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Aula 04 – De um conceito de tutela jurisdicional para um conceito de tutela provisória – 4ª. parte

Na aula passada, após finalizarmos o estudo dos aspectos gerais da tutela jurisdicional, deixamos a seguinte pergunta no ar: “sabendo no que consiste a tutela jurisdicional, pergunta-se: o que seria a tutela jurisdicional provisória?”.

Ademais, fizemos essa observação: “tudo que foi falado nessas três primeiras aulas aplica-se, sem ressalvas significativas, à tutela jurisdicional provisória”.

Diante disso, partiremos para tentar entender o real sentido de uma tutela jurisdicional provisória.

Mas por que dizer ser uma tutela provisória? Ora, só há sentido dizer que algo é uma coisa, que algo é de um jeito, porque ele não é o posto desse jeito. Para que se adjetive, qualifique algo é necessário que seja possível a contraposição dele, seu antagonismo: só há o belo porque há o feio; só há o maior porque há o menor; só há o provisório porque há o definitivo.

É aqui, portanto, que entra o problema da tutela provisória. Todo nosso estudo girará em torno disso. É isso que vai unir tudo que está aí nesses artigos do CPC: 294-311.

Não é o fato de, aqui, haver, por exemplo, decisões mandamentais, haver, por exemplo, decisões preventivas. Não, porque no definitivo também as há, ou o que seja. O que é diferente no âmbito da tutela provisória é o fato de aquilo que é dado não ser definitivo.

Precisamos entender isso de uma forma correta. Pois, do contrário, nada feito, vamos errar, pensar mal, e pensar mal é a pior coisa que há. Raciocinar mal é muito ruim. Então temos de ir aqui bem, bem mesmo, por partes.

É preciso, portanto, entender o definitivo, pois é mais fácil identificar o provisório a partir do definitivo. Até porque, em rigor, o provisório define-se por negação, por aquilo que não é definitivo. Este, porém, é mais do que o não ser provisório. Ele tem mais considerações.

Então vamos entender o que é o definitivo.

Bem, observemos o seguinte. Há três tipos de definitividade, são:

  1. i) definitivo como indiscutível;

 

  1. ii) definitivo como término da litispendência;

 

iii) definitivo como término do grau de jurisdição.

 

A escala acima está na ordem decrescente.

O primeiro tipo, que é o máximo, é próprio da coisa julgada, da eficácia da coisa julgada, em rigor.

 

No, há o definitivo como término da litispendência, isto é: não há mais o suporte processual necessário a qualquer discussão. Correspondente àquilo que, tradicionalmente, se costumou chamar de coisa julgada formal. Esse tipo de definitivo é fundamental para o entendimento da chamada estabilização da tutela antecipada antecedente, prevista no art. 304, CPC, que é dos temas mais complexos e mais propagados do CPC vigente.

 

No degrau mais baixo, há o definitivo como término do grau de jurisdição. É o definitivo do art. 494, CPC.

 

Percebam que esses três níveis são aspectos distintos de uma mesma coisa: a definitividade: para ser indiscutível é preciso não haver mais litispendência, para não haver mais litispendência é preciso não haver mais o grau; terminado o grau pode ainda continuar a litispendência, terminada a litispendência pode ainda ocorrer a discutibilidade.

 

Então, há o nível máximo, que é indiscutibilidade; há o nível mínimo, que o término do grau.

A tutela provisória que iremos estudar atinge, no máximo, o segundo nível, o intermediário. No máximo. Não chega ao primeiro, ao nível mais alto não mesmo. E, como regra, fica aquém do terceiro, nem sequer o atinge, que é término do grau, que é o terceiro aí na ordem colocada, mais é o primeiro na intensidade.

Desse modo, a tutela provisória é algo abaixo de um término de grau de jurisdição e, se chegar, chega ao máximo ao término da litispendência; jamais, à indiscutibilidade. Mesmo na situação do art. 304, a parte final dele, a parte final do § 6º. desse artigo, mesmo nele (um tema que iremos tratar com muita calma), não se atinge esse nível máximo.

Mais que isso, ainda se tem uma má compreensão do fato de haver tutela provisória e, ao mesmo tempo, haver término de litispendência. As pessoas ainda não conseguem entender direito como é possível haver um término da litispendência – ou seja, não haver mais o suporte processual para discutir, vamos assim dizer: não haver mais processo para tanto – e tutela deferida ser provisória.

Para muitos – e quando falo muitos, não estou me referindo às pessoas em geral, tampouco aos operadores do direito, embora para estes também, mas me refiro mais especificamente à (parte da) processualística brasileira, aos professores da matéria-, se há término da litispendência, é porque a tutela definitivizou-se. Isto é tratado como um dogma, tal como um dogma religioso ou uma verdade matemática.

Não, nada disso, tutela provisória com término da litispendência é algo plenamente possível, é algo que existe na tradição, é algo que existia ao tempo do CPC anterior e é algo que foi quase escancarado pelo CPC vigente.

Tudo isto iremos ver, não se preocupem por ora de saber de tudo. Não se assustem, embora a ideia, em si, contenha um pouco disto. Eu estou tentando aqui causar o espanto, pois é a partir do espanto que nasce o conhecimento. O conhecimento não existe para que nós referendemos nossas verdades, de modo algum; ao contrário, elas são postas em xeque. Então, neste momento inicial, estou tentando fazer isso. Depois, aí sim, iremos analisar ponto por ponto, irmos passo por passo, e passo por passo para chegarmos a um efetivo conhecimento.

Então, recapitulando, a tutela provisória aí regulada pelo CPC – e, frisem bem, este regulada aí no CPC – nesses três níveis de definitividade nunca, nunca mesmo, atinge o nível mais alto, e se atingisse não poderia ser tida como provisória, não haveria sentido; como regra, fica abaixo do terceiro, quer dizer: nem entra na mera possibilidade de definitividade; às vezes, algumas vezes – e em mais vezes agora com a vigência deste CPC – pode atingir o segundo nível, pode haver um término de litispendência e, mesmo assim, a tutela permanecer provisória, e a tutela ser provisória.   

Mas qual é o fundamento disto: expliquei não propriamente o que seria uma tutela provisória, até porque disse que ela só é pela negatividade: tutela provisória é aquela que não é definitiva. Eu não disse, porém, qual é o fundamento, a razão de ser, por que que é assim?

E qual é esse fundamento? A pergunta pelo fundamento é mais difícil das coisas em direito.

Por que que uma tutela jurisdicional não atinge a definitividade ou por que, em atingindo-a, só alcança, no máximo, o segundo nível acima? Eis a pergunta que temos de responder.  Uma hipótese para tanto (só uma hipótese, não uma certeza) é: porque a tutela é concedida num grau rarefeito de cognição, a chamada cognição sumária. Caso vocês estejam em alguns lugares, caso consultem certos livros, vão ouvir (ou ler) que é isso mesmo, que essa hipótese se confirma.  Mas será que é isso mesmo? E será que, mesmo sendo isso mesmo, dizer isto explica o problema, dá o real fundamento?  É o que veremos.  Ou que vamos tentar entender.  Se entendermos isto, penso que a primeira parte de nosso assunto foi vista de um modo muito satisfatório. Todo resto ficará mais fácil. É como começar um jogo e, de logo, marcar um gol. O jogo já se delineia de modo mais simples para o jogador.  Que voltemos a este ponto na próxima aula. Até lá.

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Roberto Campos
Doutor e Mestre em Direito Processual pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). Professor de Direito Civil e de Direito Processual Civil da Unicap. Ex-Presidente da Associação Brasileira de Direito Processual (ABDPro). Advogado e Consultor Jurídico.

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