Temporada de furacões – Fernanda Melchor
Temporada de furacões, por Fernanda Melchor (trad. Antônio Xerxenesky)
Mundaréu, 216 páginas
Um livro apoteótico e brutal.
Em La Matosa a atmosfera recende à violência e à crueldade. Assim chegamos ao vilarejo: acompanhando a caminhada de garotos só de cuecas que se preparam para uma guerra de pedras quando encontram o cadáver apodrecido da Bruxa – entidade sombria e misteriosa que se debruça sobre todo o vilarejo como uma espécie de névoa. O que sucede à essa descoberta é a reconstituição dos eventos que culminaram no crime.
Parece simples, mas não é. Nem um pouco.
O maior trunfo de Melchor consiste não tanto no enredo, mas na forma como a história dessa morte é contada, com uma linguagem que não só promove, como se desenvolve no espiral caótico em que o texto é erguido. É uma experiência inquietante encarar capítulos de 20, 30, 50 páginas, sem nenhuma paragrafação e com pouquíssimos pontos para encerrar os períodos. A sensação que dá é que Melchor não hesita em atirar o leitor no furacão – e que esse movimento é, também ele, parte da violenta experiência de visitar La Matosa (ou talvez reflexo dela). O efeito é vertiginoso e poderosíssimo: é como se o leitor estivesse sempre nas lonas do ringue, tentando manter a guarda erguida, a despeito dos golpes que não param. Somente entre capítulos é que parece possível respirar. Nesses intervalos, a impressão é de que o furacão passou e podemos olhar em volta para enxergar toda a pobreza, toda a tristeza e desilusão das vidas de Luismi, Yesenia, Norma, Maurílio, Munra, Brando…
Trabalho fenomenal de Melchor (e uma tradução impecável de Xerxenesky)!
“A água não pode mais fazer nada contra vocês e o escuro não dura pra sempre. Viram só? A luz que brilha a distância? Aquela luzinha que parece uma estrela? Vocês precisam ir para lá, explicou; para lá está a saída deste buraco” (p. 208).