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DO “ACHISMO” POLÍTICO PARA AS POLÍTICAS PÚBLICAS COMPORTAMENTAIS: ENSAIO DE COMO A ECONOMIA COMPORTAMENTAL…

DO “ACHISMO” POLÍTICO PARA AS POLÍTICAS PÚBLICAS COMPORTAMENTAIS: ENSAIO DE COMO A ECONOMIA COMPORTAMENTAL PODERÁ INFLUENCIAR NA GESTÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS.

 

ASPECTOS INICIAIS

 

O presente estudo pode ser compreendido como um ensaio envolvendo a economia comportamental e os reflexos que podem atingir os programas de gestão de políticas públicas.

O texto tem origem no momento em que me deparei com os trabalhos do Richard Thaler, Daniel Kahnemann e Dan Ariely. Ao estudar os ganhadores do prêmio Nobel de Economia, vislumbrei que aqueles estudos poderiam surtir efeitos em vários campos, especialmente no Direito Administrativo e Tributário.

Sendo assim, elaborei um pequeno projeto de estudo a fim de aprofundá-lo em um momento futuro. Durante a pandemia do COVID-19, influenciado pela péssima gestão que o Brasil fez na situação de calamidade, resolvi atualizar este projeto e iniciar um estudo mais profundo.

Assim, o texto pode ser retratado como um “leque” de ideias a serem amadurecidas em um estudo mais teórico e prático. Para isso exemplos internacionais serão utilizados para comparar com o que se encontra sendo feito no Brasil.

Entendo que o Brasil já iniciou um debate sobre o tema, o qual necessita de maior aprofundamento, porém – infelizmente – o debate encontra-se restrito meramente em questões acadêmicas. Para uma correta ponderação sobre a efetiva contribuição que a Economia Comportamental poderá refletir na gestão de políticas públicas é mister que o estudo saia do campo teórico e adentre na seara prática; especialmente por meio da criação de órgãos públicos específicos para estudos e implementações.

 

COMO A ECONOMIA COMPORTAMENTAL PODE AUXILIAR A ELABORAÇÃO, EXECUÇÃO E REVISÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS.

 

Cada vez mais do que nunca os governos – tanto em nível federal, estadual, distrital e municipal – estão sendo cobrados para a elevação do grau de eficiência de suas ações e em momentos de crise esta cobrança se acentua pela necessária resposta rápida e efetiva para amenizar o problema existente.

Assim, cada vez mais a criação de induções comportamentais assume considerável relevância, pois o gestor público terá que efetivar as ações necessárias com o menor custo possível e com incentivos suficientes para que o objetivo governamental seja cumprido.

Atualmente os governantes têm acesso a incontáveis formas para a elaboração e execução de políticas públicas; o grande problema de vários desses métodos é que pressupõe um agir racional por parte do indivíduo. Na realidade, a forma de pensar é o inverso: o sucesso dos métodos aplicados estará vinculado em como a ação estatal irá induzir comportamentos de indivíduos que na grande maioria das vezes se comportam de forma irracional. A principal forma de indução é por meio da realização de nudges, o qual pode ser definido como uma forma de elaborar políticas públicas por meio de uma arquitetura de escolhas com o escopo de conduzir decisões individuais em direções que são do melhor interesse individual ou social. O importante é que a liberdade de escolha seja mantida perante variadas possibilidades de escolhas, trata-se de uma indução comportamental e, não, de uma determinação.[1]

E quais as melhores situações em que os nudges podem ser acionados? Nos estudos de Thaler e Sunstein os melhores pontos são em momentos que o indivíduo deve tomar decisões difíceis, situações pouco frequentes em que feedbacks imediatos relativos às opções de escolha não podem ser obtidos, quando as situações práticas não são de fácil compreensão e em processos decisórios a longo prazo.

Para isso os nudges são uma ferramenta a ser trabalhada pelos gestores públicos, pois por estarem inseridos no contexto em que as decisões são tomadas, tal ferramenta traz benefícios para ajudar o agente a escolher algo que é compatível com a sua vontade declarada.[2] Daí a importância de conhecer o cidadão, saber quais são suas preferências, quais suas ações; por isso é importante um conjunto de dados armazenados pelos governos a fim de analisar em concreto as possibilidades de aplicação dos nudges disponíveis.

Cass Sunstein[3] demonstra em seus estudos que os governos utilizam os nudges como forma de alertas, informações, por exemplo nos avisos existentes nas carteiras de cigarro. Não há uma imposição governamental que proíba o consumo de cigarros, a liberdade de escolha do indivíduo é preservada, no entanto os direcionamentos estão presentes.

Assim a função dos nudges não é trazer uma imposição, proibição e, sim, ser utilizado de forma transparente na tentativa de induzir um comportamento específico. Para isso, testes empíricos e controlados são necessários, para que as ações governamentais sejam baseadas em evidências e, não em mera intuição.

O autor norte-americano destaca 10 nudges que podem ser utilizados para a formulação de políticas públicas: a) Default: inscrição automática em programas, por exemplo em um plano de previdência. Neste caso, a tendência é aceitar a opção padrão, a qual foi estabelecida com o objetivo de geral um bem-estar para o indivíduo ou para a sociedade; b) Simplificação: é utilizado como forma de ajustar ações já postas em prática, por exemplo, por meio de formulários ou regulações. Com isso, o número de participantes de programas sociais será elevado, pois haverá uma redução de possíveis confusões entre os agentes; C) Uso de normas sociais: é uma forma de aviso aos gestores de como o cidadão se comporta perante uma determinada situação. Exemplo: o consumo de energia médio em uma determinada região; d) Facilidade e conveniência: tornar mais visíveis as opções que aumentaram a qualidade de vida dos agentes. Exemplo: deixar nas escolas os alimentos mais saudáveis dispostos na frente; e) Divulgação: mostrar à população os dados sobre determinada demanda, a fim de estimular um consume consciente. Exemplo: deixar transparente os custos do consumo de energia elétrica ou os custos referentes à depredação dos ônibus na elaboração das tarifas de transporte. Assim, haverá uma simplificação, transparência e uma mudança no hábito da população; f) Alertas: deixar mensagens aos agentes com o escopo de chamar atenção sobre os danos gerados pelo alto consumo de determinado produto, por exemplo; g) Compromisso prévio: a concepção do nudge é comprometer o indivíduo no curto prazo a fim de garantir a efetivação de objetivos a longo prazo[4]; h) Lembretes: informas o indivíduo com o fim de evitar procrastinação ou situação de inércia; pois o momento de implementação de um nudge é diretamente relacionado com a sua efetividade; i) Evocar intenção: questionar o agente com o escopo de reforçar a ação do mesmo em direção a determinada atividade e, por fim, j) Informar consequências passadas: mostrar ao indivíduo comportamentos passados que impactaram no seu bem estar atual, para que assim comportamentos possam ser alterados.

O futuro gestor (na verdade deveria ser aplicada pelos atuais gestores) deverá conhecer o que a economia comportamental tem a oferecer para a execução de políticas públicas: enxergar os desafios existentes e encará-los como oportunidades de execução.

Os avanços gerados permitem uma nova remodelagem na gestão de políticas públicas, tanto no processo de elaboração, execução e a revisão. Um dos ensinamentos que as pesquisas econômicas podem gerar é a necessidade de que os dados obtidos na execução das políticas púbicas sejam armazenados para posterior análise, bem como outros dados – como exemplo as preferências dos cidadãos – também sejam captados para que os processos de gestão pública sejam mais assertivos. Os governos podem utilizar as ferramentas geradas pela economia comportamental a fim de melhorar a comunicação com o cidadão, orientando-os para a realização da melhor escolha possível.[5] Como será referenciado, o governo britânico estruturou um sistema de pesquisa social utilizando as diretrizes apresentadas pela economia comportamental; fato que vem gerando um grande avanço na gestão pública local. No mesmo caminho o governo Norte-Americano, durante a gestão Obama – caminhou no mesmo sentido, por meio da institucionalização de normas derivadas dos resultados apresentados pelo grupo de trabalho em ciências comportamentais (Social and Behavioral Sciences Team).[6]

O objetivo dos governos não é decidir pelo cidadão e, sim, direcionar os indivíduos para optar a melhor escolha, sem gerar uma ação governamental coercitiva. Assim, os gestores públicos têm como arsenal a utilização do nudge a fim de corrigir falhas e vieses com o escopo de atingir o bem-estar social.[7]

Como “dica” aos governantes brasileiros recomendo conhecer a organização governamental britânica behavioral insights team ou nudge unit[8] que se constitui em um laboratório para testar a aplicação das políticas publicas com base nos métodos comportamentais. Trata-se de uma empresa social com fins sociais com o escopo de atuar globalmente no desenvolvimento de soluções para questões políticas. [9]Vários países vêm replicando essa forma de gestão[10], inclusive no Brasil já começamos a ter experimentos (ainda bem insipientes) neste sentido, como exemplo os nudges fiscais no Rio de Janeiro. [11]

O governo de Barack Obama também se utilizou dos estudos comportamentais a fim de aprimorar as ações governamentais em prol do povo americano por meio da “Executive Order — Using Behavioral Science Insights to Better Serve the American People”[12]:

To more fully realize the benefits of behavioral insights and deliver better results at a lower cost for the American people, the Federal Government should design its policies and programs to reflect our best understanding of how people engage with, participate in, use, and respond to those policies and programs. By improving the effectiveness and efficiency of Government, behavioral science insights can support a range of national priorities, including helping workers to find better jobs; enabling Americans to lead longer, healthier lives; improving access to educational opportunities and support for success in school; and accelerating the transition to a low-carbon economy.

            O governo inglês publicou em março de 2010 o relatório nomeado de mindspace, de autoria de David Halpern, Dominic king, Ivo Vlaev e Michel Hallsworth.[13] [14]Trata-se de insights para que a mudança de comportamento possa conduzir a resultados mais eficientes e de menor custo na elaboração de políticas públicas.

 

CONCLUSÃO

O objetivo do presente ensaio não é discriminar todas as possíveis aplicações da economia comportamental na gestão de políticas públicas e, sim, trazer pontos a serem debatidos em futuro trabalho teórico, com posterior aplicação prática.

O que se pode sedimentar é que sem dúvidas a economia comportamental é dotada de ferramentas aptas a auxiliar a gestão pública. O mais interessante é que – ao contrário de várias teorias voltadas à gestão – a aplicação de nudges não deriva de uma receita pronta e, sim, de uma necessária construção voltada a um determinado nicho governamental específico.

Governos – como citado o Norte-americano e o Inglês – vem criando internamente uma estrutura própria de análise e gestão de nudges, onde estudos e testes são realizados a fim de se alcançar a tão sonhada efetividade na gestão de políticas públicas.

Infelizmente no cenário brasileiro não nos deparamos com construções neste sentido; continuamos com uma gestão baseada em intuições. Todavia, o caminho já se encontra iniciado por meio da realização de diversos estudos acadêmicos e algumas células governamentais já debatendo tal aplicação, como exemplo o Governo do município do Rio de Janeiro e algumas agências reguladoras, bem como alguns desenhos incipientes em outras unidades da federação.

 

Referências e Notas:

[1] TOCCHETTO, Daniela G.; PORTO JÚNIOR, Sabino da S.. Arghhhhh!!! Eu nunca mais vou comer pimenta… Oba! Pimenta! Homer Simpson, arquitetura de escolha e políticas públicas. Revista Economia & Tecnologia, [s.l.], v. 7, n. 1, p.1-16, 30 mar. 2011. Universidade Federal do Paraná. http://dx.doi.org/10.5380/ret.v7i1.26849. Acesso em: 28 out. 2019.

[2] THALER, Richard H.; SUNSTEIN, Cass R.. Nudge: Como tomar melhores decisões sobre saúde, dinheiro e felicidade. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009. P. 23-32.

[3] SUNSTEIN, Cass R. Nudging: um guia bem breve. In: ÁVILA, Flávia; BIANCHI, Ana Maria (org.). Guia de Economia Comportamental e Experimental. São Paulo: Economiacomportamental.org, 2015. p.110-115. Disponível em: . Acesso em: 20 de novembro 2019.

[4] Lembrando que pelo “desconto hiperbólico” (impaciência humana) o comprometimento do indivíduo no curto prazo é bastante relutante. Mesmo diante de situações em que os objetivos de longo prazo sejam desejados pelo agente. Por exemplo, a vontade de emagrecer X a tentação de comer um doce.

[5] CHATER, Nick. A revolução da ciência comportamental nas políticas públicas e em sua implementação. In: ÁVILA, Flávia; BIANCHI, Ana Maria (org.). Guia de Economia Comportamental e Experimental. São Paulo: Economiacomportamental.org, 2015. p.116-128. Disponível em: . Acesso em: 29 out. 2019.

[6] HORTA, Ricardo L. Arquitetura de escolhas, direito e liberdade: notas sobre o “Paternalismo Libertário”. Pensar, Fortaleza, v. 22, n. 2, p.651-664, 2017. Disponível em: https://www.academia.edu/34460961/Arquitetura_de_escolhas_direito_e_liberdade_nota s_sobre_o_Paternalismo_Libert%C3%A1rio_. Acesso em: 28 out. 2019.

[7] CAMPOS FILHO, Antônio C.; PAIVA, Luís H. Insights comportamentais e políticas de superação da pobreza. International Policy Center For Inclusive Growth, Brasília, n. 60, p.1-6, 8 nov. 2017. Disponível em: https://ipcig.org/pt-br/publication/28321. Acesso em: 30 set. 2019.

[8] http://www.behaviouralinsights.co.uk/

[9] MENEGUIN, Fernando B.; ÁVILA, Flávia. A economia comportamental aplicada a políticas públicas. In: ÁVILA, Flávia; BIANCHI, Ana Maria (org.). Guia de Economia Comportamental e Experimental. São Paulo: Economiacomportamental.org, 2015. p. 210-220. Disponível em: . Acesso em: 15 out. 2019.

[10] Estados Unidos, Austrália, Canadá, França e Arábia Saudita

[11] http://prefeitura.rio/tag/nudge-rio/ e http://www.rio.rj.gov.br/web/fjg/seminario-nudge-rio

[12] https://obamawhitehouse.archives.gov/the-press-office/2015/09/15/executive-order-using-behavioral-science-insights-better-serve-american

[13] https://www.instituteforgovernment.org.uk/publications/mindspace

[14] Em 2018 foi publicada uma revisão desta edição: https://www.instituteforgovernment.org.uk/publications/behavioural-government

Colunista

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Pedro Carvalho
Advogado e Professor Universitário com mestrado em Direito pela UFPE. Especialista em Contratos pela Harvard University e em Negociação pela University of Michigan. Sócio do Carvalho, Machado e Timm Advogados, liderando a área de Regulação, Infraestrutura, Energia e Sustentabilidade. Experiência destacada na docência na UNICAP, IBMEC e PUCMinas.

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