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Empréstimo Consignado x Nova fraude da Falsa Portabilidade / Redução das parcelas

Nordeste é a região com maior aumento nas movimentações possivelmente fraudulentas!

 

De acordo com levantamento da Serasa Experian, um brasileiro é alvo de golpistas a cada 9 segundos.

 

Em artigo anterior, publicado neste portal (https://juridicamente.info/mitos-e-verdades-nas-fraudes-em-contratos-de-emprestimo-e-cartao-consignado/), vimos quem são os principais atores das fraudes em empréstimos consignados que tem como principais alvos os beneficiários do INSS.

 

Neste ponto, importante registrar que a Resolução 3.954/2011 do Banco Central do Brasil é responsável por regular a relação entre Instituição Financeira e Correspondente Bancário, ficando clara, no seu artigo 2º, a responsabilidade dos Banco em face dos atos praticados por esses agentes:

 

Art. 2º O correspondente atua por conta e sob as diretrizes da instituição contratante, que assume inteira responsabilidade pelo atendimento prestado aos clientes e usuários por meio do contratado, à qual cabe garantir a integridade, a confiabilidade, a segurança e o sigilo das transações realizadas por meio do contratado, bem como o cumprimento da legislação e da regulamentação relativa a essas transações.

 

Mas o que seria a tal da portabilidade do empréstimo consignado?

 

  1. Da portabilidade do empréstimo consignado

A portabilidade é a transferência de operação de crédito de instituição credora original para instituição proponente, por solicitação do devedor, sendo um procedimento presente na vida desses beneficiários do INSS para que haja competitividade de taxas de juros de empréstimos entre instituições financeiras.

 

O supracitado procedimento é regulamentado pela Resolução nº 4.292/2013 do Banco Central e, em seu artigo 2º e assevera que “A transferência de operação de crédito entre instituições financeiras, a pedido do devedor, deve ser realizada na forma prevista nesta Resolução, sendo vedada a utilização de procedimentos alternativos com vistas à obtenção de resultado semelhante ao da portabilidade.”.

 

Desta forma, é possível concluir que o procedimento de portabilidade da forma que é previsto pelo Banco Central, nunca necessita de uma participação ativa do consumidor para levantar o valor do saldo devedor ou para receber valores em sua conta bancária e transferi-los para terceiros.

 

Essas ponderações e conceitos sobre o procedimento de portabilidade são necessárias para compreender a desvirtuação deste processo durante a prática dos golpes, através de vários artifícios como a suposta necessidade de uma portabilidade “manual”, mascaramento da fraude através do oferecimento de produtos diversos e até mesmo a indicação da existência de um “troco”, cuja quantia serviria para investimentos com retornos acima da média de mercado, como parte do processo de portabilidade e até mesmo como comissão pela alegada redução da parcela do empréstimo portado.

 

  1. Quem e como? Nuances do golpe portabilidade / Redução de parcelas.

Assim como no golpe citado no artigo anterior, os fraudadores se beneficiam do acesso ilegal a diversos dados sigilosos dos lesados, dentre eles os dados pessoais, informações do benefício e empréstimos ativos.

 

Importante observar que os criminosos tem acesso a esses dados por vários meios ilícitos como a violação de segurança em sistemas de cadastro, venda de dados, cooperação ilícita de funcionários de instituições financeiras e da própria autarquia federal (INSS) ou mesmo por descuido ou desinformação das vítimas ao informarem seus dados em cadastros suspeitos.

 

De posse de tais informações, os fraudadores entram em contato com as vítimas, geralmente por meio de ligações e/ou conversas por WhatsApp, alegando serem funcionários de empresas representantes dos bancos e ganham maior confiança dos lesados ao demonstrar conhecer todos os seus dados e informações pessoais.

 

E que empresas são essas?

 

Para gerar menor desconfiança, em 99% dos casos os estelionatários fraudadores se escondem atrás de empresas devidamente formalizadas no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ), geralmente registradas como EIRELI, e com nomes fantasia associados a siglas que remetem atividades financeiras como “Bank, Cred, Soluções Financeiras, Grupo Financeiro, Business”.

 

Além de passar a impressão de serem empresas diretamente ligadas aos bancos detentores ou destinatários do empréstimo a ser portado, a abertura dessas pessoas jurídicas visa induzir o próprio judiciário a erro, uma vez que o CNPJ que pratica o golpe e recebe o dinheiro das vítimas, nunca será o mesmo que aparecerá no novo contrato fraudulento.

 

Explico!

 

Este novo tipo de fraude tem se valido da presença das novas tecnologias como a assinatura digital, geolocalização, biometria facial, entre outras.

 

Isto porque o mesmo avanço tecnológico que as instituições financeiras afirmam gerar maior segurança nas novas contratações, tem sido utilizado pelos criminosos para facilitar a aplicação desses golpes!

 

Com a quase que total aposentadoria dos contratos físicos, cujas assinaturas em caneta permitiam a rápida identificação da existência de fraude, através de simples perícia grafotécnica ou até mesmo da evidente presença de grosseria falsificação percebida a “olho nu”, ficou mais fácil gerar um falso contrato e mascarar seu aceite.

 

Assim, ao ser convencido da suposta possibilidade de portabilidade do seu empréstimo legal e anteriormente realizado, com oferta de redução do valor da parcela, a vítima é orientada a enviar documentos pessoais, quando os golpistas já não possuem tais documentos e, na maioria dos casos, recebem um link que suspostamente serviria para o aceite dessa redução das parcelas do contrato anterior.

 

Em seguida a empresa fraudadora se encarrega de realizar toda a contratação de um novo empréstimo bancário, basicamente induzindo o lesado a assinar sem ter conhecimento dos termos do contrato por meio dessa assinatura digital.

 

Para que tal procedimento ocorra sem vincular a empresa fraudadora ao novo contrato ilegal, a fraude ocorre em parceria entre o CNPJ que serve somente para enganar o consumidor e receber a quantia do novo empréstimo e o CNPJ de um autêntico e autorizado correspondente bancário que constará no contrato do banco.

 

Importante registrar que, o primeiro CNPJ, geralmente, é cadastrado em endereço de “fachada” e possui “data de validade”, uma vez que a empresa costuma ficar aberta somente o tempo necessário para aplicar o máximo de golpes antes de sofrer qualquer investigação, após as primeiras denúncias e ações judiciais.

 

Após a obtenção do aceite, o valor referente a um novo empréstimo consignado é depositado na conta bancária do consumidor ludibriado, na maioria das vezes sob o pretexto de que se trata da quantia necessária para quitação do empréstimo anterior, e que teria sido depositada pelo Banco para o qual seria feita a portabilidade.

 

Assim, sem levantar suspeitas os fraudadores solicitam que a vítima faça a quitação do empréstimo anterior, a fim de possibilitar o início das novas parcelas reduzidas, em valor e/ou quantidade de prestações.

 

Ocorre que, para que essa suposta quitação ocorra, ao invés de ser gerado um boleto cujo o favorecido é a instituição bancária detentora do empréstimo a ser portado para o novo banco, os fraudadores geram boleto de pagamento ou pedem a quitação, via transferência/pix, em favor do CNPJ da empresa cujo nome remete a termos e similitudes (Bank, Cred, Soluções Financeiras, etc.) que induzem a vítima a acreditar na veracidade do procedimento sem atentar para a fraude em andamento.

 

Em alguns casos, os fraudadores simulam contratos com as vítimas (Cédula de Crédito de Compra de Dívida ou Cédula de Crédito de Portabilidade), estabelecendo a obrigação de pagamentos mensais ao consumidor. Todavia, tal procedimento visa, tão somente, aumentar o “prazo de validade” do CNPJ que pratica o golpe, uma vez os pagamentos só são realizados durante poucos meses, para que não haja desconfiança da ilegalidade dos primeiros que sofreram o golpe, dando tempo necessário para atingir um número maior de pessoas enganadas.

 

Desta forma, nos meses subsequentes, finalmente o lesado toma ciência de que a portabilidade da dívida não foi realizada e da existência de um novo desconto lançado em seu contracheque/benefício em total desconformidade com o acordado.

 

Pior, além de ser penalizado com um novo mútuo não solicitado, a vítima fica sem a quantia depositada pela instituição financeira responsável pela nova cobrança.

 

Tal engenhosidade gera, inclusive, uma maior dificuldade de obtenção de uma tutela antecipada judicial para suspensão dos descontos indevidos, visto que muitos magistrados ainda não compreende o cenário geral dessa prática e vinculam a concessão dessa liminar a consignação da quantia do empréstimo ilegal em juízo, em que pese inexistência desse valor na conta do fraudado.

 

  1. Da efetiva responsabilidade da instituição financeira.

De início, deve-se destacar que a relação entre o cliente e a instituição financeira é regida pelo Código de Defesa do Consumidor – CDC, conforme entendimento dominante da jurisprudência e já disciplinado na Súmula 297 do Superior Tribunal de Justiça – STJ que assevera que “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.”.

 

Ao agir dessa forma, a empresa diretamente responsável pelo golpe e o correspondente bancário que age em conjunto, estão praticando atos em nome da instituição financeira, ao lhe representar (Súmula nº479 do STJ), razão pela qual é possível obrigar que o banco responsável pela transação cumpra com a proposta ofertada, sendo imprescindível a anulação da empreitada, não restando uma alternativa a não ser a de buscar o judiciário para reparar os danos sofridos.

 

Assim, não há dúvidas de que se trata de uma relação consumerista e in casu a vítima de fraude bancária é vista como o elo mais fraco da relação jurídica.

 

Portanto, no caso de dano decorrente de fortuito interno não pode a instituição financeira alegar culpa exclusiva de terceiro ou da vítima (art.14, §3º do CDC) para se eximir da responsabilidade, até porque este é considerado um risco do empreendimento.

 

Caso a fraude bancária realizada por terceiro não fosse considerada um fortuito interno, a atividade bancária não teria riscos como todo o empreendimento, ou seja, o empresário estaria desonerado dos riscos de seu próprio empreendimento, imputando este ao consumidor, o que é vedado pelo nosso ordenamento jurídico.

 

Desta forma, a culpa exclusiva de terceiros apta a eliminar a responsabilidade objetiva da instituição financeira é apenas a decorrente de fortuito externo (fato que não guarda relação de causalidade com a atividade do fornecedor).

 

Ora, as fraudes ou delitos contra o sistema bancário, dos quais resultam danos a terceiros ou a correntistas configura fortuito interno, pois fazem parte do próprio risco do empreendimento e, por isso, não livram o banco do dever de indenizar.

 

Por fim, é sempre importante que o público-alvo deste tipo de fraude esteja atento as ofertas de descontos incríveis, investimentos com altos retornos e promessas com muitas facilidades.

 

Além disso, sempre que uma quantia que não seja a do benefício ou salário for depositada em sua conta é de extrema importância que se verifique quem efetivamente depositou tais valores, buscando auxílio jurídico antes de realizar qualquer devolução.

Colunista

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Thiago Gusmao
Pós-graduado em Processo Civil (LFG) e Especialista em Direito do Consumidor e Bancário. Graduado em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). Advogado.

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