Reflexões sobre a exclusão de sócio por falta grave.
A exclusão de sócio em sociedades empresárias limitadas poderá se dar de duas maneiras: i) judicial; ii) extrajudicial. Esta última tem cabimento quando houver previsão no contrato social, consoante redação do artigo 1085 do Código Civil.
Entretanto, em ambos os casos existe o termo jurídico indeterminado “atos de inegável gravidade”, para hipótese e exclusão extrajudicial, ou “falta grave”, para a hipótese de exclusão judicial. As expressões, embora representadas pelo vernáculo de formas distintas, representam a mesma ideia: o sócio excluendo deverá ter praticado algum ato do qual possa resultar ou expor em sério risco a continuidade societária.
A rigor, pela teoria geral dos contratos, estamos diante da resolução do contrato social (contrato de sociedade) em relação a um sócio que, por sua conduta, põe em risco a continuidade das atividades econômicas.
É importante, todavia, tecer algumas considerações que me parecem pertinentes para os limites dessa coluna. A primeira é que o dano não é elemento da causa de pedir para requerer a exclusão, uma vez que a potencialidade do dano já é suficiente para possibilitar o pleito.
De fato, dano é pressuposto para indenização nos termos da teoria da responsabilidade civil, mas não para ilícito, conforme se compreende modernamente. Não seria, inclusive, lógico esperar que ocorressem danos para, só após, pedir judicialmente a exclusão do sócio que, pela conduta gravosa, põe em risco a continuidade da empresa. Pense-se, a respeito, por exemplo, do sócio que intenta praticar concorrência desleal e, para tanto, está em atos preparatórios para iniciar a nova atividade empresarial com o potencial desvio de clientela. Não seria, nesse caso, razoável aguardar a ocorrência do dano para, posteriormente, a sociedade requerer a exclusão desse sócio. A potencialidade real, portanto, já é suficiente.
Com efeito, meus caros, o dano não é requisito para se pedir a exclusão judicial. Igual raciocínio aplica-se à exclusão extrajudicial, mas com maior atenção às garantias do devido processo material, a fim de que, depois, seja possível o eventual controle de legalidade do ato pelo Poder Judiciário. Cumpre sublinhar que ao Judiciário caberá analisar os pressupostos fáticos da ocorrência da falta grave, mas não o juízo de conveniência e oportunidade da deliberação realizada pela sociedade – através do sócios – sobre a exclusão.
Veja-se que, nessa hipótese, ao Poder Judiciário compete simplesmente verificar se as garantias legais de defesa extrajudicial (mediante correta convocação e delimitação do assunto, por exemplo), além de concretude fática ocorreram, sob pena de, ao inexistir esse controle, fomentar disputas oportunistas e arbitrárias em função da desinteligência dos sócios.
Deve-se, contudo, ressalvar que, embora possa ter havido, em algum caso concreto, a falta grave cometida por algum sócio, a sociedade poderá deliberar pela sua não exclusão, por motivos os mais diversos. Pense-se na possibilidade, por exemplo, de o sócio que cometeu falta grave ter excelente reputação comercial, ou relacionamento com clientes estratégicos ou ainda ser ele necessário à manutenção de determinados contratos lucrativos para a sociedade. Por isso, não necessariamente a ocorrência de faltas graves acarretam, ipso facto, a exclusão do sócio, uma vez que depende da propositura da ação de exclusão ou deliberação extrajudicial, conforme a hipótese concreta.
Outro aspecto digno de nota é que para viabilizar a exclusão a falta grave deverá ser atual, de modo que não se pode tolerar condutas oportunistas em decorrência do longo lapso temporal decorrido entre a prática do ato gravoso e a manifestação da sociedade para excluí-lo dos quadros societários. Nesse contexto, vislumbra-se a possibilidade do perdão (rectius, renúncia) pelos atos praticados pelo sócio, ou mesmo proibição do venire contra factum proprium. É que se os demais sócios tem ciência da ilicitude praticada e não agem é porque entende-se que a prática não é gravosa suficiente a fundamentar a exclusão dos quadros societários.
O entendimento acima esposado deverá ser lido com algum temperamento, já que é possível ocorrer de os demais sócios necessitarem de algum tempo para refletir a respeito da pertinência – em vistas do interesse social – da exclusão do sócio. Dessa forma, em função de inexistir na legislação lapso temporal objetivo para que haja a manifestação de vontade dos sócios no sentido de requerer a eventual exclusão daquele que praticou falta grave, proponho que o momento adequado para manifestação a respeito da matéria seja na assembleia ordinária seguinte ao conhecimento do fato.
Realmente, ao menos uma vez no ano os sócios se reúnem em assembleia ordinária para, entre outros assuntos, aprovar as contas dos administradores e, nesse momento de convocação, poderá ser incluído em pauta de assembleia extraordinária o eventual cometimento de falta grave, para que, na ocasião, delibere-se a respeito mediante, inclusive, possibilidade de exercício do contraditório.
Seja como for, a matéria é rica em detalhes e somente a prática contenciosa forense e consultiva poderão fornecer subsídios para análise do caso concreto com vistas a se obter a melhor solução.
Um abraço a todos.
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