Área jurídicaDireito à saúde: SUS e Planos de SaúdeSaúde

A paciente diagnosticada com endometriose tem direito de cobertura pelo plano de saúde do tratamento mais moderno e eficaz

Segundo dados do Ministério da Saúde, uma em cada dez brasileiras tem endometriose, e o diagnóstico é desafiador. Estima-se que 8 milhões de mulheres enfrentam endometriose no Brasil e em até 20% das mulheres a doença pode ser silenciosa.

Infelizmente, além de sofrer com os sintomas da doença, a mulher ainda enfrenta um longo caminho até chegar no diagnóstico correto.

As razões para essa demora no diagnóstico podem estar relacionadas ao fato de que muitas mulheres acreditam que suas dores e desconfortos são normais, pois pensam que nasceram para sentir isso mesmo, associado à falta de profissionais especializados no tratamento e cuidado eficaz da doença.

Existem dois tipos de tratamentos: os hormonais e os cirúrgicos.

Em alguns casos, a paciente diagnosticada com endometriose profunda não apresenta sucesso no controle clínico com medicamentos, precisando recorrer ao tratamento cirúrgico para controle definitivo dos seus sintomas. Inclusive, os medicamentos hormonais também devem ser fornecidos pelo plano de saúde, como a injeção Zoladex.

As técnicas cirúrgicas consistem em cauterização ou excisão (padrão ouro do SUS).

Os planos de saúde devem cobrir o tratamento cirúrgico prescrito para a paciente como sendo o mais eficaz para o seu caso. Não cabe à operadora decidir o tipo de tratamento que cobrirá, visto que esta decisão cabe ao médico. A cobertura deve ser nos termos da prescrição médica.

Assim, indicado o tratamento cirúrgico de excisão completa da endometriose através da técnica robótica, em razão de enormes ganhos no tratamento e na recuperação da paciente, havendo lesões profundas e em múltiplos compartimentos e sistemas, o plano de saúde é obrigado a custear.

As barreiras burocráticas dos planos de saúde não podem superar a autonomia médica, a dignidade da pessoa humana e o direito incontestável dos pacientes aos tratamentos mais modernos e eficazes.

Justamente por isso, o Judiciário, em sua maioria, tem entendido pelo dever dos planos de saúde custearem o tratamento para endometriose na forma prescrita pelo médico, independente de previsão no rol da ANS, como quando obriga o plano a garantir a cirurgia robótica ao invés da convencional, de menor custo.

Independente da previsão de cirurgia por técnica robótica no rol de procedimentos obrigatórios da ANS, se constar nos relatórios médicos a justificativa técnica para a sua prescrição, o plano de saúde é obrigado a custear. Em alguns casos, a técnica robótica é imprescindível para alcançar a cura da paciente, não havendo tratamento substituto igualmente eficaz e seguro já incorporado ao rol da ANS.

O entendimento de que o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar é, em regra, taxativo, restou superado com o advento da Lei nº 14.454/22, que introduziu o § 13 no art. 10 da Lei nº 9.656/98, alterando a Lei de Planos de Saúde, para consignar expressamente que o rol da ANS não é taxativo, segundo o qual a cobertura deverá ser autorizada pela operadora dos planos de saúde, desde que “exista comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico” (inciso I), ou que “existam recomendações pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), ou exista recomendação de, no mínimo, 1 (um) órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional, desde que sejam aprovadas também para seus nacionais” (inciso II).

A Resolução CFM nº 2.311/2022, embasada em evidências científicas, reforça as vantagens da técnica robótica, tanto para a paciente, quanto para o médico, tendo em vista a diminuição da perda de sangue, menor tempo de internação, cicatrizes menores devido a não necessidade de incisões amplas, redução da dor e da necessidade de medicação prolongada, recuperação mais rápida e com menos complicações, menor risco de infecção, redução da necessidade de procedimentos adicionais, melhor visualização, possibilidade de movimentos mecânicos com maior grau de liberdade, diminuição da fadiga ou tensão nas articulações devido ao design ergonômico do robô.

Inclusive, o TJSP em decisão recente reconheceu o dever de cobertura para cirurgia robótica no tratamento de endometriose:

PLANO DE SAÚDE – OBRIGAÇÃO DE FAZER – NEGATIVA DE CUSTEIO – Autora portadora de endometriose profunda, com “lesões profundas, e em múltiplos compartimentos e sistemas” – Indicação médica para realização da cirurgia com técnica robótica – Sentença de procedência – Recurso do autor com preliminar cerceamento de defesa – Alegação de necessidade de dilação probatória com a realização de perícia médica – Prova pleiteada desnecessária – Relatórios médicos juntados aos autos suficientes para julgamento da lide – Mérito – Reapreciação determinada em razão do julgamento dos EREsps nºs 1.886.929/SP e 1.889.704/SP – Excepcionalidade de cobertura para os casos em que inexiste substituto terapêutico eficaz já incorporado ao rol da ANS para o caso específico em questão – Preenchimento ademais, do requisito previsto no inciso do § 13 do art. 10 da Lei nº 9.656/98, alterada pela Lei nº 14.454/22 – Eficácia da técnica robótica respaldada pela Resolução CFM nº 2.311/2022, que reforça as vantagens da técnica robótica, tanto para a paciente, quanto para o médico – Caso em que a operadora de saúde deixou de indicar estabelecimento credenciado apto a realizar a cirurgia – Determinação excepcional de cobertura integral da cirurgia realizada no hospital e por profissional particular de livre escolha da beneficiária – Recurso da ré desprovido – MANTIDO O V. ACÓRDÃO OBJETO DE REEXAME, NOS TERMOS DO ART. 1.030, II, DO CPC.  (TJSP;  Apelação Cível 1112496-77.2022.8.26.0100; Relator (a): Angela Moreno Pacheco de Rezende Lopes; Órgão Julgador: 10ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 26/08/2024; Data de Registro: 26/08/2024).

Ademais, é sabido que, em regra, o tratamento deve ser realizado em prestadores credenciados à operadora de saúde, admitindo-se que o plano de saúde seja obrigado a arcar com a integralidade das despesas médico hospitalares fora da rede de forma excepcional, quando inexistentes estabelecimentos e profissionais credenciados aptos.

Portanto, os planos de saúde podem estabelecer quais doenças serão cobertas pelo contrato, mas não têm a prerrogativa de limitar o tipo de tratamento a ser aplicado, de modo que a negativa de um procedimento devidamente prescrito pelo médico, com evidências científicas de eficácia ao caso clínico da paciente demonstram que a negativa é abusiva. Entender de forma diversa importaria em desvantagem à beneficiária e feriria de forma direta o princípio da vulnerabilidade e o próprio objeto do contrato, qual seja, a proteção da saúde da paciente.

 

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Mariana Kozan
Pós-graduada em Direito Civil e Processo Civil. Bacharela em Direito pela Unioeste (2017). Capacitada em Planos de Saúde pela Escola de Direito da Saúde. Participante da Oficina de Formação em Biodireito, Bioética e Direitos Humanos da UFU. . Advogada atuante em direito da saúde, em defesa dos usuários do SUS e Planos de Saúde. Conciliadora no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná.

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