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Aula 02 – De um conceito de tutela jurisdicional para um conceito de tutela provisória – 2ª. parte

Na aula passada, dissemos que são inúmeros os interesses que levam alguém a buscar a tutela jurisdicional, a pleiteá-la, sendo, por isso, se não impossível, no mínimo inviável catalogá-los. Desse modo, para uma adequada compreensão do problema, é necessário sintetizar, reduzindo-os a categorias fundamentais, que, ao menos em boa medida, abranjam-nos.

Ou seja, tudo, numa maior ou numa menor medida, acabará sendo considerado ou uma coisa ou outra, ou de um tipo ou de outro tipo.

Então, nesse sentido, podemos ver a questão a partir de duas perspectivas:

i) a tutela jurisdicional quanto ao que ela consiste;

ii) a tutela jurisdicional quanto ao seu fim, ao que ela possibilita.

Noutras palavras seria dizer: a tutela jurisdicional quanto à sua forma (i) e quanto à sua finalidade (ii).

Basicamente, todos os interesses possíveis, todos verdadeiramente, podem ser sintetizados no que vamos falar aqui, quer quanto à forma da tutela, quer quanto à finalidade dela.

Quanto à forma, basicamente, a tutela jurisdicional pode ser entendida dos seguintes modos:

i) declaratória;

ii) constitutiva;

iii) condenatória;

iv) mandamental;

v) executiva.

Esses cinco modos tradicionalíssimos, que, de algum modo, todos já conhecem. O que necessitamos fazer aqui é apenas, digamos, uma devida contextualização. Essas chamadas eficácias são vistas quando estudamos, primeiramente, a teoria da ação e, depois, a sentença, a decisão. Elas seriam, enfim, eficácias da decisão.

E por que então falar que a própria tutela jurisdicional, por exemplo, é declaratória, não seria a decisão que é declaratória? Por que falar, como está posto acima, que a própria tutela jurisdicional é constitutiva, não seria a decisão que é constitutiva?

Sim, é a decisão que é constitutiva, é a decisão que é mandamental, é a decisão que é declaratória, é a decisão que é condenatória. No entanto, tutela jurisdicional e decisão, no fundo, são a mesma coisa ou, no máximo, são perspectivas diferentes do mesmo objeto. A decisão já é o resultado, o próprio resultado almejado; ela não só é um meio para o resultado. Pode não ser (em algumas situações, pode não ser) o último resultado, o fim último, aquilo que, de fato, se espera; só que ela apenas não será esse fim último, se este depender de outro sujeito que não seja o próprio tutelante, o próprio agente tutelante, vamos assim dizer, o próprio juiz. Isso vai acontecer quando se necessita (indispensavelmente) de um ato praticado por alguém que não seja o próprio juiz. E aí o máximo que o juiz pode fazer é forçar, dentro, digamos assim, dos meios permitidos, forçar esse cumprimento.

Quer dizer: não há como ele mesmo fazer esse cumprimento. O máximo que ele pode fazer é forçar. Por isso que, na prática, acabamos achando que a decisão não constitui em si um fim: é aquele dito famoso “ganhou, mas não levou”. Mas isso só ocorrerá em determinadas situações, em que, estritamente, esse ato depender de alguém, notadamente depender do réu, depender do destinatário da decisão, que há de cumpri-la.

Então, por exemplo, é óbvio que, se o caso envolve a necessidade de realização de algo, como, por exemplo, um caso de saúde, em que o autor, ao fim, quer fazer um procedimento cirúrgico, este não pode ser feito pelo juiz, o máximo que o juiz pode fazer é forçar, ao máximo possível, que isto seja feito. Mas, percebam aí, que o ato de forçar já é prestação de tutela jurisdicional, já é o que, de fato, se espera do juiz, o que de fato ele pode dar. Como é que não haveria aí tutela jurisdicional? Tutela jurisdicional é o ato do agente jurisdicional. E esse ato está aí, sim, efetivado.

Mesmo quando, posteriormente ao ato, à decisão, se faz necessária a prática de um outro ato do agente jurisdicional, vai se continuar a (ter de) ter a decisão como tutela. Por exemplo, o juiz determina a reintegração na posse, a reintegração na posse da coisa que está com o réu. Essa é uma decisão executiva. Mas se pode dizer assim: é necessário um ato posterior que, de fato, efetive essa reintegração! Claro, claro que é preciso um ato posterior, mas esse ato posterior existe porque a decisão em si só opera no plano do dizer. Ela não tem como alterar a realidade mesma da coisa, ela opera no nível da linguagem, e não no nível da realidade mesma. Isto é óbvio. Por isso que é necessário um outro ato, é necessária a expedição do mandado, é necessário cumprir o mandado. Mas, percebam, a expedição e o cumprimento são, no máximo, complementos da decisão proferida, como se fossem decisões complementares à primeira. Por isso que ele, o juiz, ordena, quando ele determina a reintegração de posse, ele ordena a expedição do mandado, há o cumprimento do mandado por um agente dele, alguém que é longa manus dele, como o oficial de justiça. E há, depois, a chancela, mesmo que tácita, do cumprimento do mandado, este irá retornar, e é como se juiz dissesse: “tudo ok, a decisão foi efetivada”. Mas tudo isso forma um todo único. Então, nesses casos, sem dúvida alguma, a decisão em si já é a própria tutela jurisdicional.

Portanto, podemos sintetizar todos os interesses possíveis nessas cinco categorias. Tudo, tudo, tudo. O que, às vezes, complica o entendimento é que não temos, em princípio, a dimensão de que, em verdade, quando se pede algo ao Estado, pede-se uma espécie de conjunto dessas eficácias, e não uma eficácia específica, uma eficácia específica puramente. No exemplo aí acima da reintegração de posse: a decisão em si é executiva, mas ela contém carga condenatória, porque reprova a conduta do réu, diz que ele praticou esbulho possessório; ela tem mandamentalidade, porque, por ela, se ordena a expedição do mandado por ser cumprido por quem tenha o poder de cumpri-lo; ela tem declaração, como qualquer decisão, no caso, declaração relevante: declara-se que o autor é o legítimo possuidor da coisa, é o dono.

Enfim, essas eficácias estão entrelaçadas, numa verdadeira estrutura lógica. Estrutura lógica porque há eficácias que decorrem de outras, que são consequências naturais de outras. Isso parece muito difícil, e de algum modo o é, mas a compreensão dessa estrutura, de como se desenvolvem essas eficácias nos faz enxergar a realidade de um modo totalmente diferente. Totalmente diferente. Passamos a perceber a coisa de outro jeito, fica tudo muito mais fácil. É como na análise sintática. Não estudamos, em gramática, análise sintática? Aquilo parece ser uma bobagem, mas, se bem compreendido, abre um tanto a nossa mente. É mais ou menos isso que acontece aqui: olhar cada tipo decisional, saber identificar essas eficácias e saber identificar como elas se relacionam.

Vamos tentar, na medida do possível, a partir de exemplos, sempre de exemplos, falar dessas eficácias. Por exemplo, vai chegar o ponto em que vou falar da “tutela provisória em ações declaratórias”, da “tutela provisória em ações constitutivas”. Tentarei explicar isso, e tentarei a partir de exemplos, bem próprios.

Talvez a maior das dificuldades dessas cinco aí seja a condenação. É difícil para muitos visualizarem uma decisão preponderantemente condenatória, ou, mais ainda, a condenação como uma tutela jurisdicional. Isso tem esteio, tem fundamento numa série de coisas. A principal delas – aviso que isso é uma hipótese minha-, mas a principal delas, historicamente, é a de que o mundo se monetarizou, as relações humanas acabam sendo, ao fim e ao cabo, relações econômicas ou convertendo-se em relações econômicas, e, mais que isso, relações econômicas monetarizadas. No fundo, tudo acaba transformando-se em dinheiro, no fundo o que acaba sendo o relevante é o dinheiro. Haja vista todo o debate – hoje muito arrefecido, mas que muito se travou – acerca da indenizabilidade não patrimoniais, acima de tudo, dos danos morais. Hoje, é lugar comum dizer que isso se faz mediante uma compensação em dinheiro. Mas, no fundo, está-se transformando a moral em dinheiro, a moral em ordem econômica, e ordem econômica monetarizada.

Então, muito difícil visualizar uma condenação por si. É muito difícil a necessidade, o interesse de se obter só pela condenação. Uma condenação só para dizer: “você agiu mal, você merece uma reprovação”. É muito difícil. Muito embora, ainda se veja, por exemplo, o seguinte: pessoas que entram com ações na Justiça para obter uma condenação de alguém e dispensam ou, até mesmo, dão uma destinação prévia ao dinheiro que obterão. Por exemplo, numa condenação à indenização por danos morais. Por quê? porque aí está se levando a condenação por si, o que se quer é isso. No (processo) penal isso é muito mais forte. No (processo) penal estamos habituados a entender que o fim último é o cumprimento da pena, o cumprimento da pena, especialmente, em restrição de liberdade. Há, digamos, uma necessidade das pessoas de verem isto. Todavia, o certo é que a condenação penal, por si, já é algo muito contundente à pessoa condenada, algo que, por si só, já diz muito. Certo?

Então, com calma, vamos vendo isso a partir de exemplos. O que quero, por ora, colocar aqui é que a tutela jurisdicional pode ser vista dessa perspectiva. Esses interesses podem ser sintetizados nessas cinco categorias ou, mais propriamente, no conjunto dessas categorias, com elas relacionando-se entre si e algumas delas, digamos assim, sendo a categoria última, o fim mesmo.

Na próxima aula, falaremos da tutela jurisdicional tendo em vista sua finalidade.

Até lá.

 

Colunista

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Roberto Campos
Doutor e Mestre em Direito Processual pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). Professor de Direito Civil e de Direito Processual Civil da Unicap. Ex-Presidente da Associação Brasileira de Direito Processual (ABDPro). Advogado e Consultor Jurídico.

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