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Aula 03 – De um conceito de tutela jurisdicional para um conceito de tutela provisória – 3ª. parte

Na aula passada tratamos da classificação da tutela jurisdicional quanto à forma; hoje, trataremos da classificação quanto à finalidade.

Nesse sentido, a tutela jurisdicional pode ser:

i) preventiva;

ii) recompositiva;

iii) punitiva.

Aqui, leva-se em consideração o fim da tutela, o fim a que ela serve. Cada uma delas admite ser mais bem trabalhada. E faremos isso. Mas a finalidade, no fundo, é essa: prevenir, remediar (recompor) e punir[1]. Há como, pois, sintetizar tudo, tudo isso, nessas três categorias.

Então aqui vai entrar, por exemplo, o estudo da tutela inibitória, que é uma tutela preventiva, da tutela de reintegração ou de remoção de ilícito (Marinoni), que é uma tutela recompositiva, da tutela ressarcitória, que é recompositiva, e da punição por si mesma, que é, assim, a categoria menos compreendida, a punição em si. A punição pelo agir ilícito em si. Quando se pune, não se quer remediar: remediar é tentar fazer voltar ao que era antes; punir não é isto. Por isso que a punição é compatível com a remediação (recomposição). E a nossa vida acaba sendo feita de necessidades de punir, até por, muitas vezes, ocorrer a impossibilidade de remediar.

O que, por exemplo, prolifera nas relações de consumo? Qual é, digamos assim, um lugar-comum das relações de consumo? É o fato, digamos, de um descumprimento contumaz e, portanto, de uma lesão reiterada ao consumidor. Por força disso, tudo acaba, no fundo, convergindo para danos morais, para indenização por danos morais. Então, quando se tem um voo cancelado, um atraso de voo considerável, um produto que se comprou com defeito e não foi trocado em tempo hábil. Tudo acaba sendo assim.

Quando, no fundo, aí a indenização por danos morais (que é uma recomposição: uma tentativa de fazer voltar ao que era antes) não tem como sê-lo. Por quê? Porque não volta. No fundo isso é uma punição travestida de indenização por danos morais, até porque não existe, no âmbito da legislação consumerista, uma regra que preveja uma punição pecuniária pelo descumprimento. A legislação brasileira civil de um modo geral (e consumerista, em específico) não prevê isto. Ela prevê a possibilidade de uma cláusula penal. Só que a cláusula penal tem de ser estabelecida no ato, numa cláusula do contrato, por exemplo. Como, obviamente, boa parte dos contratos de consumo (para não dizer todos) são contratos do tipo de adesão, em que o consumidor é o adererente, o fornecedor não põe a cláusula penal contra si, põe contra o consumidor. Por exemplo: “atraso no pagamento, multa de tanto”. Mas contra si não, claro. E aí acaba tudo indo pelo caminho da indenizabilidade por danos morais.

Então, vejam, essas classificações relacionam-se entre si. Tanto que uma não é incompatível com a outra: uma tem a ver com a forma; outra, com o fim. Quer dizer: a declaração serve à prevenção, por exemplo; a constitutividade pode servir à punição; a condenação já é uma punição por si, a punição por excelência; a executividade geralmente tem a ver com remediação. E assim vai. São apenas formas distintas de se observar o mesmo problema. Uma coisa não é, enfim, incompatível com a outra.

Ademais, diferentemente do que alguns pretendem, essas eficácias (declaratória, constitutiva etc.) são meras técnicas, não são técnicas propriamente; já são finalidades mesmo, já são a própria tutela jurisdicional sendo prestada. Técnica é aquilo que é empregado para atingir um fim: não se declara para se atingir um fim, este já é a declaração; não se constitui para atingir um fim, pois a constituição já é o próprio fim[2]. Então não há como dizer serem técnicas; já são as próprias tutelas.

A técnica “diria” como o juiz haveria de julgar, o que seria necessário para julgar, mas não o julgamento propriamente, este já está no âmbito da própria tutela jurisdicional.

Feita essa instrução ao estudo da tutela jurisdicional em geral, podemos passar ao ponto mais importante. Isto é: sabendo no que consiste a tutela jurisdicional, pergunta-se: o que seria a tutela jurisdicional provisória?

De logo, saibamos: tudo que foi falado nessas três primeiras aulas aplica-se, sem ressalvas significativas à tutela jurisdicional provisória.

No mais, aguardemos a próxima aula.

Até lá.

 

Notas:

[1] Ao tempo em que expus a aula ora transcrita, para fins de estabelecer a classificação acima, levei em conta a ideia da oposição de contrários para dividir a tutela jurisdicional em preventiva e recompositiva. A tal tempo, conquanto já tivesse em mente que a satisfação de interesses pudesse se dar antes da lesão (e, sendo assim, algo incompatível com a ideia de recomposição, pois esta supõe a ocorrência de lesão), não compreendia o fato de que, em rigor, a recomposição em si somente tem como ocorrer se a satisfação propriamente não for mais possível. Por isso, numa aula seguinte, referente à tutela satisfativa, que, por óbvio, será nesta coluna apresentada, coloquei, ao menos nalguma medida, a satisfação como o contrário da prevenção. Não se trata disso, todavia. Depois de refletir sobre – e, ademais, tendo o insight durante uma aula deste semestre em curso – passei a entender que a satisfação do interesse é como que um ponto médio na escala de contrários formada pela prevenção e a recomposição. Por tudo isso, quando do momento em que apresentarei a transcrição da aula sobre tutela satisfativa, explicitarei as razões que me fizeram chegar a esse novo entendimento sobre o problema em análise. Isto, friso, não alterará a essência desta coluna – que se refere à transcrição de aulas; trata-se apenas de um aperfeiçoamento. Algo que, ademais, escancara a necessidade de que as aulas deixem, numa de lado, numa medida considerável, os meros esquemas prévios e passem a ter por base, se não majoritariamente, no mínimo também, a impressão tida pelo docente quando do momento em que volta a pensar sobre determinado assunto, a, espontânea ou provocativamente, dialetizar sobre ele.

[2] Claro, como visto na aula anterior, há eficácias que podem funcionar como meios para outras. Na ação anulatória por dolo causado pelo vendedor da coisa, a eficácia anulatória (desconstitutiva) funciona (ou, ao menos, pode funcionar) como meio para a eficácia de condenação do vendedor à devolução do valor pago. Mas isso não altera o que foi dito acima. A eficácia decisional, vista como um todo, é sempre o fim mesmo, a própria tutela jurisdicional sendo prestada. No exemplo dado, mesmo que – com alguma razão – se diga que a condenação do vendedor doloso não seja o fim propriamente, sendo este, em verdade, a devolução do valor pago, há uma eficácia representativa desse fim: no caso, uma eficácia executiva, de tipo expropriatório.

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Roberto Campos
Doutor e Mestre em Direito Processual pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). Professor de Direito Civil e de Direito Processual Civil da Unicap. Ex-Presidente da Associação Brasileira de Direito Processual (ABDPro). Advogado e Consultor Jurídico.

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