Razão de decidirTJMG

Contradições entre as respostas do Conselho de Sentença e o rito do Tribunal do Júri

O Código de Processo Penal aborda no Livro III, Título I, as possibilidades de nulidade no ordenamento jurídico brasileiro, pontuando que “nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa”.

O referido códex dispõe no art. 564, parágrafo único, acerca das nulidades no rito do Tribunal do Júri, especificamente quando houver deficiência dos quesitos ou das suas respostas, bem como quando houver contradição entre estas.

Acerca da temática, a 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, no julgamento realizado em 28/03/2023, deu provimento ao Recurso de Apelação nº 0009025-07.2021.8.13.0570, anulando o julgamento realizado perante o Júri Popular, pois verificada a presença de contradição entre a votação dos quesitos pelos jurados.

Consta nos autos que o acusado foi processado pela prática do crime de homicídio qualificado tentado – art. 121, §2º, II e IV, c/c art. 14, II, ambos do Código Penal –, e durante a sessão solene, os jurados foram indagados sobre duas temáticas específicas: a possibilidade de o delito ter sido cometido na modalidade tentada, e a ocorrência de desistência voluntária.

A saber, colaciona-se as indagações formuladas ao Conselho de Sentença:

TENTATIVA/DESCLASSIFICAÇÃO 3º) Assim agindo, J.C.O.S.  deu início à execução de um crime de homicídio, querendo o resultado morte ou assumindo o risco de produzir o resultado morte, que somente não se consumou por circunstâncias alheias à vontade dele, consubstanciadas no fato de a vítima [D.B.M.] ter recebido atendimento médico? (…)

DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA 4º) J.C.O.S. desistiu voluntariamente de prosseguir a execução do crime de tentativa de homicídio, devendo responder somente pelo delito de lesão corporal leve? Com efeito, ao responderem “sim” para o quesito referente à Desistência Voluntária, verifica-se que os Jurados entraram em contradição, tendo em vista que anteriormente responderam positivamente no sentido de que o delito de homicídio não teria se consumado por circunstâncias alheias à vontade do Apelado. (TJMG –  Apelação Criminal  1.0000.23.011478-7/001, Relator(a): Des.(a) Octavio Augusto De Nigris Boccalini , 3ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 28/03/2023, publicação da súmula em 30/03/2023).

Observa-se que os jurados votaram positivamente para ambas as perguntas, o que, consoante entendimento do Desembargador Relator do acórdão, indica uma contradição decorrente da incompatibilidade entre o cometimento do crime de forma tentada e a ocorrência de desistência voluntária.

Vejamos a ementa do referido julgado:

EMENTA: APELAÇÃO – HOMICÍDIO QUALIFICADO TENTADO E IMPORTUNAÇÃO SEXUAL – RECURSO MINISTERIAL: CONTRADIÇÃO NAS RESPOSTAS AOS QUESITOS DA TENTATIVA E DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA -ANULAÇÃO DO JULGAMENTO – IMPERATIVIDADE – INTELIGÊNCIA DO ART. 564, PARÁGRAFO ÚNICO, CPP. 1- Há contradição na resposta aos quesitos quando o Conselho de Sentença responde afirmativamente que o delito só não se consumou por circunstâncias alheias à vontade do agente e, logo em seguida, responde de forma positiva que o agente desistiu voluntariamente de prosseguir nos atos executórios. 2- O art. 564, parágrafo único, do Código de Processo Penal dispõe que ocorrerá nulidade do julgamento, por deficiência dos quesitos ou das suas respostas, e contradição entre estas.  (TJMG –  Apelação Criminal  1.0000.23.011478-7/001, Relator(a): Des.(a) Octavio Augusto De Nigris Boccalini, 3ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 28/03/2023, publicação da súmula em 30/03/2023).

 

Verifica-se que tal decisão encontra-se em conformidade com a jurisprudência emanada pela Colenda Corte de Justiça de Minas Gerais:

EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL – TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO POR MOTIVO TORPE E RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA – PRELIMINAR – NULIDADE – VIOLAÇÃO À AMPLA DEFESA – NÃO QUESITAÇÃO SOBRE TESE DE DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA – INOCORRÊNCIA – MÉRITO – ANULAÇÃO DO JÚRI – DECISÃO CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS – NÃO CABIMENTO – REDIMENSIONAMENTO DA PENA – NECESSIDADE – CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS VALORADAS EQUIVOCADAMENTE – ABRANDAMENTO DO REGIME – INVIABILIDADE – MAUS ANTECEDENTES E CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME DESFAVORÁVEIS. É entendimento dominante neste Egrégio Tribunal de Justiça que, havendo resposta positiva ao quesito referente à tentativa de homicídio, resta, automaticamente, afastada a tese da desistência voluntária por evidente contradição entre os institutos. Não cabe anulação do julgamento realizado pelo Conselho de Sentença pelo simples fato de ter optado por uma das versões existentes. É possível o redimensionamento da pena-base quando constatada valoração equivocada de determinadas circunstâncias judiciais. Havendo valoração negativa das circunstâncias do crime e dos antecedentes do acusado, inviável abrandamento do regime inicial de cumprimento de pena em observância aos fins de repressão e prevenção inerentes à condenação.  (TJMG –  Apelação Criminal  1.0699.21.003833-6/001, Relator(a): Des.(a) Bruno Terra Dias , 6ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 07/03/2023, publicação da súmula em 10/03/2023) – grifo nosso.

EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL – HOMICÍDIO QUALIFICADO TENTADO – NULIDADE DA QUESITAÇÃO – PRELIMINAR AFASTADA – PENA-BASE – CONSEQUÊNCIAS – EXASPERAÇÃO CORRETA – CONFISSÃO – MENORIDADE RELATIVA – INCIDÊNCIA DAS ATENUANTES – REDIMENSIONAMENTO DA PENA – NECESSIDADE – TENTATIVA – FRAÇÃO MÍNIMA. A resposta positiva ao quesito referente à tentativa de homicídio afasta a tese da desistência voluntária por evidente contradição entre os institutos, não havendo que se falar em nulidade. A formação de cicatriz, ocasionada pela agressão, autoriza a exasperação da pena-base, em razão da desvalorização das consequências do delito. A confissão espontânea deve ser reconhecida, ainda que parcial, quando a manifestação do acusado for utilizada como fundamento para sua condenação. A determinação da fração redutiva decorrente da tentativa deve pautar-se pelo iter criminis percorrido pelo agente, de forma que, quanto maior a proximidade do momento consumativo, menor será o patamar de redução da pena imposta.  (TJMG –  Apelação Criminal  1.0242.17.001717-0/001, Relator(a): Des.(a) Anacleto Rodrigues, 8ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 17/11/2022, publicação da súmula em 18/11/2022) – grifo nosso.

 

Ainda, encontra respaldo na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que já decidiu que há insanável contradição quando os jurados respondem afirmativamente ao quesito atinente ao crime tentado e ao referente à desistência voluntária, considerando que se tratam de institutos jurídicos incompatíveis (AgRg no AREsp n. 1.929.954/SC, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 22/2/2022, DJe de 3/3/2022).

Diante disso, corretamente decidiu o colegiado ao alegar que, subsistindo contradição nas respostas de tais quesitos, imperativa é a declaração de nulidade do julgamento realizado pelo Conselho de Sentença, nos termos do art. 564, parágrafo único do Código de Processo Penal, pois não restou devidamente demonstrada a efetiva intenção do Tribunal do Júri, tornando-se necessária a realização de nova sessão plenária.

 

Dados da decisão: TJMG –  Apelação Criminal 1.0000.23.011478-7/001, Relator(a): Des.(a) Octavio Augusto De Nigris Boccalini, 3ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 28/03/2023, publicação da súmula em 30/03/2023.

 

Link de acesso: https://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia/pesquisaNumeroCNJEspelhoAcordao.do;jsessionid=30D7C7204B70BBA8D9E5EBC1DA3B6B87.juri_node1?numeroRegistro=1&totalLinhas=1&linhasPorPagina=10&numeroUnico=1.0000.23.011478-7%2F001&pesquisaNumeroCNJ=Pesquisar

 

 

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Brenda Nascimento
Mestranda em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Especialista em Ciências Criminais. Graduada em Direito pela Universidade José do Rosário Vellano. Assistente Judiciário no Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG).

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