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Conflito de Interesses em Processos Arbitrais  

Introdução

Os conflitos de interesses em processos arbitrais representam um dos principais desafios à integridade e à eficácia desse mecanismo de resolução de controvérsias. A imparcialidade e a independência dos árbitros são essenciais para garantir a legitimidade da arbitragem, de forma que as Câmaras e Tribunais devem zelar continuamente para evitar que árbitros sejam nomeados ou permaneçam atuantes em situações caracterizadas como um conflito de interesses.

 

Os conflitos de interesses podem envolver relações pessoais, profissionais ou financeiras que comprometam a imparcialidade do árbitro. A natureza desses conflitos exige uma análise cuidadosa, visto que podem afetar a imparcialidade do julgador e, por conseguinte, a validade jurídica de todo o processo arbitral.

 

Em linhas gerais, os conflitos de interesses pessoais são aqueles relacionados a relações familiares, amizades ou vínculos pessoais entre o árbitro e uma das partes. Já os conflitos profissionais decorrem de relações de trabalho anteriores ou atuais do árbitro com uma das partes ou com seus conselheiros. Os conflitos financeiros, por sua vez, relacionam-se a investimentos ou participações acionárias que o árbitro possa ter nas partes envolvidas. Por fim, os conflitos de lealdade surgem quando o árbitro tem múltiplos vínculos que podem comprometer sua imparcialidade.

 

É de se destacar que a International Bar Association (IBA) possui diretrizes voltadas ao tema desde 2004, as quais, além de amplamente utilizadas mundo afora, podem servir como excelente referência doutrinária no Brasil. Atualizadas em 2024, as diretrizes da IBA visam fornecer uma estrutura clara para a identificação, gestão e resolução de conflitos de interesses em procedimentos arbitrais. Este artigo analisa essas diretrizes, discutindo sua importância e propondo uma reflexão sobre como elas podem ser aplicadas na prática diante dos problemas enfrentados no Brasil.

 

As diretrizes da International Bar Association (IBA) e o tratamento legal do tema no Brasil.

O primeiro destaque do manual elaborado pela IBA é o estabelecimento de critérios claros para a avaliação de potenciais conflitos de interesses. Esses critérios incluem a natureza da relação, a sua duração e frequência, o grau de proximidade e a relevância do vínculo do árbitro com as partes envolvidas.

 

Na prática, a aplicação desses critérios ajuda a criar uma estrutura objetiva para a análise de conflitos, evitando interpretações subjetivas que possam prejudicar a arbitragem.

 

Veja-se que, no Brasil, a Lei da Arbitragem define em seus artigos 13, parágrafo sexto, e 14, parágrafo primeiro, respectivamente que “o árbitro deverá proceder com imparcialidade, independência, competência, diligência e discrição”, e que os árbitros “têm o dever de revelar, antes da aceitação da função, qualquer fato que denote dúvida justificada quanto à sua imparcialidade e independência”.

 

Assim, embora no Brasil exista a obrigação, e as regras remetam à aplicação de “algumas” das circunstâncias de impedimento e suspeição de magistrados, a legislação ainda é considerada genérica em relação a critérios específicos para identificar e resolver potenciais conflitos de interesses. Isso pode levar a ambiguidades sobre o que constitui um conflito de interesses e sobre como as partes devem proceder ao identificá-lo.

 

A IBA encoraja, com grande destaque, a chamada divulgação proativa de potenciais conflitos de interesses por parte dos árbitros, recomendando que os árbitros revelem quaisquer circunstâncias que possam dar origem a um conflito, mesmo que não sejam obrigados por lei ou regra a fazê-lo. Essa transparência é crucial para a construção da confiança entre as partes e a legitimidade do processo arbitral.

 

Na prática, a divulgação proativa permite que as partes tomem decisões informadas sobre a continuidade do árbitro no caso. Se um árbitro não revelar um conflito, isso pode levar a questionamentos sobre a validade da sentença arbitral e/ou do procedimento como um todo.

 

Ademais, a gestão de conflitos de interesses é um aspecto central das diretrizes da IBA. As partes são incentivadas a adotar procedimentos claros para a gestão de conflitos, permitindo que decidam em conjunto sobre a continuidade do árbitro em questão ou a necessidade de substituição.

 

A IBA recomenda também que os árbitros participem de treinamentos e atualizações regulares sobre ética e conflitos de interesses. A formação contínua é vista como essencial para garantir que os árbitros estejam sempre cientes das melhores práticas e das obrigações éticas, ajudando a prevenir conflitos de interesses antes que eles se tornem problemáticos.

 

Também como forma de buscar o aumento da credibilidade da arbitragem como um método de resolução de disputas, a IBA estabelece uma classificação por cores (vermelha, laranja e verde), para fins de avaliação das situações de conflitos de interesses.

 

A lista vermelha inclui situações que devem resultar em uma recusa automática do árbitro. Isso ocorre quando um conflito de interesses é tão evidente que compromete a imparcialidade e a independência do árbitro, como, por exemplo, a existência de relações familiares com uma das partes, vínculos financeiros diretos ou um histórico de representações que possam influenciar a decisão do árbitro.

 

Já a lista laranja abrange situações que não são necessariamente impeditivas, mas que requerem uma análise cuidadosa. Nesses casos, o árbitro deve considerar se a relação ou circunstância pode afetar sua imparcialidade. Como exemplos, citamos a existência de relações profissionais com uma das partes, representações anteriores em casos não relacionados, ou situações que possam ser vistas como potencialmente comprometedoras.

 

Por fim, na lista verde a IBA inclui situações que, em geral, não apresentam conflitos de interesses e, portanto, não exigem divulgação. Essas situações são consideradas aceitáveis e não comprometem a independência do árbitro, tais como relações profissionais distantes, experiências acadêmicas ou conhecimentos gerais sobre uma das partes que não afetem o julgamento do árbitro.

 

Percebemos, portanto, a diferença evolutiva entre as regras da IBA para arbitragens internacionais e as regras da legislação brasileira para as nossas arbitragens. Além de um importantíssimo aspecto prático que o documento aborda, facilitando enormemente a interpretação e alocação das situações às hipóteses de conflito, as diretrizes da IBA oferecem um framework robusto para a identificação e gestão desses conflitos, promovendo a transparência e a confiança no processo arbitral.

 

Desafios pela frente.

Os desafios no campo dos conflitos de interesses em arbitragens são muitos. Além da já abordada falta de regulamentação específica, no Brasil temos um mercado ainda relativamente pequeno, de forma que muitos profissionais de arbitragem costumam exercer múltiplos papéis (como advogados, árbitros ou consultores), o que torna o ambiente naturalmente propenso a que os árbitros já tenham tido algum tipo de relacionamento profissional com uma das partes ou com seus advogados. Ou seja, a proximidade e o número limitado de profissionais aumentam as chances de haver um conflito de interesses.

 

Outro desafio, de natureza subjetiva, reside no fato de que a escolha dos árbitros pelas próprias partes, embora garanta flexibilidade, abre espaço para a comum desconfiança de que a escolha da outra parte não observará os preceitos éticos voltados a evitar conflitos de interesses. Dito de outro modo, a expectativa é, geralmente, de que o árbitro escolhido pelo outro lado será um conhecido que não esteja (flagrantemente) em posição de impedimento ou suspeição, e assim, para que não se inicie o procedimento em franca desvantagem, o raciocínio acaba sendo o mesmo, ou seja, buscar alguém igualmente próximo para indicar a árbitro, na tentativa de contrabalancear a (provável) escolha viciada do outro.

 

Do ponto de vista estrutural, a maior parte das arbitragens no Brasil são administradas por instituições especializadas, as quais têm suas próprias regras sobre conflitos de interesses, mas nem sempre são suficientes para cobrir todas as nuances que surgem em arbitragens complexas. A aplicação dessas regras de maneira uniforme é um desafio, especialmente em casos envolvendo múltiplos árbitros, de diferentes áreas e/ou jurisdições.

 

Por fim, um conflito de interesses mal resolvido no âmbito da arbitragem pode levar à judicialização da questão, outro fator que mina um dos principais atrativos da arbitragem, que é justamente evitar a morosidade e a complexidade do sistema judiciário.

 

Portanto, precisamos cada vez mais apostar na capacitação de árbitros e advogados, serviço para o qual as diretrizes da IBA, se adotadas como norte, certamente trarão resultados fantásticos.

 

Não se olvide, ademais, de outras formas de solução e prevenção dos problemas relacionados a conflitos de interesses, como o uso da tecnologia pelas plataformas de arbitragem, que podem implementar ferramentas tecnológicas que ajudem na identificação e na gestão de conflitos de interesses, tais como sistemas de análise de dados que verifiquem automaticamente relações entre árbitros e partes.

 

O Compliance e as políticas de governança das organizações também possuem papel fundamental, principalmente quando as empresas se comprometem em desenvolver e aplicar seus próprios códigos de ética, promovendo uma cultura de integridade nas práticas arbitrais.

 

Colunista

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Guilherme Macedo
Advogado com 15 anos de experiência de foro e arbitragens. Formado em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Bacharel em Administração pela Academia da Força Aérea / Universidade da Cidade. Árbitro do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem - CBMA. Sócio Fundador do Escritório Guilherme Macedo Advogados. Anteriormente foi Sócio Sênior do Escritório H. B. Cavalcanti e Mazzillo Advogados. Foi também aviador da Força Aérea Brasileira. Fala português, inglês, espanhol e italiano.

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