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A compropriedade na jurisprudência do STJ

 

  1. Considerações iniciais

O presente estudo tem o objetivo de examinar, de forma breve e objetiva, a compropriedade, ou propriedade em condomínio geral, à luz da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

Inicialmente, será apontada a base legal da compropriedade, bem como serão mencionados os direitos do comproprietário, tendo em vista o Código Civil brasileiro.

Em seguida, serão abordados os entendimentos do STJ acerca destas questões: a) obrigação de pagar aluguéis proporcionais; b) possibilidade de usucapião; c) direito real de habitação do cônjuge sobrevivente; d) extinção da compropriedade.

Em arremate, serão apresentadas as considerações finais.

 

  1. A compropriedade no Código Civil

A compropriedade, ou copropriedade, neste estudo, é delimitada como propriedade em condomínio geral, de modo que cada comproprietário é titular de uma fração, uma parte ideal, intelectual ou abstrata sobre o bem.

Note-se que o condomínio geral não se confunde com o condomínio edilício (art. 1.331, CC), no qual o condômino é titular de unidade autônoma mais uma fração ideal sobre o solo e outras partes comuns. Tampouco há identidade entre o condomínio geral e a multipropriedade, com base na qual cada multiproprietário é titular de uma fração de tempo, à qual corresponde o direito de uso e fruição, em caráter exclusivo, sobre a coisa imóvel, a ser exercido de forma alternada (art. 1.358-B, CC).

A compropriedade pode ter origem voluntária, em razão de acordo das partes, ou necessária, quando decorre de disposição legal.

Assim, por exemplo, se duas ou mais pessoas resolvem reunir recursos para comprar um imóvel, surge o condomínio voluntário. Igualmente, há condomínio voluntário, quando os herdeiros, no procedimento de inventário, acordam que o bem tenha mais de um dono.

Note-se que a herança é transmitida como um todo unitário, ainda que vários sejam herdeiros (art. 1.791, caput, CC). Surge, então, com o falecimento do hereditando, um condomínio necessário entre os coerdeiros, o qual terá fim com a partilha (art. 1.791, parágrafo único, CC). Outra hipótese de condomínio necessário, v.g., é aquela referente à meação de paredes, cercas, muros e valas.

Nada impede, naturalmente, que, em condomínio edilício ou em multipropriedade, haja também o condomínio geral. Basta, por exemplo, que duas pessoas, de comum acordo, adquiram a compropriedade de um apartamento, ou de uma fração de tempo no regime da multipropriedade.

O condomínio implica o exercício do direito de propriedade sobre o bem, com limitações relevantes, por duas ou mais pessoas, de modo que as situações conflituosas tendem a aparecer.

Quando a compropriedade recai sobre bem indivisível, que pode ser um apartamento ou uma casa por exemplo, a situação pode ficar ainda mais tormentosa, pois não cabe o remédio da ação de divisão.

Para a compreensão adequada das possíveis controvérsias em torno da compropriedade, convém mencionar os direitos do comproprietário.

 

  1. Os direitos do comproprietário

O comproprietário, nos termos do caput do artigo 1.314 do Código Civil, tem o direito de “usar da coisa conforme sua destinação, sobre ela exercer todos os direitos compatíveis com a indivisão, reivindicá-la de terceiro, defender a sua posse e alhear a respectiva parte ideal, ou gravá-la”.

Nota-se importante limitação: todas as faculdades inerentes ao domínio devem ser exercidas de forma compatível com o estado de comunhão da coisa.

Assim, conflitos podem surgir, v.g., quando um dos comproprietários manifesta o desejo de colocar o imóvel todo à venda, enquanto outro preferiria receber aluguéis, já um terceiro gostaria de residir no bem sem ter a obrigação de pagar aluguéis proporcionais.

Se os demais comunheiros não aceitam a venda voluntária do bem inteiro, o consorte terá a possibilidade de ajuizar ação de extinção de condomínio (art. 1.322, CC), ou, se preferir, poderá alienar onerosamente somente sua fração ideal.

Observa-se que, para muitas pessoas, o direito de propriedade está impregnado de indisfarçável individualismo, de modo que a solução satisfatória, em múltiplos casos, somente é alcançada com a extinção da compropriedade.

 

  1. A obrigação de pagar aluguéis proporcionais

A obrigação de pagar aluguéis proporcionais em razão do uso exclusivo do imóvel por um dos comproprietários, havendo demonstração induvidosa de discordância por parte do outro consorte, ou dos outros comunheiros, tem fundamento no artigo 1.319 do Código Civil, segundo o qual “cada condômino responde aos outros pelos frutos que percebeu da coisa e pelo dano que lhe causou”.

Caso um dos condôminos more no imóvel, sem consentimento dos demais, terá obrigação de pagar aluguéis proporcionais aos outros consortes, contanto que estes, de forma inequívoca, mediante notificação extrajudicial ou por meio judicial, manifestem a resistência ao uso exclusivo da coisa. O marco inicial da obrigação de pagar aluguéis proporcionais ocorrerá a partir da notificação ou da citação.

Considere-se, por exemplo, que o aluguel de certo imóvel residencial é de dois mil reais mensais e que o referido bem tem dois donos, cada um com fração ideal de metade da coisa. Nessa hipótese, se um dos comproprietários usa a coisa em caráter exclusivo, havendo resistência inequívoca do outro, nasce, a título de indenização, a obrigação de pagar aluguel de mil reais por mês.

Cuida-se de obrigação originada do direito real em regime de compropriedade, logo é uma obrigação propter rem. Ademais, a obrigação é devida em função do imóvel, de modo que enseja a penhora do bem de família, na forma do inciso IV do artigo 3º da Lei 8.009/90, conforme decidiu o STJ no julgamento do REsp 1.888.863-SP (Informativo 748).

Todavia, se o uso exclusivo do imóvel não foi causado pela comproprietária que nele reside, ou pelas condôminas que nele moram, porque o outro condômino foi dele afastado, como suposto agressor, em razão da imposição de medida protetiva de urgência, não são devidos, logicamente, aluguéis proporcionais. Trata-se de solução acolhida pelo STJ no julgamento do REsp 1.966.556-SP[1], em harmonia com a dignidade humana e com a proteção contra a violência doméstica.

Observa-se, além disso, que a finalidade do artigo 1.319 é obstar o enriquecimento sem causa, situação que não ocorreu no caso do REsp 1.966.556-SP, pois, conforme salientou o Sr. Min. Marco Aurélio Bellizze, o afastamento do suposto agressor teve lugar em razão de fato não atribuível às mulheres que permaneceram na residência, não havendo elementos nos autos que indiquem a má-fé das supostas vítimas.

 

  1. A possibilidade de usucapião

A compropriedade, por si só, não impede a aquisição do bem por meio de usucapião, entendimento que também deve prevalecer no caso da usucapião especial urbana, regulada pelo artigo 1.240 do Código Civil brasileiro.

Com efeito, o STJ, no julgamento do REsp 1.909.276-RJ[2], resolveu que o condomínio não embaraça o reconhecimento da usucapião especial urbana. Trata-se de entendimento em consonância com a finalidade do instituto, que consiste na facilitação da aquisição da moradia própria, pois o comproprietário poderá, em tese, ser constrangido ao pagamento de aluguéis proporcionais em virtude do uso exclusivo da coisa comum.

 

  1. Direito real de habitação do cônjuge sobrevivente?

Por sua vez, o direito real de habitação do cônjuge sobrevivente, disciplinado pelo artigo 1.831 do Código de 2002, não tem aplicação, em caso de compropriedade anterior à abertura da sucessão, envolvendo terceiros estranhos ao núcleo interno da família, como são os cunhados.

Conforme esclareceu a Sra. Min. Nancy Andrighi, no julgamento do REsp 1.184.492-SE[3], o princípio da solidariedade, sobre o qual se funda o direito real de habitação do cônjuge sobrevivo, não alcança os irmãos do falecido, que já eram comproprietários antes do falecimento do de cujus.

Além disso, também conforme destacado pela eminente Min. Nancy Andrighi, não se deve dar interpretação extensiva a dispositivo legal que restringe direito de outrem, como é o caso do artigo 1.831 do Código Reale.

Cuida-se de entendimento reafirmado, mais recentemente, no julgamento do EREsp 1.520.294-SP (Informativo 680).

Note-se, por fim, que, uma vez reconhecido o direito real de habitação do cônjuge supérstite, não há a obrigação de pagar aluguéis proporcionais aos demais condôminos, consoante decidiu o STJ no julgamento do REsp 1.846.167-SP[4]. Realmente, não faria o menor o sentido reconhecer o direito real de habitação, que é exatamente o direito de morar gratuitamente em imóvel alheio (art. 1.414, CC), e, em seguida, impor a obrigação de pagar aluguéis proporcionais.

 

  1. A extinção da compropriedade

A compropriedade, em caso de bem divisível, pode ser extinta por meio da ação de divisão, com base no caput do artigo 1.320 do Código de 2002.

Se o bem for indivisível, não havendo alienação voluntária, o interessado terá à sua disposição a ação de extinção de condomínio, mencionada anteriormente.

Ocorre que o direito de real de habitação do cônjuge sobrevivente, como bem reconhecido no julgamento do REsp 1.846.167-SP, obsta o acolhimento da pretensão extintiva da compropriedade, já que deve ser preservado o direito à moradia do sobrevivo.

 

  1. Considerações finais

Por meio deste conciso estudo, é possível verificar que a situação jurídica de compropriedade enseja questões diversas, destacando-se aquelas relativas à obrigação de pagar aluguéis proporcionais, à aquisição originária da propriedade, ao direito real de habitação do sobrevivente e à extinção do condomínio.

A jurisprudência do STJ, em síntese, reconhece que: a) a obrigação de pagar aluguéis proporcionais, com fulcro no artigo 1.319 do Código Civil, tem fundamento na vedação ao enriquecimento sem causa, ostenta natureza propter rem e dá azo à penhora do bem de família (art. 3º, IV, Lei 8.009/90); b) a compropriedade, por si só, não impede a usucapião; c) o sobrevivo titular do direito real de habitação (art. 1.831, CC) não tem a obrigação de pagar aluguéis proporcionais; d) a pretensão de extinção de condomínio, se reconhecido o direito real de habitação do supérstite, não deve ser acolhida.

 

Notas e Referências:

[1] Para comentário sobre o julgado, v. MOTA, Marcel Moraes. Direito Civil. Compropriedade. Medida protetiva. Aluguéis proporcionais. Descabimento. 1 vídeo (7 min). Publicado pelo canal Professor Marcel Mota. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ZKT3pRYECzU&t=137s. Acesso em: 13 fev. 2023.

[2] A respeito, v. MOTA, Marcel Moraes. Direito Civil. Direito Civil. Artigo 1.240, CC. Compropriedade. REsp 1.909.276-RJ. 1 vídeo (4 min). Publicado pelo canal Professor Marcel Mota. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Vr9hdCQOuqo&t=55s. Acesso em: 13 fev. 2023.

[3] Para comentário em vídeo, v. MOTA, Marcel Moraes. Direito Civil. Direito Civil. Compropriedade. Direito real de habitação do cônjuge sobrevivente. REsp 1.184.492-SE. 1 vídeo (4 min). Publicado pelo canal Professor Marcel Mota. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=58wadOY6dvU. Acesso em: 13 fev. 2023.

[4] Sobre o julgado, v. MOTA, Marcel Moraes. Direito Civil. Direito real de habitação do sobrevivente. Aluguéis. Descabimento. REsp 1.846.167-SP. 1 vídeo (7 min). Publicado pelo canal Professor Marcel Mota. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=6qbB_WmxEvk&t=94s. Acesso em: 13 fev. 2023.

Colunista

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Marcel Mota
Doutorando em Ciências Jurídicas, na especialidade de Ciências Jurídico-Civis, pela Universidade de Lisboa. Mestre em Direito pela UFC. Bacharel em Direito “magna cum laude” pela UFC. Advogado civilista e Professor de Direito.

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