Razão de decidirTJPE

Concurso Público: É possível a remarcação de teste de aptidão física (TAF) para candidato acometido do novo Coronavírus (COVID-19)?

 

Esse caso interessante foi julgado pela 1ª Câmara de Direito Público do TJPE, e envolve pleito de remarcação de teste de aptidão física (TAF) em concurso para provimento de cargo efetivo, em favor de candidato acometido do Novo Coronavírus.

 

A pretensão exige ponderação entre os reflexos de uma doença (COVID-19) – que justificou uma série de medidas excepcionais em âmbito mundial, uma vez que deflagrada uma Pandemia que acometeu diversos países – e o precedente de observância obrigatória (CPC, art. 927, inciso III), Tema n. 335 da Repercussão Geral do Supremo Tribunal Federal – STF.

 

Uma breve síntese do caso para o leitor: Em concurso para provimento de cargo público de agente de Polícia Penal de Pernambuco, um candidato – alegando ter contraído o novo Coronavírus – não obteve êxito administrativo na remarcação do TAF. Assim, submetido ao teste físico, o concorrente foi reprovado na prova de natação, sendo eliminado do certame. Irresignado, o candidato ajuizou a ação aduzindo direito à remarcação do teste físico, considerando estar acometido de COVID-19.

 

O autor/recorrido sustentou que – em razão da referida moléstia ter justificado a adoção de uma série de medidas excepcionais no curso de uma Pandemia – o caso revelaria uma distinção (distinguishing) apta a afastar a tese vinculante de que veda o rearranjo de data para realização do TAF em virtude de circunstâncias pessoais do candidato (TEMA n. 335 do STF). A tutela provisória foi, inicialmente, deferida pelo Juízo de Direito, porém a decisão singular foi desafiada por meio de Agravo de Instrumento, interposto pela Comissão Externa do Certame, no caso: o Instituto de Apoio à Fundação Universidade de Pernambuco – IAUPE.

 

A Corte Pernambucana precisou sopesar se, no caso concreto, havia razões que justificassem a elisão de um precedente de observância obrigatória. À saída, vejamos os temas vinculantes, aprovados no c. Pretório Excelso (STF), que envolvem o direito à remarcação do TAF em Concurso Público.

 

TEMA n. 335 da Repercussão Geral: “Inexiste direito dos candidatos em concurso público à prova de segunda chamada nos testes de aptidão física (TAF), salvo contrária disposição editalícia, em razão de circunstâncias pessoais, ainda que de caráter fisiológico ou de força maior, mantida a validade das provas de segunda chamada realizadas até 15/5/2013, em nome da segurança jurídica”. (STF – Leading Case: RE n. 630733/DF, Rel: Min. GILMAR MENDES, Plenário, Julg: 16/05/2013).

 

TEMA n. 973 da Repercussão Geral: “É constitucional a remarcação do teste de aptidão física de candidata que esteja grávida à época de sua realização, independentemente da previsão expressa em edital do concurso público”. (STF – Leading Case: RE n. 1058333/PR, Rel: Min. LUIZ FUX, Plenário, Julg: 22/08/2020).

 

Com isto, é possível afirmar: salvo (i) a hipótese de remarcação para gestantes (TEMA n. 973 da Repercussão Geral) ou (ii) previsão contrária no Edital, a regra é no sentido de que inexiste direito à remarcação do Teste de Aptidão Física (TAF) em razão de circunstâncias pessoais do candidato (TEMA n. 335 da Repercussão Geral).

 

Para dirimir a controvérsia, denota-se que o órgão fracionário do TJPE adotou – como premissa de base – casos análogos, julgados monocraticamente por Magistrados do e. Superior Tribunal de Justiça – STJ. Em síntese, os Ministros do Tribunal da Cidadania (STJ) reiteraram a tese aprovada no Tema n. 335 do STF, sendo desinfluente o fato de o candidato estar acometido pela COVID-19. É assim:

 

“Salvo se existir previsão contrária no Edital do concurso, não configura conduta abusiva ou ilegal da Administração a proibição de remarcação do teste de aptidão física (TAF) em virtude de circunstância pessoal do candidato, sendo irrelevante o fato de ele estar acometido do novo Coronavírus (COVID-19)”.

 

Essas foram as vozes encartadas pelos Ministros SÉRGIO KUKINA, no RMS n. 69.167, e MANOEL ERHARDT (Desembargador Convocado do TRF5), nos RMS n. 68.565 e RMS n. 68.565.

 

Nessa contextura, os Desembargadores da 1ª Câmara de Direito Público concluíram pela inexistência de distinguishing, declarando que a decisão do 1º Grau de Jurisdição foi proferida na contramão do Tema n. 335 do STF, o qual é precedente de observância obrigatória, motivo pelo qual compreenderam presente o primeiro requisito para reversão da decisão liminar: a probabilidade do direito (ou fumus boni iuris), cf. CPC, art. 995.

 

De outro lado, assentaram não ser razoável forçar a Administração a pagar profissionais para o refazimento de etapas do Teste Físico, notadamente em razão de a situação reportada nos autos estar desamparada de indícios da probabilidade do direito alegado. Daí porque, manter a decisão acarretaria o irreversível dispêndio de verba pública a ensejar risco de dano ou lesão de difícil ou incerta reparação (periculum in mora).

 

Nesta pisada, compreendendo cumulativamente presentes os requisitos para reversão da medida liminar, deu-se provimento ao recurso instrumental (AI), em ordem a sobrestar (rectius: substituir) a decisão proferida pelo Juízo a quo.

 

Dados do processo interpretado já formatados para citação:

 

(TJPE – Agravo de Instrumento n. 0016052-23.2022.8.17.9000, Rel. Des. JORGE AMÉRICO PEREIRA DE LIRA, 1ª Câmara de Direito Público, decisão unânime).

 

Ementa do processo interpretado:

 

EMENTA. CONCURSO PÚBLICO. CANDIDATO DIAGNOSTICADO COM O NOVO CORONAVÍRUS (COVID-19). CIRCUNSTÂNCIA PESSOAL DO CANDIDATO. REMARCAÇÃO DO TESTE DE APTIDÃO FÍSICA (TAF). IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DOS TEMAS 335 E 973 DA REPERCUSSÃO GERAL DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – STF. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO.

1. Cuida-se de Agravo de Instrumento interposto com o objetivo de infirmar os termos de decisão interlocutória que deferiu o pedido de remarcação do Teste de Aptidão Física – TAF para candidato acometido pelo novo Coronavírus (COVID-19), autorizando a consequente participação do candidato nas fases posteriores do concurso.

2. O recurso merece prosperar, sendo o caso de ratificação da decisão que concedeu a tutela recursal. Como cediço, salvo (i) a hipótese de remarcação para gestantes (TEMA n. 973 da Repercussão Geral) ou (ii) previsão contrária no Edital, a regra é no sentido de que inexiste direito à remarcação do Teste de Aptidão Física (TAF) em razão de circunstâncias pessoais do candidato (TEMA n. 335 da Repercussão Geral).

3. Sobre o tema, as duas Turmas de Direito Público da e. Corte Superior de Justiça (STJ) têm acompanhado a orientação firmada no Supremo Tribunal Federal, com repercussão geral reconhecida (RE 630.733/DF – DJe 20.11.2013), no sentido de que inexiste direito à remarcação de provas em razão de circunstâncias pessoais dos candidatos, exceto se previsto em edital. Este é o caso dos autos. Precedentes: (i) STJ – RMS n. 69.167, Ministro Sérgio Kukina, DJe de 03/08/2022; (ii) STJ – RMS n. 68.565, Min. MANOEL ERHARDT [Desembargador Convocado do TRF5], DJe de 30/05/2022.

4. Ainda que o fato do candidato contrair o vírus da COVID-19 seja considerado um motivo de força maior, tal situação não autoriza a remarcação de teste de aptidão física ou segunda chamada, pois o edital do certame é claro ao estabelecer que não haverá segunda chamada aos candidatos seja qual for o motivo alegado. Precedente: STJ – RMS n. 68.565, Ministro Manoel Erhardt [Desembargador Convocado do TRF5], DJe de 29/04/2022.

5. Desta sorte, a decisão de piso vai na contramão do TEMA n. 335 da Repercussão Geral do c. STF e contraria a jurisprudência majoritária do e. Superior Tribunal de Justiça – STJ, razão pela qual exsurge a presença do primeiro requisito da tutela recursal: a probabilidade de provimento do recurso (fumus boni iuris). Lado outro, não parece razoável promover o gasto do erário (com pagamento de profissionais para o refazimento de etapas do teste físico – TAF) com vistas a resguardar uma situação de fato desamparada lastro jurídico/norma legal. Portanto, desponta daí o segundo requisito da medida liminar: risco de dano ou lesão de difícil/incerta reparação (periculum in mora).

6. Consoante a iterativa jurisprudência da e. Corte Superior de Uniformização da Legislação Infraconstitucional – STJ, a presença cumulativa (rectius: concomitante) dos requisitos da tutela recursal (v. CPC, art. 995, parágrafo único, art. 300 e art. 1.019, inciso I) deságua na concessão da medida liminar e, via reflexa, no desprovimento do recurso instrumental, cf. STJ – AgInt no TP n. 3.715/SC, relatora Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, julgado em 9/5/2022, DJe de 12/5/2022.

7. Agravo de Instrumento conhecido e provido, ratificando-se a tutela recursal. Decisão unânime.

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Irving William Chaves Holanda
Mestrando em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). Assessor de Desembargador perante o TJPE.

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