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Ainda pensando e acreditando no velho e bom positivismo. Parte 1.

Por André Luiz Maluf de Araujo [1]

 

Muitos autores jurídicos, e principalmente aqueles que amam o direito, vivem a se perguntar, de onde viemos, onde estamos, e para onde vamos ou, pelo menos, para onde devemos ir, em relação às teorias jurídicas que descrevem ou prescrevem a função da lei. Poderíamos pensar, na fronteira que costumava separar a lei atual da nossa filosofia, e que talvez esta fronteira tenha entrado em colapso, pelo menos por estas bandas tupiniquins.

Na era d. D. (depois de Dworkin), nos acostumamos acreditar que o raciocínio jurídico, não é nem mais, nem menos, que o raciocínio moral (ou político) ou por outros meios; um conjunto de direitos e princípios que ninguém deve negar razoavelmente, mesmo que não apareça em nenhuma norma legal, e é exatamente por isso que eles devem ser identificados pelos juízes por meio de uma “interpretação”.

Atualmente, alguns juízes não parecem mais ter o mandato de rastrear o direito exclusivamente desde a sua fonte – à Constituição, o Congresso, enfim, seu percurso, senão, que basicamente se espera (aqui apoiado as vezes pela atual mídia) que tomem a decisão de que, eles como coautores do direito, considerem moral ou politicamente apropriado, como se hoje a independência do poder judiciário exigisse que os juízes assumissem o poder legislativo.

De fato, tornou-se comum exigir que os juízes se desviem da lei atual – mesmo sancionada democraticamente – quando esta é um obstáculo para encontrar a “resposta correta” para um caso. Portanto, basta que seja a resposta correta – seja por mérito próprio ou porque provém de nosso autor favorito da filosofia do direito, etc. – para acreditarmos que essa resposta é a parte ipso da lei.

Na realidade, esse modo de encarar a lei não é exatamente novo, mas uma variação do tema da escola dos pós-glosadores fundada por Bartolo de Sassoferrato (um dos mais notáveis comentadores do Direito Romano). Enquanto que os glosadores, fiéis ao raciocínio normativo, acreditavam que, se a lei não estava alinhada com a realidade, era a realidade que deveria estar em conformidade com a lei, os pós-glosadores por outro lado, apoiavam a tese de que, se a lei colidisse com a realidade, era a lei que tinha que mudar, não a realidade.

Romualdo Arppi Filho, para alguns, foi uma das referências na arbitragem nacional, um dos mais justos, como bem conta o livro de Daniel Destro- “Grandes Árbitros do Futebol Brasileiro”, provavelmente um verdadeiro paradigma do interpretativismo, ou um “VAR” de calção preto. Para outros, não passava de um bombeiro vestido de uniforme, basta ver que tentou minimizar em seus comentários, a atitude do árbitro que validou o gol de mão de Maradona na copa do mundo de 1986.

Consta que Romualdo estudava o perfil de cada jogador, e assim procurava favorecer os bons e punir os maus. Não é por acaso, então, que o interpretativismo (ou, aliás, qualquer outra teoria jurídica que inevitavelmente subordine a normatividade da lei ao raciocínio moral) tenha causado o colapso da fronteira entre lei e ética ou política. Também colapsou a fronteira que costumava separar o direito vigente da nossa filosofia do direito preferida.

Às vezes, dá a impressão de que voltamos ao período do “Digest ou Pandects”, no qual a opinião de certos autores possuía mais valor que a lei válida, pois alguns juristas acreditam que seus próprios livros são fontes de direito.

Por outro lado, o positivismo jurídico, pelo menos se nos concentrarmos no campo da discussão pública, tornou-se um animal em perigo de extinção, se ainda não tiver sido declarado extinto pela Fundação Mata Atlântica (com todo respeito a esta fundação, que tanto faz pela preservação).

Para ser otimista, ainda pode haver alguns espécimes em cativeiro por aí, provavelmente advindos de alguma catacumba de alguma faculdade de direito (como eu), afinal reivindicamos o “homo scholasticus positivus”, ou seja, aqueles que acreditam que o direito é um sistema institucional com autoridade, porque provém de uma fonte convencional, se bem, que as vezes estamos mais para uma empresa arqueológica interessada em escavar restos fósseis, como os do positivista legais.

Nesse ponto, os leitores mais jovens certamente estão se perguntando o que é (ou era) o “positivismo jurídico”, a filosofia do direito que em meados do século XX – isto é, ainda na era a. D. ou a. A (antes de Dworkin ou antes de Alexys), predominava em toda parte.

Bem, é o próprio Dworkin, o inimigo autodeclarado do positivismo, que o descreve minuciosamente: “A lei é a lei”. Não é o que os juízes pensam que é, mas o que realmente é. O trabalho deles é aplicá-lo, não altera-lo para isso está de acordo com sua própria ética ou política.

Thomas Hobbes, o chamado pai espiritual do positivismo jurídico moderno, o precursor de Jeremy Bentham e John Austin, o pioneiro do Estado de Direito liberal (como afirmava Hans Kelsen e até mesmo Carl Schimitt). O primeiro, capturou o credo do positivismo jurídico em um slogan: “Authoritas non veritas facit legem” (a autoridade, não a verdade, faz a lei) – (Hobbes, Leviatã, edição de 2012: 431).

Portanto, para Hobbes, a autoridade dos escritores, sem a autoridade do Estado, não corrige suas opiniões, embora nunca tenham sido mais verdadeiras” (ibid.: 430).

Hobbes está plenamente consciente de que ele próprio não é uma exceção: “O que escrevi neste tratado (Leviatã) […], embora seja uma verdade evidente, não é, portanto, certo no presente, mas porque em todos os Estados do mundo fazem parte da lei civil. Pois, embora fosse naturalmente razoável, é no poder soberano que ele está certo “(ibid.).

Os livros de filosofia do direito, ou de qualquer disciplina para o caso, podem ser excelentes, mas, nem por isso, se convertem no direito vigente. Pelo contrário, a lei pode não ser a melhor, mas nem por isso deixa de ser o direito.

A melhor tradução judicial de entender deste jeito o direito, é crer que um juiz não é um pretor, ou seja, um juiz que nunca proferiu uma sentença cujo resultado o desagradou, pois assim não seria um bom juiz. Pois o bom juiz, acreditamos, é aquele que profere uma sentença com base no direito, e não no seu critério moral ou vontade pessoal.

De acordo com o positivismo, então, a lei é a lei: o direito que é não precisa coincidir com o direito como gostaríamos que fosse, isto é, com nossas crenças morais ou políticas – ou, obviamente, com nosso autor favorito – E isso não precisa necessariamente ser uma má notícia, especialmente se a lei alega ter autoridade, em vez de dar respostas corretas.

Afinal, a lei tem autoridade porque existem divergências sobre qual é a resposta correta e o conteúdo da lei varia de acordo com o tempo. A lei, que por sua vez estipula quais são nossos direitos, não é em si um instrumento da justiça, mas um sistema normativo institucional projetado essencialmente para resolver conflitos sobre a justiça.

De fato, os legisladores e os juízes encontram uma resposta que os sujeitos do direito consideram correta, porque corresponde ao sistema normativo que é o direito, e não o contrário, como acreditam os antipositivistas para quem o sistema normativo é aquele que dá a resposta correta.

A decisão correta depende, portanto, do sistema jurídico e não do sistema jurídico da decisão correta, ou, de outra forma: o direito não existe para provar que estamos certos, mas se queremos respeitar sua autoridade, somos nós que temos que dar razão ao direito.

Por exemplo, a discussão permanece ainda no Brasil sobre a liberdade de expressão e a as fakenews, mostrando que há um profundo desacordo sobre como penalizar e encontrar limites na liberdade de expressão.

Se a lei fosse apenas a continuação da moral ou da política, haveria pouco sentido em apelar para ela, uma vez que seria conveniente usar nossas crenças morais e políticas diretamente. Mas se a lei alega ter autoridade, o fato de suas disposições coincidirem com nossas crenças e desejos é completamente acidental, pois é nosso desacordo moral e político que explica por que queremos que a lei tenha autoridade.

Por outro lado, obedecemos à autoridade do direito não porque o conteúdo do direito seja eterno ou pedregoso, mas porque, pelo contrário, dada a discordância sobre o que devemos fazer, em grande parte, obedecemos à autoridade do direito porque seu conteúdo pode ser diferente. O que Kelsen chamou de “a dinâmica da lei” é apenas o outro lado de sua autoridade.

Em breve traremos a segunda e última parte deste pensamento sobre o positivismo

 

[1] Advogado e Professor. Mestrado em Proc. Civil pela USP, especialista em Dir. Civil, Administrativo e Constitucional. Membro da ABDPRO e do IPDC.

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