STJ – Limitações à Negociação Processual – REsp nº 1.810.444
É válido o negócio jurídico processual que, por hipótese de inadimplemento contratual, estabelece que a constrição sobre o patrimônio do devedor (bloqueio de ativos financeiros para fins de arresto e penhora) ocorrerá sem a sua prévia oitiva (postergação do contraditório) e dispensando o credor de prestar qualquer garantia?
A matéria foi analisada pela 4ª turma do STJ ao julgar o REsp de nº 1.810.444 – SP (2018/0337644-0), da relatoria do Ministro Luiz Felipe Salomão, em fevereiro de 2021. Seguindo o voto do relator, o colegiado entendeu que o referido negócio era inválido. Chamou a nossa atenção os dois fundamentos adotados ao juízo de invalidação, a saber: i) o negócio processual teria por objeto situação jurídica de titularidade do magistrado, porque atinente ao poder geral de cautela; ii) por malferir o contraditório, a convenção processual teria colocado o devedor em situação de vulnerabilidade.
Segue a ementa do julgado para conhecimento:
RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. LIBERDADE NEGOCIAL CONDICIONADA AOS FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS. CPC/2015. NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL. FLEXIBILIZAÇÃO DO RITO PROCEDIMENTAL. REQUISITOS E LIMITES. IMPOSSIBILIDADE DE DISPOSIÇÃO SOBRE AS FUNÇÕES DESEMPENHADAS PELO JUIZ. 1. A liberdade negocial deriva do princípio constitucional da liberdade individual e da livre iniciativa, fundamento da República, e, como toda garantia constitucional, estará sempre condicionada ao respeito à dignidade humana e sujeita às limitações impostas pelo Estado Democrático de Direito, estruturado para assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais e a Justiça. 2. O CPC/2015 formalizou a adoção da teoria dos negócios jurídicos processuais, conferindo flexibilização procedimental ao processo, com vistas à promoção efetiva do direito material discutido. Apesar de essencialmente constituído pelo autorregramento das vontades particulares, o negócio jurídico processual atua no exercício do múnus público da jurisdição. 3. São requisitos do negócio jurídico processual: a) versar a causa sobre direitos que admitam autocomposição; b) serem partes plenamente capazes; c) limitar-se aos ônus, poderes, faculdades e deveres processuais das partes; d) tratar de situação jurídica individualizada e concreta. 4. O negócio jurídico processual não se sujeita a um juízo de conveniência pelo juiz, que fará apenas a verificação de sua legalidade, pronunciando-se nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou ainda quando alguma parte se encontrar em manifesta situação de vulnerabilidade. 5. A modificação do procedimento convencionada entre as partes por meio do negócio jurídico sujeita-se a limites, dentre os quais ressai o requisito negativo de não dispor sobre a situação jurídica do magistrado. As funções desempenhadas pelo juiz no processo são inerentes ao exercício da jurisdição e à garantia do devido processo legal, sendo vedado às partes sobre elas dispor. 6. Recurso especial não provido. (STJ – REsp: 1810444 SP 2018/0337644-0, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 23/02/2021, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 28/04/2021).