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A Economia no setor espacial

O lançamento do Sputnik I em 4 de outubro de 1957 chamou a atenção do mundo. Desde então, o espaço transformou a vida moderna. Anos após o Sputnik I, o Milênio Espacial: A Declaração de Viena sobre Espaço e Desenvolvimento Humano de 1999 incluiu precisamente o reconhecimento “de que mudanças significativas ocorreram na estrutura e no conteúdo da atividade espacial mundial”, conforme refletido no número crescente de participantes em atividades espaciais e a crescente contribuição do setor privado para a promoção e implementação de atividades espaciais.[1]

Os satélites direcionam e-mail, dados e outras comunicações para instrumentos fixos e móveis, e fornecem TV direto para residências e hotéis. Os sistemas de posicionamento global permitem saber exatamente onde estão as aeronaves, navios e veículos motorizados e ajudam na navegação. Com dispositivos de bolso –como celular, GPS, relógio- recebendo sinais de satélite, pode-se percorrer lugares desconhecidos com precisão e segurança.[2]

O sensoriamento remoto através de satélites oferece muitos benefícios. O clima é monitorado e previsões cada vez mais precisas são feitas. Tufões, ciclones, tornados e furacões são conhecidos às vezes com dias de antecedência. A saúde do oceano e os eventos climáticos como El Ninõ e La Niña são observados e melhor compreendidos. Monitora-se a pesca, o uso da terra, a agricultura, o desmatamento –como o avanço das queimadas na Amazônia e no Pantanal brasileiro-, a cobertura vegetal e a aridez. Padrões de migração de animais e pássaros foram descobertos. Desastres potenciais tornaram-se previsíveis como terremotos, por exemplo.[3]

O espaço também permitiu grandes desenvolvimentos na compreensão do Universo. Os principais planetas foram todos examinados. Esteve-se na Lua, robôs exploraram Marte. Os telescópios espaciais mostraram um pouco da beleza e da complexidade do –nosso- Universo. Teorias foram desenvolvidas, testadas, modificadas e às vezes abandonadas pelos astrônomos. O bilionário turismo espacial já é uma realidade.[4]

A maior parte das receitas da economia espacial são consideradas provenientes de serviços de satélite com USD 126,5 bilhões (45,6% da receita total). A segunda maior parcela das receitas consiste de dispositivos e chipsets para receber sinais de posicionamento com US $ 125,2 bilhões (45% da receita total); navegação e tempo com US $ 93,3 bilhões; equipamentos de consumo, como antenas de televisão por satélite com US $ 18,1. Em geral, esses setores são dominados por empresas de eletrônicos de consumo. Em comparação, as receitas de fabricação de sistemas espaciais são avaliadas em US $ 19,5 bilhões (7% da receita total), enquanto a indústria de lançamento comercial representa US $ 6,2 bilhões (2,2% da receita total), estas duas atividades são a base de todas as outras e estão sendo fortemente afetadas pela digitalização. [5]

O principal aumento nas receitas de 2014 a 2019 vem do forte desenvolvimento de equipamentos de consumo, impulsionado, principalmente, por equipamentos de posicionamento e navegação.[6] Isso previu que a navegação por satélite, dispositivos de posicionamento e cronometragem, poderiam crescer mais de 6% ao ano entre 2015 e 2020, antes de desacelerar gradualmente nos anos seguintes.[7]

Há muito hype[8] sobre o setor espacial e seu potencial comercial, muito além da fabricação espacial e dos lançadores espaciais. As principais empresas de consultoria e bancos de investimentos forneceram estimativas e previsões diferentes, o que é um exercício desafiador, já que a economia espacial engloba várias atividades e diferentes cadeias de valor. Um relatório de 2018 de uma empresa de investimentos, a Goldman Sachs, previu que a economia espacial chegaria a US $ 1 trilhão na década de 2040, enquanto o estudo do Morgan Stanley projetou uma economia espacial de US $ 1,1 trilhão na década de 2040. Um terceiro estudo do Bank of America Merrill Lynch tem a perspectiva mais otimista, prevendo o mercado crescer para US $ 2,7 trilhões no mesmo período.[9]

Entretanto, deve-se permanecer cauteloso nas projeções, uma vez que desacelerações podem ocorrer em selecionados mercados, como nas telecomunicações por satélite, nas navegação por satélite, nos mercados de posicionamento e cronometragem, devido à forte competição de novos sistemas terrestres que estão entrando em operação.[10] Além disso, os acidentes na infraestrutura espacial precisam ser levados em consideração em diferentes cenários.

Os investimentos estatais representam a maior parte do financiamento em atividades espaciais, chegando a quase US$ 75 bilhões em 2017, tomando por base 49 países com os maiores programas espaciais.[11] Os governos investem em capacidades espaciais para apoiar a segurança nacional a fim de serem capazes de mapear e monitorar recursos espaciais, e ainda, com motivações socioeconômicas e científicas de desenvolvimento de capacidades.[12] Isso porque realizar pesquisa aplicada e desenvolvimento experimental no setor espacial são capacidades com impactos importantes sob o controle governamental sobre o emprego e as habilidades de inovação pública para o setor espacial.

Países com programas espaciais deixaram de ser um grupo seleto, mas tornaram-se um grupo muito amplo de países desenvolvidos e em desenvolvimento com capacidades espaciais muito diversas. Em apenas uma década, o número de países com um satélite em órbita aumentou de 50 em 2008 para 82 em 2018.[13] Os satélites considerados são, obviamente, muito diferentes em suas características; entretanto, a possibilidade de ter um satélite em órbita, registrado na própria administração nacional, jamais foi tão acessível.[14]

Os investimentos privados em projetos espaciais são de difícil conhecimento; ainda assim, atualmente, evidências mostram grandes financiamentos de investidores anjos e de capital de risco em startups espaciais – envolvidas no desenvolvimento de software, inteligência artificial, realidade aumentada, sensores e veículos autônomos em particular -, e em empressas estabelecidas recentemente, embora os valores ainda sejam pequenos em relação ao financiamento estatal.[15] Algumas das empresas espaciais mais ativas são a Space X, Blue Origin, Airbus Ventures, Boeing HorizonX Ventures, Lockheed Martin Ventures, por exemplo.

As telecomunicações comerciais por satélite abriram caminho para o financiamento privado; nesse contexto, a maioria de suas operadoras tornaram-se empresas de capital aberto. Os satélites também desempenham um papel fundamental no fornecimento rápido de infraestrutura de comunicações para áreas carentes de infraestrutura terrestre, contribuindo para a ligação de áreas rurais e isoladas com centros urbanizados. Os investimentos de capital representaram cerca de US $ 3 a 3,25 bilhões em 2018. O número de transações de investimento também cresceu globalmente, de 200 negócios de investimento em 2011 para mais de 1.400 em 2017.[16] Recentemente, novos fundos da bolsa, que contêm vários tipos de investimentos, estão cada vez mais incluindo ações de empresas relacionadas com o espaço.[17]

 

Referências:

[1] SPACE Millennium: Vienna Declaration on Space and Human Development. Viena: Third United Nations Conference on the Exploration and Peaceful Uses of Outer Space, 1999. Disponível em: http:/www.unoosa.org/pdf/reports/unispace/viennadecIE.pdf. Acessado em: 21 de set. de 2020.

[2] LYALL, F.; LARSEN, P. B. Space Law: A treatise. 2 Ed. Nova Iorque: Routledge, 2018.

[3] Ibid.

[4] A NASA anunciou o envio e hospedagem de cidadãos à Estação Espacial Internacional (ISS) por empresas privadas. O valor é estimado em U$58 milhões por assento (pessoa) e U$35 mil a diária de hospedagem. Os foguetes de lançamentos que serão usados para o translado estão sendo desenvolvimentos pela Boeing, e as capsulas Crew Dragon estão sendo desenvolvidas pela SpaceX. GAVIOLLI, A. NASA anuncia turismo espacial para 2020 e revela preços de passagem e hospedagem. Disponível em: http:/www.infomoney.com.br/consumo/nasa-anuncia-turismo-espacial-para-2020-e-revela-preços-de-passagem-e-hospedagem/. Acessado em 28 de set. de 2020.

[5] BRYCE SPACE AND TECHNOLOGY. State of the Satellite Industry Report, Prepared for the Satellite Industry Association Washington DC, USA. Disponível em:<https://brycetech.com/reports/report-documents/SSIR-2019-2-pager.pdf>. Acessado em: 10 de setembro de 2020.

[6] THE TAURY GROUP. State of the Satellite Industry Reprt. Disponível em: <https://a3space.org/wp-content/uploads/2017/09/tauri-satellite.pdf>. Acessado em: 11 de setembro de 2020.

[7] LONDON ECONOMICS. Size & Health of the UK Space Industry. Disponível em: <https://assets.publishing.service.gov.uk/government/uploads/system/uploads/attachment_data/file/774450/LE-SHUKSI_2018-SUMMARY_REPORT-FINAL-Issue4-S2C250119.pdf>. Acessado em: 9 de setembro de 2020.

[8] O hype significa a grande promoção de ideia ou produto que geralmente dura um pequeno espaço de tempo, isto é, é um assunto que todos estão comentando.

[9] IATA. Industry Statistcs: December 2018. Disponível em: <https://www.iata.org/en/iata-repository/publications/economic-reports/airline-industry-economic-performance—december-2018—tables/>. Acessado em 10 de setembro de 2020.

[10] OECD. Space Sustainnability: The economics of space debris in perspective. OECD Publishing, París. Disponível em: <https://oecd-library.org/science-and-technology/space-sustainnalibility_a339de43-en>. Acessado em 10 de semtembro de 2020.

[11] OECD. The Space Economy in Figures: How Space Contribues to the Global Economy. OECD Publishing, París. Disponível em: <https://doi.org/10.1787/c5996201-en>. Acessado em 5 de setembro de 2020.

[12] SJAC. Japanese Space Industry Annual Survey Report: Fiscal Year 2016 Results. Society of Japanese Aerospace Companies, 2018. Disponível em: <http://www.sjac.or.jp/common/pdf/hp_english/JapaneseSpaceIndustryAnnualSurveyReport_FY2016.pdf>. Acessado em 5 de setembro de 2020.

[13] SJAC. Japanese Space Industry Annual Survey Report: Fiscal Year 2016 Results. Society of Japanese Aerospace Companies, 2018. Disponível em: <http://www.sjac.or.jp/common/pdf/hp_english/JapaneseSpaceIndustryAnnualSurveyReport_FY2016.pdf>. Acessado em 5 de setembro de 2020.

[14] OECD (2016). Space and Innovation. OECD Publishing, París. Disponível em: <https://dx.doi.org/10.1787/9789264264014-em>. Acessado em 8 de setembro de 2020.

[15] OECD. The Space Economy in Figures: How Space Contribues to the Global Economy. OECD Publishing, París. Disponível em: <https://doi.org/10.1787/c5996201-en>. Acessado em 5 de setembro de 2020.

[16] SPACE ANGELS. Space Investment Quarterly: Q4 2018. Disponível em: <https://www.spaceangels.com/post/space-investment-quarterly-q4-2018>. Acessado em 3 de setembro de 2020.

[17] CORRIDA ESPACIAL CHEGA À BOLSA. O Globo, 2019. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/economia/corrida-espacial-chega-bolsa-virgin-galatic-do-bilionario-richard-branson-vai-abrir-capital-este-ano-23793651>. Acessado em 15 de setembro de 2020.

Colunista

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Caroline Justino
Mestranda em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Vice-Presidente da Comissão de Direito Aeronáutico e Aeroportuário da OAB/PE. Membra do Grupo de Estudos de Direito Espacial da Universidade Católica de Santos (UniSantos). Advogada.

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