Razão de decidirTJPR

A preferência de créditos trabalhistas penhorados no rosto dos autos prevalece em qualquer caso?

A preferência de créditos trabalhistas penhorados no rosto dos autos prevalece sobre os pagamentos realizados em juízo pelo devedor solvente em virtude de acordo homologado pelo juízo da execução?

O caso em questão é permeado de polêmica. A cautela recomenda, portanto, breve síntese sobre o feito.

Em autos de execução fiscal, após a realização de penhora sobre bem imóvel do devedor, sobreveio a notícia de que as partes celebraram termo de parcelamento, sobrestando o prosseguimento da ação executiva, de posteriores etos de expropriação, mantendo-se o bem penhorado como garantia da dívida exequenda.

Ato contínuo, a Fazenda Pública comunicou a rescisão do ajuste fiscal e, antes da expropriação do bem penhorado, as partes obtiveram a homologação judicial de ajuste de adimplemento voluntário da dívida exequenda em parcelas sucessivas à serem realizadas em conta vinculada ao juízo, com fundamento no artigo 916 do Código de Processo Civil.

Após a celebração do acordo, enquanto os depósitos eram realizados em conta judicial vinculada ao juízo da execução fiscal, sobrevieram pedidos de “penhora no rosto dos autos” para a garantia de débitos trabalhistas de natureza alimentar.

A controvérsia do caso, então, recai sobre a escorreita destinação dos valores vinculados a conta judicial. De um lado, pode-se dizer que os créditos trabalhistas devem preferir aos créditos tributários exequendos nos autos, de modo que os valores vinculados ao juízo da fazenda pública devem ser destinados ao juízo da justiça laboral para a satisfação de dívidas de natureza alimentar.

No entanto, não se deve ignorar que os depósitos judiciais foram realizados sob à égide da sentença homologatória da transação celebrada entre as partes do processo e, quanto à isso, há de se observar a segurança jurídica.

Em primeiro grau, determinou-se que os pagamentos realizados antes das penhoras determinadas pelo juízo trabalhista autos fossem destinados ao Município-Exequente enquanto os valores adimplidos após a efetivação dos pedidos de penhora fossem encaminhados ao juízo do trabalho.

Desta decisão o Executado interpôs agravo de instrumento pugnando que os valores depositados em conta judicial vinculada ao juízo da execução fossem destinadas exclusivamente para o pagamento da dívida tributária, a fim de que a ação executiva fosse extinta na forma do artigo 924, inciso II, do CPC.

Pois bem.

Diante desse cenário, entendeu a 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná que “a preferência dos créditos laborais [de natureza alimentar] não predefine a ordem de pagamentos voluntários das dívidas do devedor solvente” e que a penhora ordenada pelo juízo do trabalho recairia exclusivamente sobre os créditos de titularidade do devedor em caso de alienação do bem penhorado.

Concluíram os Magistrados que os depósitos vinculados em conta judicial vinculados ao juízo da execução não pertenciam mais ao Devedor-Pagante, mas à Fazenda Pública credora, pois, nos termos do artigo 334 do Código Civil, os pagamentos realizados voluntariamente em juízo gozam de eficácia liberatória da dívida exequenda.

Diz a norma:

Art. 334. Considera-se pagamento, e extingue a obrigação, o depósito judicial ou em estabelecimento bancário da coisa devida, nos casos e forma legais.

Arremata a Corte, ainda, em comentários ao artigo 916 do CPC que os referidos depósitos judiciais realizados pelo Executado se deram na forma de pagamento e que tais créditos, no momento de cada depósito, transferiram-se ao domínio da Fazenda Pública credora que gozava da liberalidade de levanta-los em operações sucessivas ou ao término do cumprimento do acordo homologado pelo juízo da execução fiscal.

A propósito:

Art. 916. No prazo para embargos, reconhecendo o crédito do exequente e comprovando o depósito de trinta por cento do valor em execução, acrescido de custas e de honorários de advogado, o executado poderá requerer que lhe seja permitido pagar o restante em até 6 (seis) parcelas mensais, acrescidas de correção monetária e de juros de um por cento ao mês.

(…)

§ Deferida a proposta, o exequente levantará a quantia depositada, e serão suspensos os atos executivos.

Portanto, não se confundindo os valores constantes em conta judicial de uma poupança do devedor, mas de pagamentos sucessivos ao exequente do processo, a conjugação dos artigos 334 do Código Civil e 916 do Código de Processo Civil implicaram na impossibilidade no desvio dos valores ao juízo do trabalho, visto que no momento de cada depósito judicial a titularidade dos valores transferiu-se do devedor ao exequente.

O que vocês acharam dessa decisão?

Comentem aqui!

 

Ementa do julgamento citado no texto:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. DEVEDOR QUE EFETUOU PAGAMENTO DA DÍVIDA FISCAL EM DEPÓSITOS JUDICIAIS SUCESSIVOS MEDIANTE ACORDO HOMOLOGADO PELO JUÍZO. DECISÃO AGRAVADA QUE DETERMINOU QUE O SALDO EM CONTA FOSSE PARCIALMENTE RATEADO ENTRE CREDORES DE CRÉDITOS TRABALHISTAS COM PENHORAS EFETIVADAS NO ROSTO DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE. EFICÁCIA LIBERATÓRIA DO PAGAMENTO JUDICIAL. ARTIGOS 334 E 916 DO CÓDIGO CIVIL. VALORES QUE FORAM DEPOSITADOS EM JUÍZO A TÍTULO DE PAGAMENTO E QUE DESDE O ATO PERTENCEM AO MUNICÍPIO CREDOR. PREFERÊNCIA LEGAL QUE DETERMINA A DISTRIBUIÇÃO DE CRÉDITOS CONTEMPORÂNEOS E PROSPECTIVOS DO DEVEDOR SOBRE PROVEITOS ECONÔMICOS OU SOBRE O PRODUTO DE BENS PENHORADOS. NORMA LEGAL QUE NÃO LIMITA O PAGAMENTO VOLUNTÁRIO OU A ORDEM DISCRICIONÁRIA DE PAGAMENTOS PELO DEVEDOR SOLVENTE. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

(TJPR – 3ª Câmara Cível – 0066594-09.2022.8.16.0000 – Mandaguari – Unânime – J. 03.04.2023)

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Thierry Kotinda
Mestre em Direitos Fundamentais e Democracia e Graduado em Direito pelo Centro Universitário do Brasil – UniBrasil; Especialista em Direito Aplicado pela Escola da Magistratura do Estado do Paraná – EMAP; Membro Efetivo do Instituto Paranaense de Direito Processual – IPDP; Assessor de Desembargador no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná; Professor nos Cursos de Graduação do Gran Centro Universitário - Gran Faculdade, em Curitiba/PR.

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