A inconstitucionalidade da limitação de vagas femininas em Concurso Público da Polícia Militar
Conforme estabelece a parte final do parágrafo 3º do artigo 39 da Constituição da República, em concursos públicos a lei pode estabelecer requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir.
Com amparo na referida norma constitucional, o Estado de Minas Gerais editou a Lei 22.415/2016 e estabeleceu em seu artigo 3º que o número de militares do sexo feminino será de até 10% do efetivo previsto nos Quadros de Oficiais, nos Quadros de Praças da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar e no Quadro de Oficiais Complementares da Polícia Militar.
A referida limitação ao ingresso de mulheres na Polícia Militar e Corpo de Bombeiros Militar é manifestamente inconstitucional por violar o princípio da isonomia (art. 5º, I, CR), o objetivo fundamental de promoção do bem de todos, sem preconceito de sexo (art. 3º, IV) e o direito social que proíbe a diferença de critério de admissão por motivo de sexo (art. 7º, XXX, CR).
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais acolheu o incidente 1.0000.20.047368-4/003 para declarar a inconstitucionalidade do referido dispositivo da legislação estadual.
Não obstante o julgamento do incidente de arguição de inconstitucionalidade tenha ocorrido em 30/08/2022, até o momento o Estado de Minas Gerais tem insistido na aplicação da norma inconstitucional, o que tem levado candidatas do concurso para ingresso na Polícia Militar de Minas Gerais a ingressarem em juízo para ver garantido o seu direito de participar do certame em igualdade com os candidatos do sexo masculino.
O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, no julgamento do agravo de instrumento 1.0000.23.018928-4/002, negou provimento ao recurso para manter a decisão de primeiro grau que concedeu à autora a tutela provisória determinando que o ente federativo estadual convoque a candidata para o próximo curso de formação de oficiais da PMMG, com prioridade em relação aos novos aprovados.
A autora foi aprovada fora do número de vagas previsto no edital, contudo, iniciou-se a chamada dos candidatos excedentes, sem que o Estado de Minas Gerais tenha observado a ordem geral de classificação, chamando candidatos do sexo masculino com pontuação inferior à da autora.
Entendeu o Tribunal Mineiro que restou comprovada a probabilidade do direito porquanto:
a) a limitação da participação feminina em concursos da Polícia Militar já foi declarada inconstitucional pelo TJMG e pelo STF;
b) a autora foi aprovada fora do número de vagas previsto no edital e, por isso, tem mera expectativa de direito à nomeação, salvo comprovada preterição;
c) a convocação de candidatos do sexo masculino com pontuação inferior à da autora configura preterição da aludida candidata, a qual passa a ter direito à nomeação.
Eis a ementa do referido julgado:
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO ORDINÁRIA – CONCURSO PÚBLICO – POLÍCIA MILITAR DE MINAS GERAIS – EDITAL DRH/CRS Nº 09/2021 – CANDIDATA APROVADA FORA DO NÚMERO DE VAGAS – CHAMAMENTO DE EXCEDENTES DO SEXO MASCULINO COM PONTUAÇÃO INFERIOR À DA AUTORA – PREVISÃO EDITALÍCIA LIMITANDO A PARTICIPAÇÃO FEMININA A 10% DAS VAGAS – ARTIGO 3º DA LEI ESTADUAL Nº 22.415/2016 – INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA – DECISÃO QUE CONSIDEROU ILEGAL A PRETERIÇÃO DA CANDIDATA – MANUTENÇÃO – NECESSIDADE – INEXISTÊNCIA DE PROBABILIDADE DO DIREITO – RECURSO NÃO PROVIDO. 1. Nos termos do que decidido por este e. Tribunal de Justiça quando do julgamento da Arg. Inconstitucionalidade nº 1.0000.20.047368-4/003, é inconstitucional, por injustificadamente discriminatório e preconceituoso, o dispositivo da Lei estadual nº 22.415/2016, que limita de antemão o percentual do efetivo feminino na Polícia Militar de Minas Gerais, partindo apenas do pressuposto da diferença biológica, porquanto consabido que a corporação não tem por atividade precípua o só emprego de força física, empregando para suas finalidades outras tantas ações de prevenção, de inteligência e policiamento ostensivo, para os quais não apenas útil, mas indispensável a diversidade”. 2. Restando demonstrado nos autos que foram convocados candidatos excedentes com pontuação inferior à da agravada e que o edital limita a participação feminina amparado, tão somente, no artigo 3º da Lei Estadual nº 22.415/16, declarado inconstitucional pelo Órgão Especial, de rigor a manutenção da decisão que determinou a matrícula da agravada no próximo curso de formação de oficiais da Polícia Militar de Minas Gerais. 3. Recurso não provido. Decisão mantida. (TJMG – Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.23.018928-4/002, Relator(a): Des.(a) Júlio Cezar Guttierrez, 6ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 12/12/2023, publicação da súmula em 15/12/2023)
No caso apreciado pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais a candidata do sexo feminino vinha sendo preterida em relação aos candidatos do sexo masculino com fundamento no artigo 3º da Lei Estadual 22.415/2016, já declarado inconstitucional pelo Órgão Especial do Tribunal Mineiro.
O agravante afirmou em sua minuta de agravo que a limitação de percentual de candidatos do sexo feminino possui previsão legal expressa, não podendo a Administração Pública desviar-se do princípio da legalidade. Todavia, deslembrou o recorrente do julgamento que declarou a inconstitucionalidade da referida norma.
O julgado revela a importância de continuarmos buscando a efetivação da desejada igualdade entre gêneros, pois, a proibição constitucional de discriminação em razão do sexo não impediu que o Estado de Minas Gerais editasse norma inconstitucional.
E, pior, a decisão judicial que declarou a inconstitucionalidade da norma não barrou o ente estadual de continuar aplicando lei, que ofende abertamente o texto constitucional.