Razão de decidirTJCE

Instituição financeira deve indenizar consumidor vítima de empréstimo consignado fraudulento

A concessão de empréstimo consignado é comum na atividade bancária, pois possibilita que descontos sejam realizados pela instituição diretamente na folha de pagamento ou benefício previdenciário do correntista; para tanto, na referida modalidade de concessão de crédito, as taxas de juros ofertadas ao consumidor são mais atrativas.

Nesse sentido, importante ressaltar que, nos termos da Súmula 297 do Superior Tribunal de Justiça – STJ, o Código de Defesa do Consumidor – CDC é aplicável às instituições financeiras, respondendo, portanto, a instituição financeira de forma objetiva pelos danos causados aos consumidores, inclusive oriundos de fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias, consoante dicção do artigo 14 do CDC combinado com Súmula 479 do STJ.

No âmbito do processo civil, sob a ótica do ônus da prova, destaca-se o entendimento consolidado pelo STJ, através do Tema 1061, que assim estabelece: “Na hipótese em que o consumidor/autor impugnar a autenticidade da assinatura constante em contrato bancário juntado ao processo pela instituição financeira, caberá a esta o ônus de provar a sua autenticidade (CPC, arts. 6º, 368 e 429, II).”

Ademais, consoante precedente firmado nos autos de embargos de divergência em agravo em recurso especial (EAREsp 676.608/RS), a restituição dos valores pagos a maior pelo consumidor oriundo dos débitos considerados indevidos, nos termos do art. 42 do CDC, deverá ocorrer em dobro para as cobranças realizadas a partir da publicação do acórdão do referido julgado, qual seja, dia 30 de março de 2021. Com relação aos valores cobrados em data anterior, deve-se manter o posicionamento anteriormente adotado pelo STJ de que “somente a cobrança de valores indevidos por inequívoca má-fé enseja a repetição em dobro do indébito”, necessária, portanto, a efetiva comprovação da má-fé da instituição financeira.

No caso em análise, a parte autora, ora consumidora, defendeu que desde o ano de 2017 a instituição financeira ré estava realizando descontos indevidos em seu benefício previdenciário oriundos de empréstimo que desconhecia, razão pela qual pleiteou a declaração de inexistência de relação contratual, restituição dos valores pagos indevidamente de forma dobrada, bem quanto indenização por danos morais. Por outro lado, a instituição financeira ré apresentou defesa alegando a regularidade da contratação e dos descontos realizados, defendendo inexistir qualquer ato ilícito praticado, razão pela qual pugnou pela improcedência do pedido autoral.

Ao analisar os autos, o Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Acopiara julgou procedente o pedido autoral para declarar nulo o contrato impugnado, bem quanto condenar a instituição financeira à restituição em dobro dos valores efetivamente descontados oriundos do contrato impugnado e ao pagamento de indenização por danos morais a parte autora no valor de R$3.000,00 (três mil reais).

Em decisão proferida à unanimidade pela 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará – TJCE, ao julgar o recurso de apelação cível interposto pela instituição financeira, o colegiado destacou que caberia ao banco réu comprovar a regularidade da avença, notadamente a assinatura impugnada pela parte autora, consoante Tema 1061 do STJ, o que não o fez, ônus que lhe cabia nos termos do art. 373, II, do CPC, razão pela qual restou reconhecida a fraude no caso concreto.

Além disso, o colegiado destacou que o dano moral na espécie é “in re ipsa”, ocasião em que manteve o valor arbitrado na origem de R$3.000,00 (três mil reais), em observância aos critérios de razoabilidade, proporcionalidade e a precedentes do Tribunal. Por outro lado, considerando a modulação dos efeitos oriundos do julgado do EAREsp 676.608/RS, afastou a restituição em dobro dos valores indevidamente cobrados anteriores ao dia 30 de março de 2021, uma vez que concluiu não restar inequivocamente comprovada a má-fé da instituição financeira, modificando, portanto, parcialmente a sentença.

Desse modo, conclui-se que a instituição financeira deve indenizar o consumidor vítima de empréstimo consignado fraudulento, notadamente quando não comprova a regularidade da contratação e respectivos descontos, uma vez que inerente aos riscos de sua própria atividade.

 

Ementa do processo interpretado:

PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE RELAÇÃO CONTRATUAL C/C PEDIDO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. SÚMULA 297 DO STJ. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. ARTIGO 14 DO CDC. DESCONTO EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. RÉ NÃO COMPROVOU A REGULARIDADE DA AVENÇA. AUSÊNCIA DE COMPROVANTE DE TED OU EQUIVALENTE. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA NÃO DESIN­CUMBIU DO ÔNUS QUE LHE CABIA, NOS TERMOS DO TEMA 1061 DO STJ. ARTIGO 373, II, DO CPC. FRAUDE VERIFICADA. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO EVIDENCIADA. OCORRÊNCIA DE DANO MORAL. QUANTUM MANTIDO EM R$3.000,00 (TRÊS MIL REAIS). PRECEDENTES TJCE. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. TESE FIRMADA NO EARESP 676.608/RS, COM MODULAÇÃO DOS EFEITOS PARA INCINDIR ÀS HIPÓTESES POSTERIORES À PUBLICAÇÃO DO JULGADO. ART. 42 DO CDC. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA MÁ-FÉ DA COBRANÇA. RESTITUIÇÃO DO INDÉBITO NA FORMA SIMPLES AOS DÉBITOS ANTERIORES AO REFERIDO JULGADO E DOBRADA AOS POSTERIORES. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

  1. Cinge-se a controvérsia recursal em verificar eventual desacerto da sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Acopiara que nos autos de ação declaratória de nulidade contatual c/c indenização por danos materiais e morais julgou procedente o pleito autoral.
  2. A relação entre as partes é consumerista, uma vez que a parte autora é destinatária final dos serviços oferecidos pela ré e a atividade bancária é considerada serviço para os fins legais (Súmula 297 do STJ). Desse modo, a responsabilidade da instituição financeira é objetiva, nos termos do art. 14 do CDC c/c Súmula 479 do STJ.
  3. Compulsando os autos, verifica-se que a instituição financeira não desincumbiu do ônus que lhe cabia de demonstrar o fato modificativo, extintivo ou impeditivo do direito do consumidor, nos termos do art. 373, II, do CPC, uma vez que não logrou êxito em demonstrar que houve a contratação do empréstimo consignado, eis que não consta, dentre os documentos acostados, o comprovante de transferência ou similar, o que implica na a má prestação do serviço do Banco, já que não demonstra se o apelado recebeu o montante em questão, ficando clara a existência de fraude bancária. Ademais, o instrumento contratual colacionado aos autos veio desacompanhado dos documentos pessoais da parte autora, não desincumbindo a instituição financeira de comprovar a autenticidade da assinatura, consoante Tema 1061 do STJ. Precedentes TJCE.
  4. Considerando os precedentes desta Corte para situações semelhantes, infere-se que o quantum deve ser mantido em R$3.000,00 (três mil reais) uma vez que razoável e proporcional para compensar o dano sofrido, além de atender o caráter pedagógico da medida a efeito de permitir reflexão da demandada sobre a necessidade de atentar para critério de organização e métodos no sentido de evitar condutas lesivas aos interesses dos consumidores.

5.O entendimento firmado pelo STJ nos embargos de divergência em agravo em recurso especial (EAREsp 676.608/RS), segundo a modulação dos efeitos do julgado, a restituição em dobro do indébito seja aplicada apenas às cobranças realizadas partir da publicação daquele acórdão, ou seja, 30/03/2021. Portanto, a restituição em dobro das cobranças realizadas antes de 30/03/2021 só ocorrerá acaso comprovada a má-fé da instituição financeira, o que não restou evidenciado nos autos.

  1. Sentença parcialmente reformada tão somente para determinar que a restituição do indébito seja realizada na forma simples aos débitos anteriores ao dia 30/03/2021, mantendo-se a restituição dobrada aos valores cobrados posteriormente.
  2. Recurso conhecido e parcialmente provido.

 

Dados do processo interpretado:

(TJCE – Apelação Cível – 0053870-93.2021.8.06.0029, Rel. Desembargadora Lira Ramos de Oliveira, 3ª Câmara Direito Privado, data do julgamento:  15/02/2023, data da publicação:  21/02/2023)

Colunista

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Yan Souza
Assessor de Desembargador no Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE). Professor de Direito no Centro Universitário do Vale do Jaguaribe (UniJaguaribe). Conciliador certificado pelo Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (NUPEMEC) do TJCE. Mestrando em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Pós-Graduado em Direito e Processo Penal pela Faculdade de Tecnologia de Palmas (FTP). Graduado em Direito pelo Centro Universitário 7 de Setembro (UNI7).

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