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Ausência de prazo legal para submeter título aquisitivo de propriedade imobiliária a registro no fólio real

Para a transferência de propriedade em nosso ordenamento jurídico pode ou não ser exigido o registro público do título aquisitivo, a depender da natureza do bem – móvel (tradição) ou imóvel (registro), ou de exigência legal específica (princípio da especialidade), como ocorre com as aeronaves, bem móvel cuja propriedade somente será transferida após a inscrição do título no Registro Aeronáutico Brasileiro (RAB).

Em se tratando de bem imóvel, estabelece o artigo 1.245 do Código Civil que a propriedade será transferida mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis. O referido dispositivo legal é a base do conhecido brocardo “quem não registra não é dono”.

Assim, em posse do título aquisitivo – escritura pública de compra e venda, sentença judicial, carta de arrematação etc., o adquirente tem o direito potestativo de apresentá-lo perante o competente Ofício de Imóveis para a realização do registro (art. 167, I, Lei 6.015/1973).

Tratando-se de direito potestativo submete-se à decadência, todavia, inexistindo prazo decadencial expresso na legislação, o direito se perpetua no tempo, inexistindo termo final para apresentação do título no fólio real.

Entretanto, o adquirente, embora não tenha prazo máximo para apresentar o título para registro perante o Cartório de Registro de Imóveis, deve atentar-se para os riscos decorrentes da demora na apresentação.

Dentre os riscos consequentes da inércia do adquirente estão a alienação em duplicidade, a penhora do bem por dívida do alienante, o impedimento de venda posterior, o óbito do alienante com a abertura de sucessão e custos desnecessários, além de responder por eventuais prejuízos causados a terceiros de boa-fé.

Quanto à alienação em duplicidade – vendedor aliena o mesmo bem para terceiro, o risco está no fato de o terceiro antecipar-se e apresentar o seu título para registro.

Nos termos da legislação de regência, a ordem de registro observará a prioridade dos títulos prenotados, ou seja, será levado a registro o primeiro título apresentado na serventia imobiliária, observada a exceção em relação às escrituras lavradas no mesmo dia e que determinem, taxativamente, a hora da sua lavratura, quando prevalecerá a ordem de lavratura e não de prenotação (artigos 190 a 192 da Lei 6.015/1973).

O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, no julgamento do processo 1.0518.13.013446-4/001, rejeitou a prejudicial de “prescrição” e negou provimento ao recurso.

Entendeu o Tribunal Mineiro que:

a) não há previsão legal quanto a um prazo máximo para submeter um título a registro no fólio real;

b) não havendo o cancelamento do título, ele pode ser registrado a qualquer tempo, respeitados os princípios registrais da continuidade e especialidade;

c) inobstante a ausência de prazo, a parte interessada no registro poderá responder por prejuízos causados a terceiros de boa-fé.

Eis a ementa do referido julgado:

 

Apelação cível – Ação ordinária – Cancelamento de matrícula cumulado com reintegração de posse – Alegação de prescrição intercorrente em outra ação – Inadequação da via eleita – Prescrição para registrar título – Ausência de previsão legal – Requisitos do registro – Lei 6.015, de 1973 – Princípios da continuidade, obrigatoriedade e concentração – Compra e venda – rescisão – ausência de registro ou anotação sobre ação real na matrícula do imóvel – Negócio jurídico anterior à Lei 7.433, de 1985 e Decreto 93.260, de 1986 – Adquirente de boa-fé – Apelação a que se nega provimento. 1. A ação ordinária não é via adequada para exame da ocorrência de prescrição intercorrente em outra ação. 2. A lei não institui prazo para o adquirente de direitos realizar registro na matrícula do imóvel, não havendo que se falar em prescrição para a prática do ato, respeitados os requisitos da Lei dos Registros Públicos. 3. Considerando-se que ao tempo do negócio jurídico não vigia lei exigindo apresentação de certidões negativa de ações para lavratura de escritura de compra e venda, e que não houve registro ou anotação de ação real na matrícula do imóvel, resta configurada a boa-fé do adquirente.

(TJMG – Apelação Cível 1.0518.13.013446-4/001, Relator(a): Des.(a) Marcelo Rodrigues, 21ª Câmara Cível Especializada, julgamento em 15/03/2023, publicação da súmula em 20/03/2023)

 

No caso apreciado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, a matrícula imobiliária foi cancelada em sentença judicial prolatada no ano de 1980. A mesma matrícula foi restabelecida em decisão judicial terminativa no ano de 1985 e somente em 2004 a parte interessada apresentou o título para registro.

Em que pese o considerável lapso temporal entre a decisão de restabelecimento da matrícula e a sua apresentação para registro, entendeu a Corte Mineira que não há falar em perda do direito porquanto não há limite temporal previsto em lei para submissão de título aquisitivo de propriedade imobiliária no fólio real.

Por fim, importante destacar que não se deve confundir a ausência de prazo para a apresentação do título no Cartório de Registro de Imóveis com o prazo para a realização do registro pela referida serventia.

Ou seja, embora o adquirente do imóvel não tenha prazo legal para apresentar o seu título no fólio real, tão logo seja protocolizado o título, o registro deve ser realizado em dez dias, novo prazo previsto na Lei 14.382/2022, que alterou a Lei 6.015/1973.

 

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Glaucia Chiaradia
Mestre em Direito Empresarial. Assistente Judiciário (2009-2014) e Assessora Judiciária (2014 em diante) no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG).

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