Razão de decidirTJSP

Honorário contratual pode ser indenizado?

 

O Direito deve reparar os danos sofridos pela pessoa de forma integral. Acredito que poucas pessoas se oponham a essa máxima mais ou menos arraigada no próprio senso comum de justiça. Ocorre que, como sabemos, há em nosso direito pátrio a necessidade de contratação de advogados para o ajuizamento de demandas judiciais, salvo algumas pontuais exceções, como por exemplo o caso de processos de baixo valor monetário nos Juizados Especiais e a impetração de habeas corpus. Nesse sentido, está o valor da contratação do patrono para o ajuizamento da ação abarcado dentro dos danos a serem indenizados por eventual ato ilícito?

Em um primeiro momento de reflexão a resposta se afigura como relativamente simples. Ora, se a contratação do patrono se deu devido ao ato ilícito ela seria então um dano emergente do ato ilícito, logo, indenizável segundo os ditames do art. 402 e subsequentes do Código Civil. No entanto, não podemos nos esquecer de que a vida é muito mais complexa que primeiras impressões.

A título ilustrativo informo-lhes que a celeuma envolvendo justamente essa questão está sempre indo e vindo em nossos Tribunais pátrios. Não culpo os magistrados pela troca de posicionamento, até porque se algo está sendo julgado de forma equivocada de rigor mesmo que o posicionamento seja revisto e o erro não seja perpetuado.

O caso dessa semana é verdadeira aula sobre o tema. Em grande parte pela clareza com que o voto do relator Miguel Brandi expõe a temática e suas reviravoltas. Faço aqui meu apelo para que o leitor leia o voto e vislumbre o que digo, pois, da minha parte, tentarei brevemente explanar as duas correntes que se formaram sobre o tema (ambas curiosamente encabeçadas no Judiciário pela Ministra Nancy Andrighi, mas em momentos distintos).

A primeira corrente vai no sentido de se permitir a indenização dos valores gastos a título de honorários contratuais. Segundo essa posição a questão se firma justamente na reparação integral (restitutio in integrum ou restitutio ad integrum, para os amantes do latim). Tal corrente calca-se no fato de que a contratação de advogado para litigar é efetivamente um custo que o cliente tem de arcar para ver seu direito resguardado e, portanto, deveria ser englobado no pacote indenizatório.

De outra banda, a segunda corrente por seu lado sustenta que adotar o entendimento acima seria punir o direito de ação, esse que sempre seria atrelado a um ilícito para o perdedor. Tal posicionamento não exclui o fato de que, em casos pontuais nos quais uma parte abusa do direito de ação, há a indenização falada. Tão somente se inverte o modelo a ser seguido. Logo, para a segunda corrente, os honorários advocatícios contratuais pactuados para o litígio judicial não podem ser incluídos na indenização a ser recebida.

Outro ponto interessante do julgado é que, ele faz a distinção entre o regime para os honorários contratados para o litígio e aqueles contratados para meios extrajudiciais de cobrança. No aresto o que fica clara é justamente a possibilidade da cobrança destes, mas a vedação daqueles. Essa diferença se dá porque a cobrança extrajudicial não é obrigatória e porque há lacuna legal nesse tocante.

Alguns poderiam inclusive dizer que é um contrassenso poder cobrar o honorário contratual de lavor extrajudicial e não se poder cobrar o honorário da mesma estirpe só que calcado em atuação judicial. A crítica se sustenta e põe ainda mais fogo no debate, pois segundo a lógica básica se o mais é permitido o menos, com muito mais razão (a fortiori), o deveria ser também.

 

Ou seja, como de costume, terminamos a coluna com mais perguntas que respostas.

 

Dados do processo interpretado já formatados para citação:

 

(TJSP; Apelação Cível 1019411-03.2022.8.26.0564; Relator (a): Miguel Brandi; Órgão Julgador: 7ª Câmara de Direito Privado; Foro de São Bernardo do Campo – 6ª Vara Cível; Data do Julgamento: 27/02/2023; Data de Registro: 27/02/2023)

 

Ementa do processo interpretado:

 

OBRIGAÇÃO DE FAZER E INDENIZATÓRIA – Compra e venda de imóvel – Autor-vendedor incluído no cadastro de inadimplentes – Réus que não realizaram a atualização cadastral do bem junto à Prefeitura, para regularização da cobrança de IPTU – Sentença de parcial procedência, com indenização fixada em R$5.000,00 – Insurgência do autor – Pedido de reembolso dos honorários advocatícios contratuais – Descabimento – Entendimento do STJ, segundo o qual os custos provenientes da contratação de advogado para ajuizamento de ação, por si só, não constitui ilícito capaz de gerar dano material passível de indenização, tendo em vista estar inserido no exercício regular do contraditório e da ampla defesa – Pleito de majoração do quantum indenizatório (de R$5.000,00 para R$15.000,00) – Parcial cabimento – Indenização majorada para R$10.000,00, valor que melhor se ajusta às circunstância do caso e está em consonância com precedentes desta Corte em casos semelhantes – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

 

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Paulo Schwartzman
Mestrando em Estudos Brasileiros no IEB/USP. Pós-graduado em Direito Civil pela LFG (Anhanguera/UNIDERP), em Direito Constitucional com ênfase em Direitos Fundamentais e em Direitos Humanos pela Faculdade CERS, em Direito, Tecnologia e Inovação com ênfase em Direito Processual, Negociação e Arbitragem pelo Instituto New Law (Grupo Uniftec). Graduado em Direito pela Universidade de São Paulo. Assessor de magistrado no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo desde 2016. . Colunista semanal no Jornal Jurid e articulista no Migalhas. . Adepto da interdisciplinaridade, possui como cerne de sua pesquisa uma abordagem holística de temas atuais envolvendo o Brasil, o sistema jurídico e o ensino.

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