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A Regulamentação Jurídica da atuação das Big Techs no Ciberespaço Europeu: a (DSA) Digital Services Act e a (DMA) Digital Markets Act

Por Alexandre Freire Pimentel[1]

 

Em dezembro de 2020, em razão da difusão de discursos de ódio, incluindo incitações à violência e preconceitos nas redes sociais, o Parlamento Europeu aprovou a lei sobre serviços digitais (DSA – Digital Services Act), que estabelece novas regras jurídicas sobre a denominada ‘due diligence’, isto é, um padrão de cautela que deve ser observado por uma empresa ao firmar um acordo ou contrato com outra parte, ou, ainda, o exercício cuidadoso normalmente esperado de uma empresa no ato de contratar no universo digital.

A DSA impõe aos provedores dessas aplicações, isto é, aos que possuem mais de 45 milhões de usuários mensais na UE, o dever de proteger os usuários de conteúdos e bens ilegais nelas veiculados de maneira rápida, segura e eficaz. Por atingir diretamente as big techs norte-americanas, as regras da DSA, que passarão a vigorar em 2024, foram acusadas de serem normas jurídicas feitas contra os EUA.

As sanções estabelecidas na DSA são duríssimas, porquanto envolvem a previsão de multa de até 6% do faturamento mundial das aplicações de Internet por ela atingidas, assim como a proibição de operarem dentro da União Europeia na hipótese de reincidência.

No entanto, Ursula Gertrud von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, registrou a participação de representantes das big techs nos debates sobre a aplicação da DSA, que se apresenta como um marco histórico na proteção de dados pessoais, mas, sobretudo, no controle do poderio das grandes corporações da tecnologia, pois “[…] nossas novas regras protegerão os usuários online, garantirão a liberdade de expressão e oportunidades para as empresas”.[2]

Pertinentemente à Digital Services Act, o comissário para o mercado interno europeu, Thierry Breton, talvez com excesso de otimismo, consignou que “Com a DSA, o tempo das grandes plataformas online se comportando como se fossem ‘grandes demais para se importar’ está chegando ao fim”. E a vice-presidente executiva para uma Europa adequada à era digital, Margrethe Vestager, ao expor os objetivos e espectro de atuação dessa norma comunitária, esclareceu que:

Com a DSA, ajudamos a criar um ambiente online seguro e responsável. As plataformas devem ser transparentes sobre suas decisões de moderação de conteúdo, evitar que desinformação perigosa se torne viral e evitar que produtos inseguros sejam oferecidos nos mercados. Com o acordo de hoje, garantimos que as plataformas sejam responsabilizadas pelos riscos que seus serviços podem representar para a sociedade e os cidadãos.[3]

O debate é deveras oportuno para a realidade brasileira, pois o comportamento de algumas big techs, em relação à votação do PL n° 2338/2020- Senado Federal, durante a sua tramitação na Câmara dos Deputados, traduz um verdadeiro abuso de direito na comunicação social.

Houve registros na imprensa de que usuários do Twitter quedaram-se impedidos de publicar postagens favoráveis à aprovação do projeto, com as alterações procedidas na Câmara dos Deputados, o Google direcionava os seus milhões de usuários brasileiros a sítios favoráveis à reprovação do projeto, e em sua página de acesso fez constar a frase: “O PL das fakes news pode aumentar a confusão sobre o que é verdade ou mentira no Brasil”.[4]

Tratou-se de uma preclara interferência ilícita, insurreta e abusiva de empresas multinacionais sobre uma decisão que deveria ser soberana dos parlamentares brasileiros, um inequívoco abuso de poder dos meios de comunicação social e uma usurpação de prerrogativa irrenunciável que afeta a soberania nacional e que, a exemplo, da regulamentação europeia, requer urgente tratamento jurídico interno com o estabelecimento de regras sobre a atuação das big techs no Brasil e imposição de sanções em montantes similares aos estabelecidos na DSA.

Por sua vez, a Digital Markets Act mirou nas grandes plataformas digitais, as quais, por se constituírem em gigantes portais da Internet, funcionam como verdadeiros ‘porteiros’ ou ‘porteiras’ cibernéticas(os), que impactam sobremaneira o mercado interno europeu, já que os empresários europeus precisam acessar esses portais para poderem atingir o seu público-alvo em seu próprio território.

Noutras palavras, para contatar os seus clientes ou vender os seus serviços e produtos em seu próprio território, esses empresários são obrigados a utilizar as big techs, as quais são norte-americanas ou chinesas. Essa condição de excessivo poder monopolizador dessas grandes plataformas digitais lhes confere a prerrogativa de agirem como verdadeiros ‘estados não estatais’, ou, como consignou o Parlamento Europeu, “[…] pode conceder a eles o poder de agir como legisladores privados e funcionar como gargalos entre empresas e usuários finais”.[5]

A Lei de Mercados Digitais europeia há de servir de standard para estudo do legislador nacional, já que objetiva regulamentar a atuação das big techs e dos empresários, numa tentativa de impedir que as ‘gatekeepers’ (guardiãs de acesso) continuem a atuar de forma desregulamentada, e, assim, possam sobrepor-se ao poder estatal mediante a imposição de regras comerciais próprias e condições negociais injustas. Visa, portanto, facilitar a ‘passagem’ desses empresários por essas porteiras ou guardas de acesso à Internet para garantir a abertura de serviços digitais relevantes para os europeus.

Assim, a Digital Markets Act estatuiu relevantes alterações, garantindo aos usuários finais a possibilidade de cancelamento facilitado ou a assinatura dos serviços de plataformas principais ou, simplesmente, que possam desinstalá-los, bem como “[…] interromper a instalação de software junto com o sistema operacional, fornecer dados de desempenho de publicidade e informações sobre preços de anúncios, permitindo que os desenvolvedores usem sistemas alternativos de pagamento no aplicativo ou permitindo que os usuários finais baixem lojas de aplicativos alternativas”.[6]

Esse conjunto normativo visa, na verdade, a promoção da inovação tecnológica, o crescimento e a competitividade de start-ups, pequenas e médias empresas, a fim de que possam sobreviver num mercado dominado por gigantes monopolizadoras.

Porém, para que uma empresa de tecnologia venha a ser abrangida pela Digital Markets Act, ela deve enquadrar-se nos três critérios a seguir delineados. Primeiramente, deve alcançar um faturamento anual igual ou superior a 7,5 bilhões de euros em cada um dos três últimos exercícios, no âmbito do Espaço Económico Europeu (EEE), ou uma capitalização de mercado média de, no mínimo, 75 bilhões de euros no último exercício financeiro, e prestar serviços digitais, na condição de plataforma principal, em pelo menos três Estados-Membros.

Ademais, há de se caracterizar como um ‘porteiro(a)’, isto é, uma porta de entrada na Internet para usuários-empresários atingirem os consumidores finais, como antecipado acima, com mais de 45 milhões de usuários mensais, consumidores finais ativos situados na União Europeia e mais de 10.000 negócios ativos no último exercício.

E, enfim, deve apresentar uma posição empresarial consolidada e duradoura, presumindo-se como tal a empresa que alcançar os outros dois critérios aludidos alhures, em cada ano dos três últimos exercícios financeiros.[7] As empresas abrangidas por esses três critérios são concebidas como gatekeepers digitais e, consequentemente, subsomem-se às disposições da Digital Markets Act.

Em suma, pode-se concluir que essas duas leis objetivam, precipuamente, delimitar um espaço digital seguro no âmbito do qual os direitos fundamentais de todos os usuários de serviços digitais sejam, efetivamente, protegidos, bem como estatuir condições equitativas para assegurar a promoção da inovação tecnológica, o crescimento e a competitividade, em especial no mercado único europeu, mas, também, no mundo globalizado.[8]

 

Notas e Referências:

[1] Mestre e Doutor em Direito pela Faculdade de Direito do Recife. Com pós-doutorado pela USAL – Universidade de Salamanca. Professor permanente da Linha de Pesquisa de Cidadania Digital do PPGD da UNICAP – Universidade Católica de Pernambuco. Professor da Faculdade de Direito do Recife -UFPE. Consultor ad-hoc da CAPES. Líder do Grupo de Pesquisa LOGOS-CNPq. Desembargador do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Membro da Liga Pernambucana de Direito Digital e da REDITECH (Rede de Pesquisa de Direito e Tecnologia). Autor dos livros: Tratado de direito e processo tecnológico (Vol. 01) – Vigilância Algorítmica e Neocolonização. O Controle Digital das Massas – Riscos e Atentados à Democracia – (Incluindo o episódio do dia 08 de janeiro de 2023). E vol. 02 – Big data, justiça 4.0 e a Digitalização da Processualização. Ciberespaço, Metaverso, Legal Design e Visual Law: O Direito Processual Tecnológico. Ambos publicados pela Editora Publius, Recife, 2023.

[2] LEYEN, Ursula Gertrud von der. UE aprova legislação histórica para controle de plataformas digitais. Rio de Janeiro: G1.Globo.Com. Publicado em 23/04/2022. Disponível em https://g1.globo.com/mundo/noticia/2022/04/23/seguranca-ue-aprova-legislacao-historica-para-controle-de-plataformas-digitais.ghtml. Acesso em 20 de setembro de 2022.

[3] BRETON, Thierry & VESTAGER, Margrethe. Digital services law: Commission is congratulated with political agreement on rules that guarantee a safe and responsible online environment. Bruxelas: European Commission – 23 de abril de 2022. Disponível em:  https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/en/ip_22_2545. Acesso em 20 de setembro de 2022.

[4] Vide matéria: Google retira do ar link contra PL das Fake News após ameaça do governo Lula. In: Folha de São Paulo. Publicada em 02 de maio de 2023. Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/poder/2023/05/google-retira-do-ar-link-com-informacoes-contra-o-pl-das-fake-news.shtml. Acesso em 05 de abril de 2023.

[5] EUROPA: Digital Markets Act, 2022. Disponível em https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/en/QANDA_20_2349. Acesso em 20 de setembro de 2022.

[6] EUROPA: Digital Markets Act, 2022, idem.

[7] EUROPA: Digital Markets Act, 2022, idem.

[8]EUROPA: The digital service law package, 2022. Disponível em https://digital-strategy.ec.europa.eu/en/policies/digital-services-act-package. Acesso em 20 de setembro de 2022.

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