Possibilidade de anulação do ato de titulação de terra devoluta após a transferência da propriedade a terceiro de boa-fé
As chamadas terras devolutas são entendidas como os imóveis que não se encontram sob o domínio de qualquer particular a qualquer título e não destinados a qualquer utilização pública.
São pertencentes à União as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e construções militares, das vias federais de comunicação e à preservação ambiental (art. 20, II, CR). De forma residual, pertencem aos Estados as terras devolutas não compreendidas entre as da União (art. 26, IV, CR).
No âmbito do Estado de Minas Gerais, a Lei Estadual 11.020/1993, que dispõe sobre as terras públicas e devolutas estaduais, prevê em seu artigo 14 as formas de alienação ou de concessão de terra devoluta, estando entre elas a chamada alienação por preferência, cujos requisitos estão previstos nos artigos 18 e 19 da referida norma estadual.
Cediço que o ato administrativo de concessão de terra devoluta, se eivado de vício que o torne ilegal, pode ser anulado pela Administração Pública com fundamento no seu poder de autotutela (Súmulas 346 e 473 do STF).
Assim, quando anulado o ato de titulação da terra devoluta, também deverá ser anulado o respectivo registro do título imobiliário, não sendo relevante a existência de terceiro adquirente de boa-fé.
O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, no julgamento da apelação 1.0627.11.000373-8/001, rejeitou a preliminar de cerceamento de defesa e negou provimento ao recurso mantendo a sentença de procedência da ação anulatória de domínio e de registro imobiliário.
Referida ação foi ajuizada pelo Estado de Minas Gerais contra o beneficiado pela alienação por preferência de terra devoluta e o adquirente do imóvel por contrato de compra e venda.
Entendeu o Tribunal Mineiro que:
a) A Administração Pública pode anular o ato administrativo de concessão de terra devoluta quando demonstrado vício de ilegalidade no ato de titulação;
b) a aquisição do imóvel por terceiro de boa-fé não impede a anulação do ato administrativo.
Eis a ementa do referido julgado:
Apelação cível – Ação anulatória de domínio e de título de registro imobiliário – Terra devoluta – Alienação por preferência – Lei estadual 11.020, de 1993 – Anulação do ato de titulação – Poder de autotutela – Aquisição do imóvel por terceiro de boa-fé – Convalidação do ato – Impossibilidade – Recurso desprovido. 1. Nos termos do artigo 18, da Lei Estadual 11.020, de 1993 “aquele que tornar economicamente produtiva terra devoluta estadual e comprovar sua vinculação pessoal à terra terá preferência para adquirir-lhe o domínio, até a área de 250 ha (duzentos e cinquenta hectares), contra o pagamento do seu valor, acrescido dos emolumentos”. 2. Comprovada a alienação de terra devoluta sem o preenchimento dos requisitos legais, em razão de informações inverídicas prestadas pelos interessados, é juridicamente admissível sua anulação e o retorno da área em benefício da população. 3. A aquisição do imóvel por terceiro de boa-fé não convalida o ato eivado de ilegalidade, o que reclama a restituição de sua posse em favor do patrimônio público. (TJMG – Apelação Cível 1.0627.11.000373-8/001, Relator(a): Des.(a) Marcelo Rodrigues, 2ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 09/03/2023, publicação da súmula em 15/03/2023)
No caso apreciado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, após a concessão da terra devoluta, o Estado de Minas Gerais teve conhecimento mediante denúncia de que o beneficiado com a titulação não preenchia o requisito legal do exercício da posse, além de ter alienado o imóvel a terceiro pouco depois da aquisição da propriedade.
Diante disso foi anulado o ato alienação da terra devoluta por preferência e requerida a anulação do registro imobiliário, razão do inconformismo do terceiro de boa-fé que adquiriu onerosamente o bem mediante a celebração de contrato de compra e venda.
Contudo, conforme disposição expressa do parágrafo único do artigo 1.247 do Código Civil, “cancelado o registro, poderá o proprietário reivindicar o imóvel, independentemente da boa-fé ou do título do terceiro adquirente”.
Isso apenas reforça a importância de uma investigação imobiliária antes da aquisição de qualquer imóvel.