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A SINERGIA INSTRUMENTAL ENTRE CIDADES, INFRAESTRUTURA E DESENVOLVIMENTO

 

 Há uma relação de “sinergia instrumental” entre o que comumente se concebe pelos conceitos de “infraestrutura”, “cidade” e “desenvolvimento econômico” e que é permeada por diversos consensos. Não é nenhuma novidade, por exemplo, a afirmação de que os investimentos em infraestrutura proporcionam e fomentam o desenvolvimento, o que é de fato inegável quando são destinados à garantia e satisfação dos elementos materiais necessários ao exercício da cidadania e ao conjunto de atividades que conformam o fluxo regular da vida econômica.[1]

Tal diagnóstico se alinha a um entendimento de que a cidade, como lugar do presente, centralidade do comum e sede física das relações intersubjetivas[2] é o espaço físico que congrega os principais fatores sociais, econômicos, demográficos e (infra)estruturais sem os quais o desenvolvimento não é possível. Tanto é assim que alguns autores chegam a afirmar que a existência da cidade é uma condição necessária para o alcance do conjunto de fatores, fenômenos e variáveis essenciais ao desenvolvimento.[3]

No entanto, essa relação de complementariedade que chamamos de “sinergia instrumental” entre cidades, infraestrutura e desenvolvimento não se desenrola espontaneamente. Tão comum quanto os investimentos obsoletos em matéria de infraestrutura, que por falta de planejamento, erros de estruturação ou mesmo por fatores políticos exógenos não repercutem resultados que sejam positivamente significativos ao fluxo regular das atividades econômicas essenciais ao desenvolvimento, são as cidades subdesenvolvidas. São muitos os núcleos urbanos grandemente populosos, com alta densidade demográfica, mas com severos problemas socioeconômicos agravados por dificuldades orçamentárias em prover a infraestrutura básica necessária ao exercício da cidadania e das atividades econômicas essenciais.

Desse modo, tanto os investimentos em infraestrutura, quanto a definição das diretrizes para exercício e construção das cidades – sobre o que, necessariamente, perpassam as decisões sobre investimentos em infraestrutura – demandam adequadas disciplina e regulação jurídica para a materialização de seus resultados socioeconomicamente desejados. Ou seja: só há uma sinergia instrumental conformadora entre os conceitos de cidades, infraestrutura e desenvolvimento se houver uma adequada regulação jurídica, funcionalmente vinculada à satisfação de determinadas finalidades coletivamente pactuadas.

Frente a tais convergências, alguns desafios são elementares surgem às pessoas e instituições que diuturnamente lidam e tomam decisões na complexa inter-relação entre cidades, infraestrutura e desenvolvimento. Há dificuldade, por vezes, na definição dos objetivos primordiais para as tomadas de decisão envolvendo essas áreas, assim como não é de simples identificação os instrumentos institucionais por meio dos quais o alcance desses objetivos deve ser planejado, gerido e implementado.

No caso brasileiro, tais objetivos foram coletivamente pactuados a partir da promulgação da Constituição da República de 1988 que, precedida por um longuíssimo hiato de democracia política e material, não somente referendou algum tipo de manutenção incontestável sobre a estrutura econômica por ela recebida, mas definiu institucionalmente os horizontes basilares para a superação dos históricos desconcertos socioeconômicos de nossa economia e a viabilização das condições materiais basilares ao desenvolvimento econômico nacional. Destacam-se, nesse sentido, os objetivos fundamentais da República gravados em norma pela redação de seu art. 3º: (i) construir uma sociedade livre, justa e solidária; (ii) garantir o desenvolvimento nacional; (iii) erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; (iv) promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Vale destacar, estes objetivos constitucionais a que estão vinculados todos os entes federativos, devem orientar toda e qualquer ação empreendida na seara econômica e na destinação da finança pública, especialmente nas tomadas de decisão sobre os investimentos e alocação de recursos para infraestrutura básica ao exercício da cidadania e das atividades regulares da vida econômica nas cidades brasileiras, tanto em sua concepção e planejamento, como na sua gestão.

Se somam a estes objetivos o rol dos direitos fundamentais sociais inscritos na norma do art. 6º da Constituição Federal, tais como a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, que determinam as áreas prioritárias para ação material positiva do Poder Público. Cada um desses direitos sociais impõe pelo menos uma atribuição material ao Poder Público, na forma e nos limites estabelecidos pela distribuição de competências executivas definida pelo próprio texto constitucional e que deve ser satisfeito por meio de políticas e serviços públicos, sobre o que a infraestrutura das cidades exercem papel fundamental de viabilizador instrumental.

Neste cenário, há que se ressalvar, porém que os objetivos e tarefas públicas descritas na Constituição brasileira visando o desenvolvimento econômico nacional atravessa, evidentemente, questões de ordem fática que para sua concretização. Seria demasiadamente ilusório, portanto, intentar o pleno atingimento dos objetivos fundamentais republicanos e realização dos direitos fundamentais sociais tão somente por meio de sua positivação constitucional.

Sobretudo em contextos de grandes desafios orçamentários e crescente austeridade fiscal, a concretização deste programa constitucional brasileiro demanda soluções criativas que perpassam, necessariamente, pela infraestrutura das cidades. Neste caso, as soluções devem ser adequadamente planejadas e eficientemente geridas, com alto grau de segurança institucional, para que traga resultados efetivos em torno dos objetivos fundamentais republicanos que convergem em torno do desenvolvimento econômico nacional. É o que aqui destacamos como a “sinergia instrumental” entre cidades, infraestrutura e desenvolvimento.

Diante de todo este contexto, são esses os fundamentos básicos que sustentam a razão de ser da coluna de opinião que se inaugura a partir deste breve ensaio, intitulada “Direito, Cidade e Infraestrutura”. Periodicamente, aqui serão levantadas, problematizadas e contextualizadas questões atuais de ordem fática, normativa, regulatória e institucional, que envolvam direta ou indiretamente elementos centrais à infraestrutura das cidades brasileiras e seus desdobramentos no universo jurídico.

Assim, pretende-se que este espaço contribua de algum modo com o aprimoramento desta sinergia instrumental entre cidades, infraestrutura e desenvolvimento econômico, tendo sempre como horizonte crítico e qualitativo a busca pela realização gradativa dos objetivos fundamentais constitucionais republicanos.

 

Notas e Referências:

[1] Entre outros, v. BERCOVICI, Gilberto. Infraestrutura e Desenvolvimento. In. BERCOVICI, Gilberto; VALIM, Rafael (Org.). Elementos de Direito da Infraestrutura. São Paulo: Contracorrente, 2015. p. 21.

[2] Cf. ANDRADE, Leandro Teodoro. A Cidade Inteligente: perspectivas entre Direito Econômico e Revolução Tecnológica. Tese de Doutorado. Faculdade de Direito. Universidade de São Paulo, 2022. p. 57

[3] PIRES, Mônica de Moura; MOROLLÓN, Fernando Rubiera; GOMES, André da Silva; POLÈSE, Mario. Economia urbana e regional: território, cidade e desenvolvimento. Ilhéus: Editus, 2018. p. 202

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Leandro Andrade
Doutor em Direito Econômico pela USP e Mestre pela UNESP. Advogado, consultor e parecerista. Autor de diversos ensaios e estudos científicos sobre direito público e áreas correlatas. Integra a área de infraestrutura da Spalding Sertori Advogados.

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