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Constituições vivas e suas aberturas ao Direito Internacional dos Direitos Humanos

As Constituições estão se tornando cada vez mais abertas ao diálogo. Já não se pode mais pensá-las como um centro que tudo deriva por irradiação, mas sim como centro sobre o qual tudo converge, comunica, dialoga, ou seja, “más bien como centro a alcanzar que como centro del que partir. La política constitucional mediante la cual se persigue ese centro no es ejecución de la Constitución, sino realización de la misma en uno de los cambiantes equilibrios en los que puede hacerse efectiva[1].

Portanto, “nessa tarefa o constitucionalismo cumpre um papel de primeira ordem como substrato cultural sobre o qual se deve construir o projeto cosmopolita”[2].

Toda essa complexidade de abertura ao direito internacional alcança os mais variados ordenamentos jurídicos, tornando-se marcante na América-latina, em especial nos últimos vinte anos do século XX. Trata-se de processo decorrente das ondas democratizadoras que foram contagiando e se desenvolvendo nos países ocidentais ao longo da segunda metade do mesmo século[3].

É que com a democratização e o fim das ditaduras muitos Estados latino-americanos optaram pela abertura ao direito internacional dos direitos humanos para salvaguardar os princípios fundamentais de seus textos magnos[4]. Os países procuravam romper com o passado marcado por ditaduras militares, autocracias civis e sistemas de partido hegemónico. De tal modo, a década de oitenta na América latina foi caracterizada por processos de transição de ditaduras para democracia e pela forte revalorização dos direitos humanos como elemento básico do regime democrático[5].

Logo, os direitos humanos na América latina passam a apresentar, como importante característica, uma progressiva aplicação dos instrumentos internacionais de proteção aos direitos humanos em seus de tribunais nacionais, e em especial, da Convenção Americana nas altas cortes nacionais constitucionais[6], num processo de interamericanização do direito internacional dos direitos humanos[7].

Quase todas as constituições latino-americanas contêm cláusulas de abertura, pelas quais expressam que a declaração ou enumeração dos direitos contidas na Constituição não devem ser entendidas como negação a outros direitos não enumerados em seus textos magnos, direitos estes inerentes à pessoa humana ou à dignidade humana.

A incorporação do Direito Internacional dos Direitos humanos nas constituições da América latina em ordem cronológica deu-se: Peru (1979), Guatemala (1985), Nicarágua (1987), Brasil (1988), Chile (1989), Costa Rica (1989), Colômbia (1991), Paraguai (1992), Argentina (1994), Venezuela (1999), Republica Dominicana (2003), Equador (2008), Bolívia (2009), México (2011).

No ordenamento jurídico positivo brasileiro, é possível identificar dispositivos constitucionais que permitem a abertura do sistema interno ao sistema internacional de proteção aos Direitos humanos: o princípio da dignidade da pessoa humana (art.1º, III), a prevalência dos Direitos humanos nas relações internacionais (art. 4º, II), o compromisso do Estado brasileiro com o progresso da humanidade (art. 4º, IX), a responsabilidade com a integração latino-americana (art. 4º, Parágrafo único), e a cláusula aberta de ampliação dos direitos humanos (art. 5º, § 2º).

É possível identificar semelhantes cláusulas de abertura nas constituições latino-americanas. Na Constituição do Peru de 1993 (art. 3º); na Constituição da Guatemala de 1985 (art. 44); na Constituição da Nicarágua de 1987 (art. 46); na Constituição do Chile de 1980 (art. 5º); na Constituição da Costa Rica reformada em 1989 (art. 48); na Constituição da Colômbia de 1991 (art. 93); na Constituição do Paraguai  de 1992 (art. 45); na Constituição da Argentina reformada em 1994 (art. 75, inciso 22); na Constituição da Venezuela de 1999  (art. 22); na Constituição do Equador de 2008 (art. 11 inciso 7); na Constituição da Bolívia de 2009 (art. 13 inciso 2); na Constituição da República Dominicana de 2010 (art.  74); na Constituição do México reformada em 2011(art. 1º).

A constitucionalização dos direitos humanos faz das constituições nacionais esferas de absorção de direitos, em um processo de constante expansão, formando um bloco de direitos ou bloco de constitucionalidade[8],  reflexo da abertura ao diálogo entre múltiplos níveis de proteção.

Na região latino-americana o bloco de constitucionalidade se materializa mediante a incorporação de normas relativas a direitos humanos consagradas em tratados internacionais e em interpretações atribuídas a essas normas, em especial as alcançadas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. Porém, “en realidad lo que determina que ciertas normas amplíen el contenido constitucional no es tanto de dónde provienen sino su contenido. Serán incorporadas, entonces, las normas provenientes de diversas fuentes que se refieran a derechos humanos y sus garantías[9].

Nesse sentido, é preciso ter claro que os sistemas regionais de proteção aos direitos humanos representam um elo de diálogo entre o sistema universal e o sistema local. Possuem a vantagem de adequar as perspectivas, por vezes utópicas, à nível global às realidades normativo-jurídicas do plano regional, possibilitando uma maior convergência entre os sistemas. Além de buscar em sua atuação, a absorção da identidade comum às várias constituições envoltas à realidade regional, promovendo uma enriquecedora interconstitucionalidade.

Por tudo isso, a Constituição brasileira de 1988 como pilar de sustentação do sistema nacional de proteção aos direitos humanos é viva e conectada por via de suas aberturas a todo um arcabouço jurídico interamericano e universal. Juntos os sistemas nacional, interamericano e universal estão em constante expansão e aperfeiçoamento, norteados pelo princípio pro persona, na busca de normas e interpretações sempre mais favorável aos seres humanos.

 

Notas e Referências:

[1] ZABREBELSKY, Gustavo. El derecho dúctil: ley, derechos, justicia.  10ª ed. Madrid: Trotta, 2011, p. 14.

[2] JULIOS-CAPUZANO, Alfonso de. Constitucionalismo em tempos de globalização.  Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. P. 112.

[3] UGARTE, Pedro Salazar. La reforma constitucional sobre derechos humanos. Una guía conceptual. México: Instituto Belisario Domínguez, 2014.

[4] BOGDANDY, Armin Von. Ius Constitutionale Commune Latinoamericanum: Una aclaracion conceptual!. In: BOGDANDY, Armin Von; FIX-FIERRO, Héctor; ANTONIAZZI, Mariela Morales. Ius Constitutionale Commune en Derechos Humanos en America latina: rasgos, potencialidades y desafíos. México: UNAM, Max-Planck Institut, Instituto Iberoamericano de Derecho Constitucional, 2014.

[5] UGARTE. Op. cit., 2014.

[6] BREWER-CARÍAS, Allan R. La aplicación de los tratados internacionales sobre derechos humanos en el orden interno de los países de América Latina. In: Revista IIDH, Vol. 46. 2007. Disponível em: <http://www.corteidh.or.cr/tablas/R22024.pdf>.

[7] ANTONIAZZI, Mariela Morales. O Sistema Interamericano e o impacto de sua jurisprudência. In: Seminário Internacional – Diálogo entre Cortes: fortalecimento da proteção dos direitos humanos. Brasília, ENFAM, 31 mar. 2017.

[8] Segundo Pedro Urgate: “o bloque de constitucionalidad se construyó en el derecho comparado desde mediados del siglo xx y fue empleado por primera vez en el Consejo Constitucional francés en 1966 para referirse a un conjunto de normas y principios superiores con los que las disposiciones ordinarias se someten al control de constitucionalidad del dicho Consejo”.

[9] UGARTE. Op. cit., 2014. p. 19.

Colunista

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Bruno Borges
Doutor em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2017). Mestre em Direitos Humanos pela Universidade do Minho/Portugal (2011). Especialista em Sistema Interamericano pela Universidade Nacional Autônoma do México (2018). Advogado inscrito pela Ordem dos Advogados do Brasil (2008). Autor dos livros: " Justiça de Transição: A transição inconclusa e suas consequências na democracia brasileira" pela Editora Juruá (2012), e "O Controle de Convencionalidade no Sistema Interamericano: entre o conflito e o diálogo de jurisdições" (2018).

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