Razão de decidirTJPE

Legalidade de juros remuneratórios e capitalização mensal em contratos de financiamento de veículos

 

A priori, a relação jurídica existente entre o contratante e a instituição bancária na celebração de um contrato de financiamento de veículo está abrangida pelo CDC (arts. 2º e 3º); é bem verdade que se trata de contrato de adesão, cujas cláusulas são colocadas de forma a impedir eventual discussão.

Não obstante, as taxas de juros estipuladas devem ser analisadas caso a caso, a partir de uma análise minuciosa do contrato, pois o consumidor, em tendo ciência do valor da prestação, poderia simplesmente optar por não celebrar o contrato, sendo este o entendimento exarado pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco.

Assim, duas questões principais precisam ser analisadas quando da celebração deste tipo de contratação: o respeito ao dever de informação e a ausência de sujeição das instituições financeiras a limites dos juros remuneratórios.

Primeiramente, não haverá vício de informação quando constar no instrumento contratual de forma expressa, ostensiva e clara, as taxas, o valor de parcela e as quantidades destas, podendo facilmente se chegar ao valor total do contrato antes de sua assinatura.

Ainda, é importante que conste, a fim de evitar qualquer alegação de desconhecimento, o valor do montante final do financiamento e o valor total do veículo, após todos os encargos contratuais.

No caso de possíveis limitações a instituições financeiras, o Tribunal de Justiça de Pernambuco entendeu que “as instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios de 12% (doze por cento) ao ano, que foi estipulada pela Lei de Usura (Decreto n° 22.626/1933), pois exercem atividade remunerada através de tarifas e encargos, como é o caso dos juros remuneratórios, sendo legitima a ponderação do risco/inadimplência na sua fixação, bem como sua capitalização.”

Assim, a revisão dos contratos bancários para redução dos juros estipulados, depende de comprovação da onerosidade excessiva em cada caso concreto, tendo como parâmetro a taxa média de mercado para as operações equivalentes, pois a simples estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% (doze por cento) ao ano, por si só, não indica abusividade, nos termos da Súmula n° 382/STJ.

Dessa forma, essa espécie de contrato, por ser firmado por uma instituição financeira, não está limitado a uma taxa específica de juros. Tais taxas são regidas pelo próprio mercado, em que as empresas que oferecerem os melhores serviços pelas menores taxas atrairão mais consumidores e, portanto, terão seu exercício fortalecido.

Esse, a propósito, é o entendimento do STJ sobre a matéria. Vejamos:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. MORA. NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL. AÇÃO REVISIONAL. SÚMULA N. 83/STJ. JUROS REMUNERATORIOS. TAXA MÉDIA. ABUSIVIDADE NÃO CONSTATADA. DECISÃO MANTIDA. […] 3. A taxa média de mercado apurada pelo Banco Central para operações similares, na mesma época do empréstimo, pode ser usada como referência no exame da abusividade dos juros remuneratórios, mas não constitui valor absoluto a ser adotado em todos os casos. No caso concreto, não foi demonstrada significativa discrepância entre a taxa média de mercado e o índice pactuado entre as partes. 4. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AREsp 1230673/MS, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, 4′ TURMA, julgado em 01/04/2019, DJe 05/04/2019).

 

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REVISÃO DE CONTRATO DE FINANCIAMENTO. JUROS REMUNERATÓRIOS. ABUSIVIDADE. ORIGEM. NÃO CONSTATAÇÃO. CAPITALIZAÇÃO MENSAL DE JUROS. PACTUAÇÃO EXPRESSA. MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. REEXAME. SÚMULA Nº 7/STJ.

  1. As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios que foi estipulada pela Lei de Usura (Decreto nº 22.626/1933), em consonância com a Súmula nº 596/STF, sendo também inaplicável o disposto no art. 591, c/c o art. 406, do Código Civil para esse fim, salvo nas hipóteses previstas em legislação específica. A redução dos juros dependerá de comprovação da onerosidade excessiva – capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada – em cada caso concreto, tendo como parâmetro a taxa média de mercado para as operações equivalentes, de modo que a simples estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% (doze por cento) ao ano, por si só, não indica abusividade, nos termos da Súmula nº 382/STJ (REsp nº 1.061.530/RS).
  2. Agravo interno não provido.

(AgInt no AREsp 914.634/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 06/12/2016, DJe 19/12/2016 – grifei)

 

Inclusive, seguindo o entendimento do STJ, o referido TPJE confirmou que a própria capitalização mensal de juros é admitida, desde que haja previsão expressa em contrato, ao afirmar que o entendimento consolidado na Súmula 121 do STF restou superado a partir da edição da Medida Provisória 1963-17/2000, sucessivamente reeditada até a Medida Provisória 2.170-36/2001, que admitiu a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional.

Destarte, a capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual deve vir pactuada de forma expressa e clara. Para isso, basta que, no contrato, esteja prevista a taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal. Assim, os bancos não precisam dizer expressamente no contrato que estão adotando a “capitalização de juros”, bastando explicitar com clareza as taxas cobradas (STJ. 2ª Seção. REsp 973.827-RS, julgado em 27/6/2012).

No caso em análise, vê-se que foram previstos juros remuneratórios de 1,66% a.m. e 21,84% a.a., isto é, a taxa de juros anual é superior ao duodécuplo da mensal, o que atende ao estabelecido no julgamento do recurso repetitivo para reconhecimento do pacto válido de capitalização.

Nessa toada, o Tribunal concluiu por afastar o argumento de que o contrato mostra-se abusivo ao consumidor hipossuficiente por não apresentar cláusula contendo expressa e claramente a previsão de capitalização dos juros convencionados, pois o dever de informação foi respeitado quando o consumidor era sabedor da taxa mensal e da anual, do valor e do número de prestações fixas, conseguindo facilmente pesquisar entre as instituições financeiras se alguma concederia o mesmo financiamento com uma taxa mensal ou anual inferior.

 

 

Dados do processo interpretado já formatados para citação:

 

(TJPE; Apelação Cível 435502-60099438-94.2013.8.17.0001; Relator (a): Alberto Nogueira Virgínio; Órgão Julgador: 2ª Câmara Cível; Data do Julgamento: 10/08/2022; DJe 30/08/2022)

 

Ementa do processo interpretado:

 

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS. FINANCIAMENTO. IMPROCEDÊNCIA LIMINAR DA DEMANDA. ART. 285-A DO CPC/73. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS.

1- Considerando a revogação do §3º do Art. 192 da CF/88 pela EC 40/2003 e consoante Súmula nº 596/STF, as instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios de 12% (doze por cento) ao ano, que foi estipulada pela Lei de Usura (Decreto nº 22.626/1933), pois exercem atividade remunerada através de tarifas e encargos, como é o caso dos juros remuneratórios, sendo legítima a ponderação do risco/inadimplência na sua fixação, bem como sua capitalização. Conforme já decidido pelo STJ, por ocasião do julgamento do Resp Repetitivo n° 973.827/RS, nos contratos firmados após 31/3/2000, data da publicação da Medida Provisória nº 1.963-17, admite-se a capitalização dos juros em periodicidade inferior a um ano desde que pactuada de forma clara e expressa, assim considerada quando prevista a taxa de juros anual em percentual pelo menos doze vezes maior do que a mensal, o que se verifica no contrato dos autos. A contratação de financiamento em prestações de valores fixos, sem previsão de correção monetária, inclusive, torna a contratação mais clara, transparente e acessível ao consumidor, que, sabedor da taxa mensal e da anual, do valor e do número de prestações fixas, consegue facilmente pesquisar, entre as instituições financeiras, se alguma concederia o mesmo financiamento com uma taxa mensal ou anual inferior, perfazendo as prestações fixas um valor menor.

 

Colunista

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Gabriella Caldas
Pós-graduada em Direito Público pela Universidade Cândido Mêndes (2019). Pós-graduanda em Direito Médico e Saúde Suplementar pelo Instituto Luiz Mário Moutinho. Bacharela em Direito pela Universidade de Pernambuco (2017). Assessora Judiciária no Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE).

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