Não somos os únicos, mas enquanto operadores do direito certamente estamos entre os profissionais que mais leem. Porque é preciso entender o que disse o legislador, ou como decidiu o tribunal; é preciso acompanhar o raciocínio empregado pela parte adversa, por qual razão aquele doutrinador disse o que disse. Então, sim, estamos cercados de produções técnicas, com as quais dialogamos a partir de uma perspectiva instrumental legítima, afinal, são esses textos que nos permitem conhecer e aplicar o direito. E para além disso?

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No primeiro semestre da Faculdade, meu Professor de Introdução ao Estudo do Direito anunciou à turma – que em sua maioria recebera uma nota desagradável – que se aprende a escrever lendo Machado de Assis; os livros técnicos nos ensinam, com o perdão do pleonasmo, a técnica. Miguel Reale tem muito a ensinar sobre as lições introdutórias, mas os melhores professores de escrita são os que fazem dela arte.

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Afora nos aproximar da escrita, as obras de ficção descortinam realidades que, de outro modo, seriam estranhas a nós. Podemos acompanhar a espiral de ciúmes de Otelo; conhecer a paupérrima realidade da Rússia de Raskólnikov; tocar na aridez do sertão cômico criado por Suassuna para dar vida a Quaderna; e tudo isso sem jamais conseguir responder, com exatidão, se Capitu traiu ou não Bentinho. É possível experimentar a complexidade de muitas vidas e entender que as diferenças são inerentes à nossa condição humana.

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Nesta coluna vamos propor um exercício um pouco diferente e buscar promover a literatura como forma de melhor desenvolver o profissional que tem o direito como profissão. Primeiro porque “ler é protestar contra as insuficiências da vida” (LLOSA, Mario Vargas. Elogio da leitura. São Paulo: Editora Simonsen, p.19). Em seguida, porque “não obstante o fato de o direito e a literatura operarem em universos distintos, ambas as disciplinas encontram-se em potencial convergência, visto que têm de lidar inevitavelmente com a interpretação” (TRINDADE, André Karam; GUBERT, Roberta Magalhães. Direito e Literatura: aproximações e perspectivas para se repensar o direito. In: Direito& literatura: reflexões teóricas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 16 e 17). Sintam-se todos convidados.