreas de Tributação, Sucessão e Regularização Imobiliária.

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