Novo Constitucionalismo em crise? Jurisdição Constitucional, Democracia e Direitos Fundamentais.
Os constitucionalistas aceitam, em geral, como adequada a resposta do Konrad Hesse ao desafio proposto por Ferdinand Lassalle no século precedente sobre ser a Constituição meramente uma folha de papel. Professor na Universidade de Freiburg, Hesse formula esta resposta em uma das obras mais influentes do constitucionalismo contemporâneo: A Força Normativa da Constituição. Tornando-se posteriormente magistrado do Tribunal Constitucional Federal alemão, trata-se de um jurista exemplar do constitucionalismo inaugurado pela Lei Fundamental de Bonn.
Esta influência, na ambiência de um novo modelo institucional de Estado, contribui para a criação na contemporaneidade do direito constitucional de um novo olhar que passa a articular de modo muito peculiar os vetores da Democracia, Direitos Fundamentais e Jurisdição Constitucional. Este último, no dizer de alguns autores, densifica-se na atual fase do constitucionalismo, trazendo contornos muito distintivos ao poder Judiciário, que torna-se também sede por excelência das novas problemáticas acerca da linguagem e interpretação — exemplique-se isto na concepção gadameriana de que a atividade judicante é paradigmática quanto à hermenêutica.
Após as crises do Estado Liberal que não foi capaz de entregar as promessas da Idade das Luzes, e do constitucionalismo de Weimar que tampouco as realizou sob a estrutura de um Estado Social propenso ao totalitarismo, as constituições da segunda quadra do século XX se transformariam na síntese dialética da crise da modernidade e buscariam, na reconstrução dos escombros do juspositivismo, a transformação social que garantisse dignidade a todos, sem descurar da proteção da dignidade já alcançada; os direitos fundamentais (agora mais com natureza de princípios na teorização de correntes pós-positivistas) se tornam o cerne de um constitucionalismo democrático que precisa reforçar a jurisdição constitucional como mecanismo calibrador da transformação social e das garantias fundamentais, evitando que maiorias ocasionais na política usem a democracia para destruir a própria democracia.
É nesta perspectiva que parece fazer sentido a ideia alhures propagada de que o século XIX deu foco ao Legislativo (movimento das codificações, crença liberal na racionalidade suficiente das leis, crença no “juiz boca-da-lei”), o século XX enfatizou o Executivo (em graus diversos, descambando até o totalitarismo), e,
finalmente, o XXI (mas iniciado em verdade nas últimas décadas do XX) seria o século do Judiciário. Conquanto seja demasiado prematuro no início do século fazer uma afirmação tão peremptória, a dificuldade é que a articulação e conjuntura desenhadas pelo constitucionalismo democrático já dão muitos sinais de crise. Não tanto talvez pela sua arquitetura conceitual, mas muito possivelmente pela sua utilização prática nos variados e complexos contextos das diverssas realidades culturais que buscaram implementá-la.
O fato é que a primeira necessidade, aparentemente, é a de reconhecer a crise. Em sequência, precisa-se cogitar de suas causas a partir já de um raciocínio prospectivo que busque caminhos experimentais que não apenas confirme as hipóteses sobre as causas, mas empreenda soluções promissoras.
Preliminarmente, sobre a crise, ao reconhecê-la, pode-se observar que se trata de algo mais severo em países cuja nota programática do constitucionalismo dirigente do Estado Democrático é mais presente. É que há, ao menos, dois fortíssimos obstáculos para a concretização de programas constitucionais democráticos. O primeiro é justo a dificuldade de estabelecer uma genuína experiência democrática (com John Dewey, não se trata meramente de regime de governo, mas sim de forma de vida). O segundo é que haja vontade coletiva de transformação social, e que ela ocorra sincronamente à vontade de constituição (expressão do Hesse, estendida pelo Peter Häberle, seu discípulo).
Quanto menos houver traços de uma forma de vida democrática e vontade de transformação em uma comunidade, mais as decisões pós-positivistas concretizadoras de direitos fundamentais de um poder contra-majoritário empoderado pela robusta jurisdição constitucional do Estado Democrático serão vistas com estranhamento. Compreenda-se, no conjunto, as dificuldades de coerência metodológica somadas a oscilações jurisprudenciais que minam completamente as expectativas de controle (técnico) racional das decisões judiciais e de segurança jurídica. Ativismo judicial, judicialização da política, etc, são, pois, sintomas.
Derradeiramente, mas também crucial para essa conjuntura, quando se contrasta tudo isso a partir da ciência da escassez se nota que quanto pior o cenário econômico, maior a crise do constitucionalismo. No entanto, será que a direção oposta se confirma? Quanto melhor o cenário econômico, maior a realização do programa constitucional? Bem, a próxima reflexão que será trazida a essa coluna pretende
começar a se aproximar disso, e se valerá da valiosa contribuição do Professor Gilberto Bercovici para questionar se no Brasil há crise de Constituição ou crise constituinte.